Jurisprudência ma non troppo
O que o Constitucional decidiu foi apenas a ilegalidade da pergunta proposta pela Assembleia Municipal de Barcelos:
“Concorda que a Assembleia Municipal de Barcelos se pronuncie a favor da reorganização das freguesias integradas no Município de Barcelos, promovendo a agregação, fusão ou extinção de quaisquer uma delas?”
Nas entrelinhas do Acórdão parece entender-se haver espaço na lei para outras perguntas sobre o mesmo tema (designadamente a concordância ou discordância com um projecto de reorganização concreto). De qualquer maneira, ainda que em obiter dictum, o TC deixa algumas indicações interessantes sobre o papel da Unidade Técnica para a Reorganização Administrativa do Território, que os autarcas por esse país fora não deveriam deixar de ler.
Há assuntos sobre os quais não escrevo porque já sei que o Carlos Loureiro vai escrever o que eu escreveria. Com a vantagem de que poupo trabalho e ele escreve com mais conhecimento de causa nestas questões jurídicas. 🙂
GostarGostar
Há um espaço que o acordão afasta: a assembleia municipal não pode “decidir que seja outrém a tomar por ela essa decisão”. Foi este o sentido com que o acordão interpretou o art.º 3º, n.º 1, da lei do referendo local.
Iria mais longe: de acordo com o seu art.º 4º, 1, b), estão excluídas do referendo local as matérias reguladas por acto legislativo que vincule as autarquias locais. Não é o caso da lei da reorganização administrativa autárquica?
O recurso ao referendo serviria para as AM se baldarem. Entretanto, poucos autarcas fizeram trabalho de casa, mormente sobre os custos sem e com a agregação. Explicar isso ao povo teria um custo eleitoral elevado.
O n.º de pronúncias “válidas” das AM vai ser baixíssimo.
GostarGostar
A R.A.T.A., para além de ter uma infeliz sigla, vai ter um triste resultado na administração do território. Pena que não se tenha aproveitado a aoportunidade para corrigir uma divisão administrativa ainda herdeira de Mousinho da Silveira, que foi fazendo e desfazendo fronteiras ao sabor de interesses de conjuntura e que deu origem a desenhos de concelhos sem qualquer sentido e de difícil gestão. No entanto, desde o início que ficou claro que não interessava aos aparelhos dos principais partidos tocar nos municípios (que era previsto no acordo com a troika), atirando o faz de conta para as freguesias (com um peso mínimo no orçamento). Com um raciocínio tipicamente “urbanoide”, privilegiou-se o “ataque” às mais pequenas, precisamente as que servem uma população que delas mais necessita. Um desastre.
GostarGostar
Creio bem, que toda a «filosofia acordeonista» se resume a este ponto, o qual é muito claro. E significativo quanto ao que lhe subjaz….
.
«…o exercício ou não de uma competência legalmente fixada a um órgão administrativo (neste caso, um órgão autárquico) não pode ficar dependente da vontade dos administrados.»
.
essa será provavelmente a verdadeira «jurisprudência»….
GostarGostar
Eh pá, os blasfemos têm sido extraordinariamente simpáticos comigo. Ia eu escrever sobre isto dos “administrados” e eis que o Gabriel amavelmente se adianta. O dia hoje corre-me bem. 🙂
GostarGostar
Já agora, qual é o procedimento para demitir os juízes do TC por incompetência? O TC achará que a Administração Pública se destina a “administrar os cidadãos”, e não apenas administrar os recursos públicos?
GostarGostar
Gabriel,
Eate é para mim o ponto chave:
“Há que distinguir o exercício da competência do sentido da decisão que resulta desse exercício. O que é referendável não é o exercício, mas apenas o conteúdo e sentido do ato pelo qual esse exercício se efetiva”
GostarGostar
Certo, CL, mas eu não gostei, tal como o Gabriel, de saber que afinal sou “administrado”…
GostarGostar
Caro TAF,
A palavra “administrados” não é tão chocante se a vir no sentido em que os recursos sujeitos a administração são dos cidadãos e não dos “administradores”.
GostarGostar
Caro CL, a frase que o Gabriel citou não parece ambígua: só os cidadãos têm “vontade”, não os recursos. Por isso o TC considera que os cidadãos são “administrados” pelo órgão administrativo. Isto, quanto a mim, exigiria uma correcção formal por parte do TC. Isto caso o TC compreenda completamente o que na realidade escreveu. Mas se calhar temos o TC que merecemos…
GostarGostar
Caro CL,
Sobre ser apenas referendável o «conteúdo e o sentido do acto pelo qual esse exercicio se efectiva», cito o mesmo acordão:
.
«Note-se que não é simplesmente pedida uma manifestação de concordância ou não com a emissão de uma pronúncia, mas antes de uma pronúncia “a favor” da reorganização. Com essa precisão denotativa, a promoção ou não da agregação, fusão ou agregação de freguesias, constante da segunda parte da pergunta, ganha um significado que de outro modo não teria. Como o próprio termo verbal utilizado (o gerúndio) conota, essa forma de participação é vista como um modo de manifestar concordância com a decisão primária de efetuar uma reorganização das freguesias. Uma posição contrária a esta opção legislativa, maioritariamente resultante da resposta, implica que a Assembleia não promova a agregação, fusão ou extinção de freguesias. »
GostarGostar