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«Foi assim em…..»

10 Fevereiro, 2008

A propósito da situação no Afeganistão, onde pouco de concreto a intervenção da Nato tem conseguido, o Carlos Novais hoje recordou-me um texto de 1880 pleno de actualidade, pelo então diplomata Eça de Queirós.

«(…) Em 1847, os Ingleses – «por uma razão de estado, uma necessidade de fronteiras científicas, a segurança do império, uma barreira ao domínio russo da Ásia…» e outras coisas vagas que os políticos da Índia rosnam sombriamente retorcendo os bigodes – invadem o Afeganistão, e aí vão aniquilando tribos seculares, desmantelando vilas, assolando searas e vinhas: apossam- se, por fim, da santa cidade de Cabul; sacodem do serralho um velho emir apavorado; colocam lá outro de raça mais submissa, que já trazem preparado nas bagagens, com escravas e tapetes; e logo que os correspondentes dos jornais têm telegrafado a vitória, o exército, acampado à beira dos arroios e nos vergéis de Cabul, desaperta o correame e fuma o cachimbo da paz… Assim é exactamente em 1880.

No nosso tempo, precisamente em 1847, chefes enérgicos, messias indígenas, vão percorrendo o território, e com grandes nomes de pátria, de religião, pregam a guerra santa: as tribos reúnem-se, as famílias feudais correm com os seus troços de cavalaria, príncipes rivais juntam-se no ódio hereditário contra o estrangeiro, o homem vermelho, e em pouco tempo é todo um rebrilhar de fogos de acampamento nos altos das serranias, dominando os desfiladeiros que são o caminho, a entrada da Índia… E quando por ali aparecer, enfim, o grosso do exército inglês, à volta de Cabul, atravancado de artilharia, escoando-se espessamente por entre as gargantas das serras, no leito seco das torrentes, com as suas longas caravanas de camelos, aquela massa bárbara rola-lhe em cima e aniquila-o.

Foi assim em 1847, é assim em 1880. Então os restos debandados do exército refugiam-se em alguma das cidades da fronteira, que ora é Gasnat ora Candaar: os Afegãs, correm, põem o cerco, cerco lento, cerco de vagares orientais: o general sitiado, que nessas guerras asiáticas pode sempre comunicar, telegrafa para o vice-rei da Índia, reclamando com furor «reforços e chá e açúcar!» (Isto é textual; foi o general Roberts que soltou há dias este grito de gulodice britânica; o Inglês, sem chá, bate-se frouxamente.) Então o governo da Índia, gastando milhões de libras como quem gasta água, manda a toda a pressa fardos disformes de chá reparador, brancas colinas de açúcar e dez ou quinze mil homens. De Inglaterra partem esses negros e monstruosos transportes de guerra, arcas de Noé a vapor, levando acampamentos, rebanhos de cavalos, parques de artilharia, toda uma invasão temerosa… Foi assim em 47, assim é em 1880.

Esta hoste desembarca no Indostão, junta-se a outras colunas de tropa hindu e é dirigida dia e noite sobre a fronteira em expressos a quarenta milhas por hora; daí começa uma marcha assoladora, com cinquenta mil camelos de bagagens, telégrafos, máquinas hidráulicas e uma cavalgada eloquente de correspondentes de jornais. Uma manhã avista-se Candaar ou Gasnat – e num momento é aniquilado, disperso no pó da planície, o pobre exército afegã com as suas cimitarras de melodrama e as suas veneráveis colubrinas de modelo das que outrora fizeram fogo em Diu. Gasnat está livre! Candaar está livre! Hurra! Faz-se imediatamente disto uma canção patriótica; e a façanha é por toda a Inglaterra popularizada numa estampa, em que se vê o general libertador e o general sitiado apertando-se a mão com veemência, no primeiro plano, entre cavalos empinados e granadeiros belos como Apoios, que expiram em atitude nobre! Foi assim em 1847; há-de ser assim em 1880.

No entanto, em desfiladeiro e monte, milhares de homens, que ou defendiam a pátria ou morriam pela fronteira científica, lá ficam, pasto de corvos o que não é, no Afeganistão, uma respeitável imagem de retórica: aí, são os corvos que nas cidades fazem a limpeza das ruas, comendo as imundícies, e em campos de batalha purificam o ar, devorando os restos das derrotas.
E de tanto sangue, tanta agonia, tanto luto, que resta por fim? Uma canção patriótica, uma estampa idiota, nas salas de jantar, mais tarde uma linha de prosa numa página de crónica…

Consoladora filosofia das guerras!

No entanto a Inglaterra goza por algum tempo a «grande vitória do Afeganistão» com a certeza de ter de recomeçar daqui a dez anos ou quinze anos; porque nem pode conquistar e anexar um vasto reino, que é grande como a França, nem pode consentir, colados à sua ilharga, uns poucos de milhões de homens fanáticos, batalhadores e hostis. A «política», portanto, é debilitá-los periodicamente, com uma invasão arruinadora. São as fortes necessidades de um grande império. Antes possuir apenas um quintalejo, com uma vaca para o leite e dois pés de alface para as merendas de Verão…(…)»

16 comentários leave one →
  1. lucklucky permalink
    10 Fevereiro, 2008 01:42

    Pouco de concreto?! Al-Libi nº4 na hierarquia conhecida da Al-qaeda foi morto á algumas semanas. Mas como esta guerra não tem ninguém que faça sua narrativa, Guantanamo é mais importante que a morte de Al-Libi. Se a guerra nos media fosse assim na Segunda Guerra Mundial os Nazis ainda lá estavam agora.

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  2. alain bick permalink
    10 Fevereiro, 2008 07:54

    o primitivismo do jornalismo socialista da voz do dono não permite aos portugueses conhecer o mundo onde vivemos. só falam de antiamericanismo, antibushismo, anticlericalismo, e elogios sobretudo pró pinocrates.
    nada a fazer a não ser mandar o politicos para qualquer sítio.

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  3. Anónimo permalink
    10 Fevereiro, 2008 08:58

    A história dos imperialismos é repetitiva e como tá tem um começo, um meio e um fim. Um dia virá em que o poder será globalizado e o desenvolvimento das civilizações será baseado em algo que não o lucro. Assim a opressão de povos inteiros poderá cessar pela potencia dominante porque os Estados dificilmente sobreviverão com este tipo de funções.

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  4. Anónimo permalink
    10 Fevereiro, 2008 08:59

    A história dos imperialismos é repetitiva e como tal tem um começo, um meio e um fim. Um dia virá em que o poder será globalizado e o desenvolvimento das civilizações será baseado em algo que não o lucro. Assim a opressão de povos inteiros poderá cessar pela potencia dominante porque os Estados dificilmente sobreviverão com este tipo de funções.

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  5. maku_kula permalink
    10 Fevereiro, 2008 09:56

    A historia da humanidade é sim repetitiva, tal como dos imperialismos.
    O último e acabado exemplo dele foi o do comunismo protagonizado pela União Sovietica que mascarado de ideologia para o bem dos povos teve o seu começo meio e fim.
    O imperialismo do “lucro” esse irá sempre continuar seja ele protagonizado por Persas,Egipcios,Arabes, Mongois, Europeus, mais recentemente por Americanos e futuramente pela China.
    Pintem-no da forma que quiserem ou façam voto de fé conforme der jeito mas ele se renovará apesar e com a “fé” que a justificará ao longo dos tempos.

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  6. 10 Fevereiro, 2008 10:55

    Acho que falta referir as papoulas.

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  7. Luis Moreira permalink
    10 Fevereiro, 2008 11:19

    Lindo.Gostava de escrever assim!

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  8. Luis Moreira permalink
    10 Fevereiro, 2008 11:21

    Lindo.Gostava de escrever assim!

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  9. 10 Fevereiro, 2008 11:34

    E as papoilas ?

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  10. 10 Fevereiro, 2008 12:16

    Obama, chama a si 3 estados e continua tudo em aberto

    ver aqui os estados que ja votaram

    http://content.usatoday.com/news/politics/election2008/results.aspx?sp=sc&oi=p&rti=e

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  11. Psicoiso permalink
    10 Fevereiro, 2008 12:36

    Estes americanos, estão a ficar com alguns dos defeitos dos lusitânos.
    Eles não aprenderam nada. Com a história.
    Talvez sem muita culpa, uma questão da condição humana ou política.

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  12. 10 Fevereiro, 2008 14:07

    Estas caixas de comentários são uma merda.

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  13. Psicoiso permalink
    10 Fevereiro, 2008 14:51

    É o que faz levar os assuntos para junto da ventoinha.
    Salpicam.

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  14. Luis Moreira permalink
    10 Fevereiro, 2008 17:26

    Piscoiso

    Estamos á espera que você ponha a ETAR a funcionar!

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  15. Anónimo permalink
    10 Fevereiro, 2008 17:54

    E as papoilas ? São vendidas nos mercados dos impérios e fronteiriços.

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  16. António Lemos Soares permalink
    10 Fevereiro, 2008 18:22

    Foi por estas e por outras, que o Sr. D. Carlos I fez, o que tinha a fazer, quando cedeu à ameaça de corte de relações diplomáticas por parte da Grã Bretanha na crise, erradamente, designada de “Ultimatum”. Esperava-se que o País pecebesse e respondesse à altura. Sucedeu o que se sabe…

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