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A culpa não é só de Álvaro Santos Pereira

10 Março, 2012
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Nenhum primeiro-ministro gosta de fazer uma remodelação e todos temos na memória algumas mexidas governamentais pouco elegantes – das trapalhadas de Santana Lopes à ida de Guterres às escondidas ao Palácio de Belém. Talvez se possa mesmo dizer que não há alturas ideais para trocar de ministros, nem sequer aquelas de que costuma falar o prof. Marcelo, isto é, aquando das eleições autárquicas. Mesmo assim, pior do que uma remodelação é uma remodelação adiada.

Vem isto a propósito do destino de Álvaro Santos Pereira. Conheci-o quando ele ainda não era ministro, na altura em que veio a Portugal apresentar o seu último livro. No contacto pessoal reforcei a boa impressão que tinha da leitura das suas obras e do seu activismo na blogosfera, pelo que foi com expectativa inquieta que o vi assumir a pasta da Economia – como poderia alguém de boa vontade mas sem peso ou experiência políticas sobreviver à frente de tão gigantesco ministério? Depressa se percebeu que, verdadeiramente, nunca chegou sequer a ter uma oportunidade. Ou então perdeu-a logo de entrada. Vasco Pulido Valente já aqui chamou a tenção para a sua gaffe inicial, a do “Álvaro”, sinal de que era “abençoadamente ignorante da desigualdade e formalismo do indígena”, um indígena que, cruel, depressa lhe perdeu o respeito.

Mas enganamo-nos se pensarmos que tudo se resume a gaffes, por mais desastradas que estas tenham sido. Esta semana tive disso a percepção clara ao assistir à intervenção de Álvaro Santos Pereira num jantar-debate da APDC. O ministro, como qualquer aluno aplicado, tratou de recordar todas as reformas que já fez em oito meses de governação, e reconheça-se que são muitas e importantes: revisão das leis laborais com acordo na concertação social; nova lei da concorrência; reorganização dos transportes públicos e fim do seu endividamento galopante; reestruturação do capital de risco público; revisão do regime das insolvências… Faltou-lhe, contudo, capacidade para enquadrar todas estas medidas numa visão do que deve ser o país e do papel dos governos, tendo apenas repetido, já no final da sua intervenção, algumas frases soltas sobre a sua filosofia de actuação. Foram frases certeiras, mas insuficientes. Ou seja, Álvaro Santos Pereira não conseguiu, mais uma vez, sair da lógica que lhe começou a ser imposta poucas semanas depois de tomar posse, quando na televisão se sucediam os comentadores a dizer que tínhamos ministro das Finanças a mais e ministro da Economia a menos. Desde essa altura que o Governo (e não só o seu ministro da Economia) não tem sabido explicar que nunca será o voluntarismo de um qualquer ministério a reanimar a economia, antes que a primeira condição para esta voltar a crescer é diminuir a forma como o Estado a sobrecarrega de impostos, taxas e regulamentos.

Santos Pereira não tem o dom da comunicação, e isso já seria forte handicap na sua pasta, mas ao ter de passar a vida a “correr atrás do prejuízo” foi-se desgastando e fez diminuir as possibilidades de sucesso de algumas das reformas importantes que promoveu. Até este episódio do QREN é significativo, talvez não tanto pelos alegados desaguisados no interior do Executivo mas pela forma como, de repente, muitos interesses rentistas apareceram a defender o ministro da Economia. Até certos figurões da Assembleia se puseram a seu lado. Porque é que isso sucedeu quando ainda há poucos dias todos o zurziam? De onde veio este estranho zelo pelo destino e pela honra do “Álvaro”?

Excepto nalgumas áreas onde me parece que a actuação do Ministério da Economia está a ser desastrosa – destaco em especial a área da Energia –, o rumo e as medidas tomadas por Álvaro Santos Pereira são as adequadas e fazem uma enorme diferença relativamente ao passado recente. Não duvido que é um homem determinado, até sacrificado. Mas está ferido na asa, foi apoucado e cercado numa altura em que ainda tem por resolver alguns dos problemas mais delicados e que exigem mais autoridade, como a renegociação das PPP, que já vai com atraso.

Como Álvaro Santos Pereira não é um Eusébio da política, capaz de estar em campo com os joelhos inchados e ainda marcar golos, começa a ser urgente sacrificar o ministro para salvar as suas reformas. Quero crer que o próprio Álvaro já percebeu isto.

Público, 9 Março 2012

19 comentários leave one →
  1. 10 Março, 2012 17:38

    Parabéns.
    Este conheceu o ministro antes de o ser.
    Está explicado.

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  2. aremandus permalink
    10 Março, 2012 18:14

    a amiga de Helena de Matos e JMF:
    http://corporacoes.blogspot.com/2012/03/vida-custa-todos.html

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  3. XisPto permalink
    10 Março, 2012 18:30

    A culpa nem é particularmente da ASP, basta ver as contribuições de Vitor Gaspar com as excepções na TAP, CGD (e o que mais virá). Como alguém já publicamente afirmou, o governo está a brincar com o fogo. A actual maioria existe porque o eleitorado quiz sair do pesadelo Sócrates e pagou para ver quanto valia a promessa de mudar de vida com uma distribuição equitativa dos sacríficios. Pura e simplesmente, isso não está a suceder, e o problema não se resolve com remodelações. A situação só pode piorar com ASP fora do governo “desmitindo” que foi sabotado quando se preparava para agir relativamente à captura do estado que a troika inventariou PPP, EDP, etc, etc, etc. Ou o governo, com ou sem ASP, age rapidamente nesta área, ou perde o apoio de uma fracção do eleitorado sem o qual está votado ao fracasso.

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  4. 10 Março, 2012 18:53

    O vício dos pigs – cartoon

    http://goo.gl/JtmhS

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  5. JDGF permalink
    10 Março, 2012 19:11

    PPC está confrontado com uma duro desafio. Não propriamente com o “problema ASP” que é um caso perdido e, passará a ser um ridículo entretém da pequena política diária.
    O 1º. Ministro está a ser, no dia a dia, confrontado com a estrutura orgânica que escolheu para o XIX Governo Constitucional. Ao fim de 8 meses “baqueou”. O propangandístico “mini-governo” transformou num grande imbróglio político. E, pior, numa aberração funcional.

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  6. Costa Cabral permalink
    10 Março, 2012 19:12

    A culpa, obviamente, é do Primeiro-Ministro Passos Coelho que já revelou não ter estaleca para liderar o Governo.
    Aliás, o verdadeiro PM é o Ministro Vitor Gaspar, pois mais dia menos dia a Ângela Merkel e o BCE é que o vão indicar para PM, quando este governo demitir-se, que muito provavelmente não chegará ao fim do ano.

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  7. the lost horizon permalink
    10 Março, 2012 21:13

    A culpa em primeiro lugar, é do rapaz do Angelo que deixa, ou incita, o Gaspar aplicar o princípio de Pareto, da segunte forma; sacam o dinheiro a 80% dos portugueses para darem aos restantes 20% do costume.
    .
    Será que o Álvaro tentou por alguma justiça nisso e foi por isso mesmo, colocado à margem do processo?

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  8. castanheira antigo permalink
    10 Março, 2012 21:54

    “– como poderia alguém de boa vontade mas sem peso ou experiência políticas sobreviver à frente de tão gigantesco ministério?”
    O que é isso de peso e experiência politica ?
    É o enfeudamento á estrutura partidária e aos lobys ? Então ainda bem que ASP não tem essas características
    ( ou falta de qualidade ) .
    gigantesco ministério ? Só é gigantesco porque o fizeram assim . Em condições óptimas não seria necessário sequer haver esse ministério . E nestas condições de bancarrota seria útil exclusivamente para preparar a sua própria extinção , pois uma economia saudável não precisa de ministério da economia .

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  9. Costa Cabral permalink
    10 Março, 2012 22:28

    A culpa também é dos tiriricas comentadores e blogguers que infernizaram anos a fio os portugueses e que andaram para aí a apregoar as loas do neo-liberalismo.
    Algum dia, estes portugueses da pôrra , que querem tudo do Estado, iriam converter-se ao liberalismo?
    Até vejo os comentadores, bloguers, universitários, intelectuais e jornalistas que preconizam o liberalismo ou coisa que o valha são todos funcionários públicos!
    Todos eles viveriam felizes, ora numa ditadura corporativista de direita ou numa ditadura social-fascista de esquerda!
    Até diziam mal do Sócrates, o único verdadeiro primeiro-ministro LIBERAL que Portugal conheceu!

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  10. 11 Março, 2012 01:17

    ministros em coisas que mudam cada 15 dias é que não fazem sentido. alguém acha que um elefante é capaz de dançar ballet e fazer volte face em tempo útil ? pois , os cromos até sabem que o mundo muda cada 15 dias ( socras dixit ) mas ainda , tadinhos , burros como são , ainda não perceberam bem as implicações disso. deixem-nos em paz , puxa , ministros dum estado mastodonte , é uma impossibilidade fisica acompanharem-nos , logo , só estorvam. daaaaaa.

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  11. Nuno permalink
    11 Março, 2012 03:36

    .
    Suponho que há um erro fatal que consiste na explicação clara do programa do governo, das tarefas necessárias para o levar a cabo e demonstrar toda a porcaria miserável que herdou. É fundamental que o povo saiba, com toda a evidência, de todo o desmendo socialista e das tarefas ciclópicas que tem pela frente.
    .

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  12. the lost horizon permalink
    11 Março, 2012 08:44

    “. . . . os símbolos são mais radicais que aquilo que simbolizam, o significante precede e determina o significado”
    .

    Por isso é que dona Zita e sr Barrete sendo marca branca e fora do prazo, ainda ainda aparecem nas prateleiras nojentas entre candonga chinoca que é o produto de venda e o negócio do Pingo Doce.
    É o Marketing, perdão meu Senhor! Então não há culpados?
    .
    “Lévi-Srauss

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  13. silva permalink
    11 Março, 2012 09:30

    CONHECE ALGUM PAÍS EUROPEU ONDE SE TENHA FEITO UM DESPEDIMENTO COLECTIVO NUM CASINO?

    Ilhas Aland (casino 1) Albânia (2 casinos) Áustria (30 casinos) Belarus (26 casinos) Bélgica (26 casinos) Bósnia e Herzegovina (1 casino) Bulgária (51 casinos) Croácia (51 casinos) Chipre (21 casinos) República Checa (85 casinos) Dinamarca (6 casinos) Estónia (124 casinos) Finlândia (33 casinos) França (460 casinos) Geórgia (9 casinos) Alemanha (134 casinos) Gibraltar (3 casinos) Grécia (11 casinos) Hungria (22 casinos) Irlanda (56 casinos) Ilha de Man (1 casino) Itália (15 casinos) Letónia (47 casinos) Lituânia (20 casinos) Luxemburgo (1 casino) Macedónia (8 casinos) Malta (6 casinos) Moldávia (6 casinos) Mónaco (5 casinos) Montenegro (3 casinos) Holanda (88 casinos) Noruega (2 casinos) Polónia (37 casinos) Portugal (10 casinos) Roménia (28 casinos) Rússia (3 casinos) Sérvia (27 casinos) Eslováquia (16 casinos) Eslovénia (19 casinos) Espanha (52 casinos) Suécia (31 casinos) Suíça (30 casinos) Ucrânia (36 casinos) Reino Unido (363 casinos) .

    Esta mensagem, por parte de trabalhadores que foram despedidos sem apelo nem agravo do Casino do Estoril, mostra bem o que significa as leis laborais: letra morta, a falta de cumprimento das próprias leis do sistema.

    Esta denúncia também demonstra que sem a determinação na luta contra as políticas reacionárias do governo, estas situações propagam-se como faúlhas. Por isso façamos, explorados, em contrapartida que o combate contra o grande capital se intensifique, alastrando como o fogo numa floresta.

    “Nestas condições não constituirá um escândalo e uma imoralidade proceder-se à destruição da expectativa de vida de tanta gente? Para mais quando a média de idades das mulheres e homens despedidos se situa nos 49,7 anos?
    Infelizmente, a notícia de mais um despedimento coletivo tem-se vindo a tornar no nosso país numa situação de banalidade, à qual os órgãos de comunicação social atribuem cada vez menos relevância, deixando por isso escondidos os verdadeiros dramas humanos que sempre estão associados à perda do ganha-pão de um homem, de uma mulher ou de uma família.
    Mas, para além do quase silêncio da comunicação social, o que mais choca os cidadãos atingidos por este flagelo é a impassibilidade do Estado a quem compete, através dos organismos criados para o efeito, vigiar e fazer cumprir os imperativos Constitucionais e legais de proteção ao emprego.

    E o que mais choca ainda é a própria participação do Estado, quer por omissão do cumprimento de deveres quer, sobretudo, por cumplicidade ativa no cometimento de atos que objetivamente favorecem o despedimento de trabalhadores.

    Referimo-nos, Senhores Deputados da República, à impassibilidade de organismos como a ACT-Autoridade para as Condições do Trabalho e DGERT (serviço específico do Ministério do Trabalho) que, solicitados a fiscalizar as condições substantivas do despedimento, nada fizeram mediante as provas que presenciaram.
    Não gosto de ver o caos em que puseram este país, por irresponsabilidade, por falta de respeito, pelo cidadão nos casos da justiça que a civilização criou como valores para a igualdade.
    Muitas das vezes, os nossos governantes não têm a capacidade de perceber para onde nos estão a conduzir ou não têm a coragem de assumir. Isso custa-me, porque há vítimas que estão a sofrer imenso.
    Por má gestão, por causa de carreiras meteóricas.
    Não posso deixar de condenar, todo o governante ou político, que pôs o seu trajecto individual e social acima do trajeto coletivo.
    Podem não se importar com as palavras, mas o certo é que não deixa de ser egoísmo, egocentrismo, quase tirania.
    Quem com responsabilidades está por detrás deste despedimento ilegal, que leva o estado a suportar o subsídio destes 112 trabalhadores.”
    Meus Srs., vão ver, pelo menos, se aumentou a quantidade de zarolhos entre os trabalhadores e se vão permitir que uma empresa com lucros possa despedir as pessoas e se o Estado não assume as suas responsabilidades para com o monopólio.
    É voz corrente, que alguns empregados postos na lista de despedimentos, são profissionais de primeiríssima qualidade…
    Por exemplo, quanto é que o Estado pagou por aquela parte da sala de jogos do Casino Estoril, que agora é uma discoteca alugada a uma amiguinha do presumivel “mau jardineiro”, pelo preço da uva mijona?”

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  14. 11 Março, 2012 12:25

    Se o ASP não é um “Eusébio da política”, era ele, em primeiro lugar, que devia ter consciência disso. Não só não teve, como parece ter-se deslumbrado com intervenções medíocres de politiquice. Claro que a desilusão é diretamente proporcional ao que dele se esperava. Ora, independentemente de estarmos ou não de acordo com as suas ideias, o mínimo que se exigia era a definição de uma estratégia que enfrentasse os setores mais parasitários do capital, aqueles que sempre viveram à sombra das rendas do Estado. Não só não o fez, como foram precisamente esses que agora apareceram a defendê-lo. Mau sinal.

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  15. 11 Março, 2012 12:54

    ASP não é um político. Ponto. É um académico, culto, estudioso, mas ingénuo e sincero. E neste país, politicamente, a sinceridade e honestidade matam.
    A concretizar-se a saída de ASP do governo só irá mostrar a triste realidade de um país que glorifica a manipulação, a política de bastidores e os jogos de interesses, confirmando que temos os políticos que merecemos.

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  16. Francisco Colaço permalink
    11 Março, 2012 13:13

    O Álvaro vai ser despedido antes de mandar lixar as PPP e de cortar com os suicídios (palavra intencional!) das rendas do sector das cabecinhas de vento.
    .
    Rentistas e lobinhos no seu melhor.

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  17. J. Madeira permalink
    11 Março, 2012 14:47

    O autor jmf1957 até parece um naíf da política e não só, sabe se a obra que o redondo Álvaro
    apresentou é mesmo dele ? Como avaliador de pessoas e situações, é um verdadeiro nabo
    mas, existirá no Álvaro alguma capacidade para convencer alguém do que quer que seja ?
    Tão pouco, conseguiu convencer os alunos nos sítios onde dava aulas, segundo as crónicas era
    desorganizado, atrasado e, grande anti-comunista!
    Até o Saraiva da CIP levou um baixo assinado ao P.M. para evitar a demissão da peça que,
    pelos vistos já está completamente, controlada pelo patronato! O autor é mesmo Tótó !!!!!

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  18. 11 Março, 2012 19:13

    Diz-se que um fraco rei faz fraca a forte gente.Porque é que o fcp não dá espaço para que outros sejam campeões?Esta é que é a verdadeira situação!Quando vi uma ministra dispensar o uso de gravata no seu ministério sem articulação,que se soubesse,com o primeiro ministro,fiquei com a impressão,penso que não errada, de que o primeiro ministro se viria a manifestar fraco.Quando se ouviu que,no caso do QREN,paulo portas estaria do lado da barricada do ministro gaspar,mais uma vez fiquei com a impressão,julgo não errada, de quem mandava!Para mim,o ministro álvaro,por aquilo que já fez,apesar deste emaranhado, merece o respeito dos portugueses de bem.Para mim, está a ser o bode expiatório.

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  19. JDGF permalink
    11 Março, 2012 19:28

    A sustentação “oferecida” pela CIP ao ministro ASP, na questão da gestão das verbas do QREN, se não for (só) um (merecido) agradecimento ao esforço desenvolvido na concertação social, levanta dúvidas sobre se os critérios distributivos desses apoios não estarão previamente definidos (concertados).
    A entrada de Vítor Gaspar neste “filme” causou alguma perturbação não só ambiente político governamental (coligação PSD/CDS) como (principalmente) nos meios empresariais.
    A situação política tem sido amplamente comentada. Todavia, os reflexos destas decisões na Economia (real) são mantidos debaixo de uma intrigante contenção por parte de protagonistas que não se coíbem de opinar sobre todos os assuntos públicos. Esquisito, não é ?

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