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Humildemente sós

19 Abril, 2011

Vale a pena ler este texto do Rui Ramos. Foi publicado no EXPRESSO antes das eleições finlandesas, chama-se “Humildemente sós” e é um retrado da nossa decadência: «Amanhã, 17 de Abril, teremos as eleições mais importantes para Portugal este ano. Refiro-me, como é óbvio, às eleições na Finlândia. À conta do ressentimento contra os resgates grego e português, os Verdadeiros Finlandeses esperam 18% dos votos. Com eles no governo, irá a Finlândia condenar Portugal à ruína em Junho? Entretanto, na Alemanha, um aglomerado de patriotas, com o nome de Europolis, tenta proibir legalmente o governo de ajudar Portugal. Segundo esses bons finlandeses e alemães, o país europeu que tem ao mesmo tempo a maior dívida externa total líquida e a menor capacidade de produzir riqueza merece falir.

É nestas alturas que, por cá, o indígena desespera: onde está a “solidariedade europeia”? Está, meus amigos, onde estava na Primavera de 2009, quando os países do leste, em dificuldades, foram atirados aos leões do FMI. Já se esqueceram? Num recorte do The Guardian, de 24 de Fevereiro desse ano, leio que a Grécia e a Espanha bloquearam então um projecto da Comissão Europeia, de 5 mil milhões de euros, porque “favorecia o leste”. O leste – esses ex-comunistas convertidos ao americanismo. Quem é que gostava deles? O artigo não diz se Portugal juntou a sua voz severa à da Grécia, mas em Março, também ele negou o auxílio que, segundo o governo húngaro, poderia ter salvo o leste.

Deixem, por isso, a “solidariedade” em paz, e já agora não incomodem também o “projecto europeu”. É outra falsa pista. Há uns meses, falava-se muito de “governo económico da Europa”. Nunca uma expressão significou coisas tão diferentes. Para nós, queria dizer transferência de dinheiro do norte para o sul; para os alemães, a castração do sul, para não gastar à grega nem tentar competir à irlandesa. Se a moeda única foi um equívoco, o governo único seria um equívoco ainda maior. Quanto a reacções soberanistas de tipo islandês, sozinhos ou em companhia dos outros aflitos, pensem duas vezes. Portugal, por si, não tem importância suficiente para não ser abandonado, e a aflição não junta países, divide-os. Em 2009, a Polónia, também em apuros, começou logo a tratar os vizinhos mais desgraçados como leprosos, tal como a Espanha faz agora a Portugal.

A “Europa” foi a última ilusão do facilitismo nacional. Quando entrámos no euro, acreditámos que não precisávamos de mais sacrifícios; e quando chegaram as dificuldades, que os outros tinham a obrigação de nos facilitar a vida. Enquanto a Espanha fez o trabalho de casa, Portugal confiou em “amigos” e “irmãos”. Até o luso-tropicalismo desenterrámos durante a visita de Dilma. Para quê? Para vermos a imprensa brasileira a abarrotar com um velho ressentimento anti-português. Sim, é isso: estamos humildemente sós.

 Enquanto mercado aberto e quadro de cooperação, a Europa ainda é para nós mais interessante do que qualquer outra alternativa no mundo — se estivermos preparados para explorar as suas oportunidades. O ajustamento em curso deve servir para isso. O resto – solidariedades desinteressadas, governos únicos – é fantasia. Quando tivermos uma notação de risco de Triplo A, teremos muitos amigos. Até finlandeses. Mais: até brasileiros.»

30 comentários leave one →
  1. anti-comuna permalink
    19 Abril, 2011 12:42

    “É nestas alturas que, por cá, o indígena desespera: onde está a “solidariedade europeia”? Está, meus amigos, onde estava na Primavera de 2009, quando os países do leste, em dificuldades, foram atirados aos leões do FMI. Já se esqueceram? Num recorte do The Guardian, de 24 de Fevereiro desse ano, leio que a Grécia e a Espanha bloquearam então um projecto da Comissão Europeia, de 5 mil milhões de euros, porque “favorecia o leste”. O leste – esses ex-comunistas convertidos ao americanismo. Quem é que gostava deles? O artigo não diz se Portugal juntou a sua voz severa à da Grécia, mas em Março, também ele negou o auxílio que, segundo o governo húngaro, poderia ter salvo o leste.”
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    Não concordando com algumas coisas do artigo, penso que isto demonstra bem o retrato actual de parte da Europa. É que só nos lembramos da solidariedade europeia quando é para chular mais os dinheiros deles. lolololololololol
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    Mas, meus amigos, a verdade é esta. O melhor favor que a Europa pode fazer a Portugal não é dar-nos dinheiro. (E viu-se que até ajudou-nos a enterrar-nos a nós próprios ainda mais.) O melhor favor que a Europa nos pode fazer, ao povo português, é ser exigente connosco e exigir que sejamos tão ou mais rigorosos que eles, na gestão dos parcos recursos disponíveis. E, sobretudo, obrigar a classe política portuguesa corrupta a mudar de vida e gerar novos políticos, que conscientes que os dinheiros dos contribuintes não são infinitos e sem correspondência nos serviços públicos prestados á população.
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    Uma excelente entrevista, dos poucos portugueses que sabem o que significa a palavra: Élite!
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    http://www0.rtp.pt/programas-rtp/index.php?p_id=27506&c_id=1&dif=tv&idpod=54948

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  2. Lionheart permalink
    19 Abril, 2011 13:22

    Esse chavão da “solidariedade” europeia foi utilizado pelos políticos portugueses para ganhar eleições, doutrinando o eleitorado que à custa da “Europa” poderia fazer vida de “rico” com uma produtividade de Terceiro Mundo. Foi fácil “governar” assim, só que agora chegou a factura e fica cá uma populaça descontente, mal habituada, que nem quer ouvir falar em trabalho, esforço ou estudo, até porque o país nem tem sistema que valorize tal coisa. Toda a nossa passagem pela UE foi um equívoco. Os portugueses foram bons consumidores para os produtores alemães ou espanhóis, hoje os nossos maiores credores, que para que nós comprássemos os seus produtos nos financiaram. Agora somos um peso “morto”. Um embaraço. O drama de Portugal é que o eleitorado não quer mudar de vida, porque tal implica viver de acordo com a (pouca) produtividade do país. Vai ser obrigado a isso pelos credores, mas a situação política pode continuar muito indefinida. Em 2009 o eleitorado votou pelo “não” governo. Não deu maioria absoluta a Sócrates, mas também não quis mudar de partido de governo. Essa indefinição acelerou a queda do país para a crise. Não estou a ver que a comunidade portuguesa vá em Junho imprimir ao país um rumo em nome de patriotismo que não tem a não ser em torno do futebol. E depois José Sócrates é um produto do país que somos. Daí o facto de este ter um “canudo” sem ter tido de se esforçar, por exemplo, não escandaliza o país. Muitos fizeram o mesmo, ou tê-lo-iam feito, se pudessem…

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  3. mesquita alves permalink
    19 Abril, 2011 13:30

    Há um documento assinado, penso que, reconhecido por notário, que se chama Tratado de Lisboa. Leia, depois escreva…

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  4. tric permalink
    19 Abril, 2011 13:35

    “Enquanto mercado aberto e quadro de cooperação, a Europa ainda é para nós mais interessante do que qualquer outra alternativa no mundo — se estivermos preparados para explorar as suas oportunidades.”

    deixem-se de historias, é um erro crasso…deixem-se de lirismos…o que é fundamental é desenvolver a actividade economica nacional interna ao maximo em todos os sectores possiveis, sejam exportaveis ou não e o mais rapidamente possivel!! apostar nas exportações, sem sair-mos do euro, é importar-mos fome…e defice será extraordinariamente arrepiante…

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  5. 19 Abril, 2011 13:36

    pois , quem é que vê com bons olhos atirar mais dinheiro para um “bairro social “? as probabilidades de que gastem o dinheiro em plasmas e carros em lugar de fazerem uma limpeza e renovação e uma horta e umas oficinas são mais que muitas…pensarão os alemães e filandeses e etc.

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  6. 19 Abril, 2011 13:39

    quanto a este tema repito algo que escrevi por cá ontem:

    se os países da CPLP tivessem ajudado(rectius investido) tanto portugal como tem feito angola, cada um nas suas proporções relativas, estariamos livres deste buraco!

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  7. 19 Abril, 2011 13:47

    Bom texto!

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  8. 19 Abril, 2011 13:59

    http://www.dw-world.de/dw/article/0,,14999126,00.html?maca=en-TWITTER-EN-2004-xml-mrss

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  9. tric permalink
    19 Abril, 2011 14:05

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  10. Adriano Volframista permalink
    19 Abril, 2011 14:50

    Helena F Matos
    Onde está o seu e o do Prof RRamos, comentário sobre o facto de, metade dos países da UE terem votado na candidatura do Canadá e não na nossa para o Conselho de Segurança da ONU?
    Já agora: o que fizémos, como solidariedade, para com os dinamarqueses, quando foram objecto da ira dos muçulmanos por causa das caricaturas de Maomé? além, naturalmente, de nos escondermos e assobiarmos para o lado????
    E ainda: se, numa votação na ONU tivermos que escolher entre, apoiar a posição dos EUA e a do Brasil, qual é que acha que vamos apoiar? Tem dúvidas? Pois, nem eu, nem os brasileiros….!!!!
    O artigo que menciona apenas está errado, tão profundamente errado no adjectivo: não estamos humildemente sós, estamos soberbamente sós….à falta de orgulho, resta a soberba que é a soma aritmética da arrogância com a ignorância…
    Cumprimentos
    Adriano

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  11. Arlindo da Costa permalink
    19 Abril, 2011 14:57

    Antes sózinhos e humildes do que acompanhados com aqueles bárbaros, gordos e bebedores de cerveja e vodka!
    O que um «verdadeiro finlandês» merece é um verdadeiro soco nas ventas!

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  12. eirinhas permalink
    19 Abril, 2011 15:14

    Então nós que estávamos a crescer mais que a europa,nós que éramos o motor da europa,nós que puxávamos sozinhos pelos outros todos,nós que éramos os melhores do mundo,nós que tínhamos os melhores amigos desde a líbia à venezuela,nós,nós os bons …

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  13. 19 Abril, 2011 15:25

    o freguês-que-segue:
    podem estrebuchar à vontade (enquanto a tia angela não acordar…):

    A ministra da Economia espanhola afirmou hoje que o Governo vai fazer reformas nos próximos meses para reforçar a confiança na economia.

    “Temos melhorado a nossa imagem nos mercados nos últimos meses, devido às reformas que temos feito e este também vai ser um trimestre de reformas”, afirmou Elena Salgado à rádio Cadena SER, garantindo que a meta de crescimento económico de 1,3% para este ano será cumprida.

    A ministra disse que as reformas deverão incluir medidas para reduzir a economia paralela, a liberalização dos horários de abertura do retalho e alterações no sistema de pensões.

    Na semana passada, o primeiro-ministro espanhol, Jose Luis Rodriguez Zapatero, tinha afirmado que Espanha não tinha qualquer plano de novas medidas de austeridade.

    Elena Salgado disse que as reformas vão ajudar a acalmar os mercados.

    A ministra desvalorizou a subida repentina dos juros exigidos pelos investidores para deter títulos de dívida soberana espanhola, registada ontem, afirmando que muitos países foram afectados.

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  14. A C da Silveira permalink
    19 Abril, 2011 15:38

    Este artigo escrito pelo Prof Rui Ramos devia ser afixado em todas as mesas de voto no proximo dia 5 de Junho, nas casinhas onde cada um dos que se dignam a ir votar bota a cruz no quadradinho. Assim talvez percebessem onde estamos metidos.
    Estamos humildemente, soberbamente, ou até estupidamente sós, porque estamos a pagar os erros que cometemos nos ultimos 16 anos. Agora temos que ser governados de fora, mas não tenhamos ilusões: este programa que nos estão a preparar e nos vai esmifrar até ao tutano até eles garantirem o reembolso do dinheiro que nos vão emprestar, é apenas o passaporte para as proximas decadas de pobreza que nos esperam.
    Agradeçam ao Partido Socialista e ao seu 1º ministro, que nunca hesitou em pôr os seus interesses mesquinhos e a sua imagem, à frente dos interesses do país.

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  15. A C da Silveira permalink
    19 Abril, 2011 15:46

    Campos de minas,
    Se a Espanha for, vai tudo atrás. A nossa “festa” faz-se com cerca de 80-100 mil milhões. Para o resgate espanhol fazem falta no minimo 400-500 mil milhões, e todos sabemos que não há dinheiro para isso. É a bancarrota total, porque depois vai a Italia, a Belgica, e nem quero pensar quem irá a seguir.
    Quanto ao Tratado de Lisboa referido mais acima, está agora pendurado nas casas de banho dos dirigentes politicos da Europa que ainda é rica, para servir de papel higienico.

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  16. 19 Abril, 2011 15:52

    facilitar é um termo bem português.
    Ainda há pouco um “técnico de arrumação automóvel” me perguntava se eu não lhe “podia facilitar” um euro.
    :mrgreen:

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  17. Arlindo da Costa permalink
    19 Abril, 2011 17:04

    Estou a rezar para que a Espanha, a Itália, a Bélgica sejam os próximos países do resgate.
    A Europa vai ver o que é uma guerra!

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  18. Pi-Erre permalink
    19 Abril, 2011 18:10

    Tens razão, Arlindo. A Europa nunca viu o que é uma guerra…

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  19. 19 Abril, 2011 18:23

    Solidariedade europeia, deixem-me rir.
    Salazar é que os conhecia bem.
    Quando a 1ª Republica estourou com as finanças, Salazar foi o FMI da época. Não quis solidariedade, sabia que tinha de se prover ele próprio do essencial para manter a nau a andar.
    Sacrificou o povo é verdade, mas teve o respeito dos “solidários” mundiais, agora, democrática-
    mente pedimos ajuda, e o que nos fazem, impõem-nos as mesmas regras que o homem implantou, mas estes ainda nos enxovalham, mas de facto é aquilo que merecemos.
    É o resultado da partidocracia, que nos impõe políticos corruptos e sem vergonha, carreiristas , oportunistas e tachistas totalmente falhados nas suas profissões, e que vergonhosamente nos lançaram no fundo do poço.
    Não nos iludamos, nas próximas eleições vamos todos votar no programa do novo Salazar, ou seja no FMI.

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  20. pedro permalink
    19 Abril, 2011 18:57

    Antigamente “orgulhosamente sós”.
    Por agora “humildemente sós”.
    Não falta muito e estaremos “humilhantemente sós”…

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  21. ping pong permalink
    19 Abril, 2011 19:37

    Só discordo do diagnóstico:
    “Sim é isso: estamos humildemente sós.”
    Humildade implica o reconhecimento da culpa por parte de quem os portugueses escolheram para governar e que desgovernaram o País.
    Até que esse reconhecimento seja assumido:
    ESTAMOS ARROGANTEMENTE SÓS!!

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  22. permalink
    19 Abril, 2011 20:13

    Desde 2009 nunca mais houve as cimeiras luso-espanholas anuais. Já nem a solidariedade ibérica resiste. Os nuestros hermanos agora fogem de nós como da lepra.

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  23. do lugar da azinhaga permalink
    19 Abril, 2011 21:36

    o possivel novo paradigma da sociedade mundial está próximo. o comunismo como sistema politico falhou, o sistema capitalista e imperialista está em fase de afundanço, o que será o futuro?
    parece-me que surgirá uma sociedade mais equilibrada e justa. o bom ser humano ajuda, constroi, evolui e sabe a diferença entre o mal e o bem. O mundo está numa fase muito fragilizada e as novas potencias que ai estão têem de entender, são mais do que as duas velhas e caducas: ex urss e usa, a partilha dos recursos terá que ser, essa sim global e equilibrada. pode parecer apocaliptico até esta análise mas a sobrevivencia da especie humana só acontece com esta partilha global e equilibrada dos recursos, é a unica solução. Eu acredito em Deus mas também acredito no mundo.

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  24. Arlindo da Costa permalink
    19 Abril, 2011 21:40

    Eu neste mundo não acredito e se tivesse muito dinheiro não investia nem um cêntimo!
    Não tenham dúvidas que uma grande guerra já vem a caminho.
    Quem tiver capacete….

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