Um banco em Veneza
Pedro, da Veneza Contemporânea, tinha um banco em Veneza. Começou a emprestar mais do que tinha até que um dia os depositantes apareceram lá todos ao mesmo tempo para levantar o dinheiro. Sem dinheiro para pagar aos credores, o Pedro entrou em Bancarrota. O evento pode gerar uma onda de falências por toda a a Veneza. Os intelectuais de Veneza estão neste momento a discutir o que fazer:
A uma esquina, dois intelectuais discutem a situação. Um sugere que a única maneira de evitar esta catástrofe é o Estado tomar conta (nacionalizar) todos os bancos, honrar em nome deles todas as ordens de pagamento possuidas pelos comerciantes e manter a economia de Veneza a funcionar.
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Outro, que se diz liberal, discorda. Diz ele que em nome dos princípios da economia de mercado, deveriam deixar ir todos os bancos à falência, todos os comerciantes também, toda a população para o desemprego. Fome e miséria, argumenta ele, é o que esta gente precisa para aprender, da próxima vez, a não fazer o mesmo.
Vamos supor que a discussão é ganha pela facção liberal. Sem intervenção pública, o Pedro é obrigado a fugir para Verona onde, disfarçado de judeu para se esconder dos credores, criará uma companhia de seguros dedicada a segurar os depósitos de todos os bancos do norte de Itália. A inovação é muito bem vinda, agora que os depositantes andam muito mais prudentes (as notícias da catástrofe veneziana impressionaram toda a Itália). Para alem disso, consta que o dono da seguradora tem experiência em falências bancárias e sabe o que anda a fazer. Dizem que até tem contactos em Amsterdão. Os bancos segurados são agora obrigados pela seguradora a manter reservas obrigatórias elevadas para acudir aos levantamentos e a seguradora tem direito a efectuar inspecções periódicas a todos os bancos segurados. O relatórios tornaram-se leitura obrigatória para todos os comerciantes italianos. Os liberais de Verona defendem agora que o sistema só funcionará se a própria companhia de seguros for segurada e auditada por outras companhias, incluindo algumas de Amsterdão. Entretanto em Veneza, a economia está a recuperar após um plano bem sucedido promovido pelos comerciantes locais de conversão de dívida em acções das empresas falidas. Os liberais alegam agora que houve uma tentativa por parte do Doge para empolar os problemas financeiros da cidade para justificar a sua intervenção.
Mas vamos supor que a facção liberal perde o debate. O Doge de Veneza tem agora participações em metade das empresas da cidade à custa do dinheiro cobrado para o efeito aos próprios venezianos. Veneza atravessa uma crise prolongada causada por impostos altos, dívida pública elevada e um sistema bancário ineficiente e antiquado. Parece que o Doge ainda não se conseguiu livrar de alguns contratos tóxicos. O Doge culpa os descobrimentos portugueses e os métodos liberais dos banqueiros de Verona pela crise. Paradoxalmente, a população descobriu que os depósitos bancários são segurados por impostos. A confiança no sistema bancário aumentou, apesar da quase bancarrota e da crise. Já ninguém se informa sobre a integridade do seu banco ou sobre a honestidade do banqueiro. A única coisa que preocupa um depositante é: conseguirá o Doge cobrar impostos suficientes para me pagar? Claro que os banqueiros estão cada vez mais alavancados e muitos depositantes preferem viver em Verona onde os impostos são mais baixos. Uma casa em Verona, um depósito em Veneza, diz-se. Os liberais de Veneza andam a dizer que a próxima crise será bastante pior que a anterior. Entretanto, os novos papeis certificados pelo Doge valem cada vez menos moedas de ouro de Verona.
As duas opções não são incompatíveis. O que é preciso é que o Estado, ao entrar, saiba como sair. O Estado não é uma entidade “à solta”, sem dono, a não ser que os cidadãos o permitam. Se permitem, também não se saberiam organizar para intervir em vez dele.
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Mas o que eu queria mesmo é que alguém me provasse que a emissão pirata de moeda não existe e que o que eu escrevi n’A Baixa do Porto não faz sentido…
😉
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Pois, só que no primeiro caso, a tal da seguradora, como tem olho para o negócio, acaba por achar que está a fazer pouco dinheiro e resolve cobrar ao banco para fazer as tais inspecções. O banco, como é óbvio, não está para pagar e dizerem-lhe que tem as suas contas em cacos, então combina com a seguradora um método de auditoria que lhe permita colocar “investimentos” que faz com o dinheiro dos clientes “off the books”. A seguradora – que quer é ganhar mais dinheiro – obviamente aceita, sabendo que o banco é gerido por pessoal inteligente. Os clientes continuam descansados com as auditorias da seguradora…
Até que um dia, os malvados dos austriacos declaram guerra a Veneza e a coisa começa a correr mal. As pessoas que querem ir passar “uns tempos” aos Estados Papais vão ao banco levantar dinheiro e o senhor diz que, afinal, não têm. Não, não mentiram… só que foram “criativos” com as contas e afinal o que diziam que lá estava não estava bem, bem lá… E lá vai o banco de vela, ficando no entanto a seguradora rica e podendo dedicar-se a plantar túlipas para o resto da vida com dinheiro de italianos.
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João Miranda,
Parabens. Imaginativo.
Mas eu gosto deste Carlos Duarte.
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(…)o Pedro é obrigado a fugir para Verona onde, disfarçado de judeu para se esconder dos credores(…)”
😀
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…E começo logo a acusar os veroneses de anti-semitas para eles se manterem na defensiva e eu poder fazer aquilo que quero. Ainda recebo uma indemnização do doge de Verona.
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… E com essa indemnização arranjo o capital para fundar a seguradora.
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“…[Frank] Partnoy is a former derivatives salesperson, and he clearly suggests that regulation is often the derivative salesman’s best friend. Complicated rules encourage complex transactions that seek to conceal or re-shape their true nature. Regulated entities create demand for complex derivatives that substitute proscribed risks for admitted risks. If a new risk is identified and prohibited, the market starts inventing instruments that get around it. There is no end to this process. Regulators have always had this perversely symbiotic relationship with Wall Street. And the same can be said for the ridiculously complicated federal taxation rules and increasingly byzantine Financial Accounting Standards, both of which have inspired massive derivative activity as the engineers find their way around the code maze.”
http://www.marginalrevolution.com/marginalrevolution/2008/09/mindles-dreck-i.html
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O JM conseguiu mostrar que o CAA e o PA afinal pensam de modo análogo. E o método que utilizam também é idêntico, um post com destinatário, sem o nunca o referirem. Só fico com uma dúvida, porque respode o JM ao PA e ignora o CAA?
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“o Pedro é obrigado a fugir para Verona onde, disfarçado de judeu para se esconder dos credores”
Não vai nada disfarçado de judeu.
Vai mas é disfarçado de João Miranda.
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“disfarçado de judeu”
ahahahahahahha
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“Uma casa em Verona, um depósito em Veneza, diz-se”.
ahahahah
Este texto está absolutamente delicioso.
Parabéns, João Miranda. Foi das coisas com mais piada que escreveu.
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“Uma casa em Verona, um depósito em Veneza, diz-se”
E podemos/devemos pensar em Verona->Europa, Veneza->EUA dadas as recentes medidas?
Por outras palavras, a interconexão do capital faz com que os 700 mil milhões sejam pagos por todos no globo ou apesar de tudo sê-lo-á pelos contribuintes americanos? Parece duvidoso não?
Pedro Gil
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Para que fique claro, a minha ultima pergunta é uma pergunta, não é ironia.
Alem disso, parabens pelo texto JM,
Pedro Gil
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A realidade
http://blog.causaliberal.net/2008_09_01_causaliberal_archive.html#474132771645237638
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ehehehehhehe genial!
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“Os bancos segurados são agora obrigados pela seguradora a manter reservas obrigatórias elevadas para acudir aos levantamentos e a seguradora tem direito a efectuar inspecções periódicas a todos os bancos segurados”…
Uma provocação:
Mas, se as reservas (obrigatórias ou não) se elevam a um montante que anulará, em grande medida, o risco do negócio (não digo o equivalente a um rácio de 100%, mas quase…) então, para que é preciso a seguradora? O banqueiro vai pagar apólices por um risco que ou não existe ou, no mónimo, é controlável?
Não sei se a hipótese do novo negócio do Pedro de Veneza, em Verona, será realista ou terá muita saída….
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No comentário precedente, é claro que a provocação se referia à primeira hipótese…
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««Mas, se as reservas (obrigatórias ou não) se elevam a um montante que anulará, em grande medida, o risco do negócio (não digo o equivalente a um rácio de 100%, mas quase…) então, para que é preciso a seguradora? O banqueiro vai pagar apólices por um risco que ou não existe ou, no mónimo, é controlável?»»
Neste tipo de seguro a seguradora tem que controlar os riscos que podem ser controlados. Por exemplo, risco de fraude por parte do banqueiro. Caso contrário, os banqueiros deixam de se preocupar com o risco porque o risco é um problema da companhia de seguros.Por isso tem que haver um sistema de auditorias aos bancos. O sistema de auditoria elimina a maior parte do risco e permite que o prémio do seguro seja mais baixo. O interesse do banqueiro no seguro não está relacionado com o seu risco mas com o selo certificador que a companhia de seguros dá. O selo certificador permite ao banco captar mais clientes. São os clientes do banco que estão interessados no seguro e não directamente os banqueiros.
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Eu vou emigrar e’ para New Hampshire. O estado mais livre do mundo!!
New Hampshire was the first U.S. state to have its own state constitution, and is the only state with neither a general sales tax nor a personal income tax at either the state or local level
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New Hampshire
Its license plates carry the state motto: “Live Free or Die.” The state nickname is “The Granite State”, in reference to its geology and its tradition of self-sufficiency.
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“O interesse do banqueiro no seguro não está relacionado com o seu risco mas com o selo certificador que a companhia de seguros dá. O selo certificador permite ao banco captar mais clientes. São os clientes do banco que estão interessados no seguro e não directamente os banqueiros”.—João miranda, supra, 20.
Continuando a provocação:
Se a questão é o “selo certificador” que a companhia dá (e não prioritariamente o seu seguro), então, a companhia de seguro avabará, a prazo, por se tornar numa espécie de entidade reguladora e/ou numa sociedade de auditoria. O seu negócio tenderá a ser a certificação (por via indirecta através das apólices) e não tanto a actividade seguradora!
– Diria um adepto da regulação que, então, mais vale (e, talvez, para os Bancos seja mais barato e tenha outro impacto no mercado) desenvolver e melhorar a actividade reguladora (nessa vertente certificadora) do que esperar que tal seja indirectamente feito por companhias de seguros (que passariam, a prazo, a ter uma utilidade não de seguradoras mas de certificadoras).
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««Se a questão é o “selo certificador” que a companhia dá (e não prioritariamente o seu seguro), então, a companhia de seguro avabará, a prazo, por se tornar numa espécie de entidade reguladora e/ou numa sociedade de auditoria. O seu negócio tenderá a ser a certificação (por via indirecta através das apólices) e não tanto a actividade seguradora!»»
Não há problema nenhum nisso, antes pelo contrário.
««- Diria um adepto da regulação que, então, mais vale (e, talvez, para os Bancos seja mais barato e tenha outro impacto no mercado) desenvolver e melhorar a actividade reguladora (nessa vertente certificadora) do que esperar que tal seja indirectamente feito por companhias de seguros (que passariam, a prazo, a ter uma utilidade não de seguradoras mas de certificadoras).»»
O problema é que a regulação estatal não responsabiliza os bancos e os depositantes. Os bancos não pagam um prémio de seguro proporcional aos depósitos nem têm incentivos para reduzir o risco. Os depósitos estão cobertos pelos impostos e não há qualquer limite nem qualquer custo. A actividade seguradora impõe limites ao risco de forma mais eficaz, quer porque o dinheiro envolvido é privado, quer porque pode haver concorrência entre seguradoras.
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