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uma eloquente demonstração

17 Junho, 2013
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Sobre a greve de hoje, parece evidente que ela em muito ultrapassa qualquer legítima defesa dos eventuais direitos dos grevistas, os professores da escola pública portuguesa. Ademais, se pode haver um bom exemplo de uma greve ilegítima (em minha opinião, nos dias de hoje, no mundo ocidental, todas o são) é a que prejudica interesses de terceiros de boa fé, que nada têm a ver com a relação contratual entre grevistas e os seus patrões. No caso concreto, não se percebe por que razão hão-de os alunos servir de meio de pressão para que os professores obtenham melhores condições de trabalho.

Posto isto, parece também claro que o sistema educativo português é um imenso sarilho, que nenhum Ministério da Educação conseguirá resolver, a manter-se o actual perfil do serviço. A ideia de uma educação universal e gratuita a cargo do estado, com organização de recursos financeiros e humanos à responsabilidade de uma burocracia centralizada na 5 de Outubro, é, para além de uma injustiça flagrante para todos os contribuintes e uma verdadeira imoralidade, uma impossibilidade material que a realidade confirma.

Do tamanho dessa impossibilidade e desse problema, que apenas são sustentados por ideias românticas e muito antigas sobre a educação e o papel que o estado deve ter nela (ideias que, numa benévola hipótese, ascendem já à Revolução Francesa e a La Chalotais e Condorcet), resultam toda a espécie de arbitrariedades cometidas sobre os professores que prestam serviço no sistema: reduções salariais, salários baixos, precariedade contratual e, acima de tudo, essa vergonha que consiste na sua mobilidade geográfica, que todos os anos inferniza a vida a milhares de professores e suas famílias, e que dá da escola pública portuguesa uma impressão de total falta de humanidade e competência.

 

Não fossem esses problemas e a greve de hoje não teria existido. Não podemos obviamente presumir que os muitos milhares de professores que a ela aderiram são irresponsáveis e meras correntes de transmissão dos sindicatos e do Partido Comunista ou da extrema esquerda. Ou que são privilegiados, egoístas e insensíveis ao problemas que o país atravessa. Não. A greve teve a adesão que teve, porque os problemas deste sistema de ensino são reais e os professores são os primeiros a sentirem-nos. E, o pior de tudo, este governo não os resolveu, nem sequer os enfrentou.

Como, de resto, nenhum governo que o precedeu o fez, nem qualquer outro que lhe suceda o fará, enquanto se mantiver o actual paradigma da escola pública, universal e gratuita. Porquê? Porque o sistema é ingerível e insustentável, e não se coaduna com o que deve ser a verdadeira missão da escola. Esta tem por responsabilidade transmitir conhecimento e formar, nesse conhecimento, os seus alunos, independente da sua natureza pública ou privada. Persistir, como dogma imutável, na natureza pública e estatal desses meios é um erro profundo, que os professores são os primeiros a sentir e a pagar, embora quase todos se não apercebam disso.

A mudança de paradigma torna-se assim necessária, e ela corresponde ao fim da gratuitidade universal do ensino, o mesmo é dizer do princípio geral da escola pública como prestadora destes serviços, que podem ser tão bem ou melhor prestados pela escola privada, ainda por cima a custo mais baixo para os clientes e contribuintes, sobretudo a partir do momento em que haja um mercado verdadeiramente livre e aberto à concorrência.

Isso significaria reduzir abissalmente o número de escolas públicas existentes, vendendo-as ou fechando-as, reduzir significativamente o número de professores contratados pelo estado (que, em bom rigor, deverão ficar em número muito reduzido nas poucas escolas que o estado mantiver sob a sua tutela), permitir a liberdade absoluta de ensinar e aprender (que a Constituição, certamente por distração, até consagra…), fechar as portas do Ministério da Educação, acabando, assim, com o centralismo napoleônico da 5 de Outubro, e, por último, manter o apoio aos estudantes que efectivamente dele precisem para estudar nas escolas privadas. Esse apoio, bem como a organização escolar que ainda fique transitoriamente no domínio público, não terá de ser prestado por nenhum organismo central do governo, devendo ser competência própria das autarquias locais.

O que sucederia aos professores neste cenário? Obviamente, a sua maioria seria contratada pelas escolas privadas, que deles precisariam para poderem trabalhar. Outros iriam para o desemprego e teriam de mudar de vida, o que a manutenção do actual sistema não será capaz de evitar, como eles já perceberam. Note-se que, apesar do estado praticamente sair da educação, não seria por esse facto que desapareceriam as escolas. Pelo contrário, elas ajustariam-se às necessidades reais do mercado, da oferta e da procura, a única regra que parece possível numa actividade destas, até porque dificilmente se podem conceber professores sem alunos.

Evidentemente que nada disto se fará, até porque este governo, tal como os anteriores e os que lhe seguirão, quer manter o princípio da escola pública universal e gratuita, por razões que não vêm agora à liça. O resultado desse caminho é o da destruição da própria escola, sem que esta seja atempadamente substituída por um outro modelo. A greve de hoje foi uma clara demonstração disso mesmo: a de uma escola que recusa avaliar os seus alunos. Não poderia haver mais eloquente demonstração do fim de um sistema.

22 comentários leave one →
  1. 17 Junho, 2013 20:50

    “Ademais, se pode haver um bom exemplo de uma greve ilegítima (em minha opinião, nos dias de hoje, no mundo ocidental, todas o são”

    Gosto da clareza com que neste post o rui a. defende o que apenas existe em regimes totalitários (de direita e de esquerda): a ilegalidade da greve. Os “liberais” quando deixam cair a máscara são mais fáceis de defrontar.

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  2. rui a. permalink*
    17 Junho, 2013 20:53

    Sérgio,

    Leu “ilegalidade” onde está escrito “ilegitimidade”. Importa-se de corrigir?

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  3. 17 Junho, 2013 21:00

    Li bem. Ou vai dizer-me que “ilegitimidade” é completamente diferente de “ilegitimidade”? Se acha que qualquer greve é ilegítima, acha que a lei do país não devia permitir greves.

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  4. rui a. permalink*
    17 Junho, 2013 21:06

    ” Se acha que qualquer greve é ilegítima, acha que a lei do país não devia permitir greves.”

    Conclusão sua, que pôs ilegitimamente (não ilegalmente, note bem) na minha boca.

    Precisa de rever alguns conceitos elementares de direito.

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    • 17 Junho, 2013 21:26

      Portanto, se concorda com o princípio da greve e com a lei que a enquadra, por que é que a acha ilegítima por princípio? Deve existir, mas não se deve fazer, é isso?

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      • rui a. permalink*
        17 Junho, 2013 21:33

        Também não leu no meu texto que concordava com a lei da greve. Isto presumindo que se está a referir à lei portuguesa em vigor.

        Não acho, aliás, que seja coisa que tenha que decorrer da lei do estado, que, como creio que já sabe, entendo que deve ser minimalista. Nem para proibir, nem para consentir. Deve ser assunto, a meu ver, do exclusivo domínio do direito do trabalho, que, para mim, é direito privado e não público.

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  5. permalink
    17 Junho, 2013 21:23

    Infelizmente, estes sindicatos são contra qualquer mudança no sistema de ensino público. Estas greves são precisamente para que não se mude uma virgula em nada. O que é curioso é que, tal como diz, os professores são os mais prejudicados por este sistema.

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  6. PiErre permalink
    17 Junho, 2013 21:24

    Concordo, em geral, com as ideias de Rui A, mas há um ponto ainda obscuro: chutar as escolas sobrantes do Estado para a “competência” dos caciques autárquicos não me parece boa ideia. E, ainda, a pergunta crucial permanece: Quem paga?
    Depois, há mais: se eu, por exemplo, quiser permanecer analfabeto e ignorante, não poderei ter essa liberdade?

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    • rui a. permalink*
      17 Junho, 2013 21:43

      Você não imagina que se consiga passar de 80 para 8, pois não?

      E, quanto à questão de princípio – o de saber se o estado deve suportar quem tem carências financeiras na educação, na saúde, etc. -, enquanto nos continuarem a cobrar impostos (e, dizem os antigos, que pagar impostos e morrer são as duas únicas certezas que se tem na vida), ao menos que sirvam para isso.

      É evidente que, a partir daqui, todo um mundo sem fim de abusos é imediatamente criado. Por isso mesmo é que o estado social não funciona: se fosse possível limitá-lo a suportar, de facto, quem temporariamente precisa, sem que isso se transformasse em incentivos ao imobilismo, em troca de um imposto razoavelmente baixo e igual para todos em percentagem, não viria daí grande mal ao mundo. Mas não é isso que sucede, nem é por aí que as coisas naturalmente prosseguem.

      Por outro lado, também não acredito na caridade como única forma de apoio a quem está em dificuldades de vida. Pode funcionar, mas não resolverá (como nunca resolveu), por inteiro, as situações de emergência em que uma pessoa normal se possa vir a encontrar. Em relação a isto, os liberais não conseguiram, até hoje, dar uma resposta satisfatória, nem sequer no plano dos puros princípios da abstração teórica.

      É um assunto muito complicado, para o qual não tenho uma resposta completa e perfeita. Acho mesmo que, a não serem os tipos fanáticos, ninguém tem.

      Quanto às obrigatoriedades escolares e à proibição de certos tipos de trabalho para pessoas com menos de 16 anos de idade, elas são obviamente mais prejudiciais do que benéficas.

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  7. ex-professor permalink
    17 Junho, 2013 21:32

    GREVES ??? “TANTOS” prejuízos fazem aos utentes (e familiares) dos “transportes” como também o fazem aos alunos (e seus familiares) . O “quantum” destes prejuízos é simultaneamente subjectivo e objectivo mas também aqui dificilmente quantificável .

    Como nota prévia devo dizer se me permitem que sou contra as greves porque se constata que apenas os grupos de pressão e geralmente privilegiados conseguem fazer greves . Contraditoriamente , “de facto” , uma medida discriminatória !…

    ESTADO de DIREITO ???
    A Greve é um Direito Constitucional . Se não querem os prejuízos acabem com este direito mas alterem a Constituição … Caso contrário , o “direito à greve” é para ser respeitado . Defender o “direito à greve” com restrições é pura hipocrisia !… E inócuo , portanto .
    É um total absurdo ao falar de “serviços mínimos” sobretudo
    no sector da educação numa greve em dia dos “exames nacionais de português” !…
    E um disparate convocar a totalidade dos Professores !…
    Numa incerteza , é óbvio que os alunos vão à Escola
    como os utentes dos transportes vão aos locais de
    embarque … e em geral não concordam com a greve .
    Puro egoísmo !… Esta confusa “sociedade abrilista”
    que defende a greve , mas não concorda com ela quando lhe bate à porta !…

    Mas QUEM são os responsáveis pelos prejuízos ???
    Uma total e danosa incerteza durante a preparação dos alunos … Professores contra Professores …Alunos contra Professores . Alunos contra Alunos … Injustas e irreparáveis discriminações …
    Vimos “delegados sindicais” entre os alunos , tentando explicar a situação , mas não vimos o ora incompetente Ministro da Educação !…
    Nuno Crato . Uma desilusão !…
    O Governo aceitou o Tribunal Arbitral . Perdeu .
    Depois , não aceita o “jogo” . É “trapalhão” . O que já não nos surpreende …

    Em resumo . Os únicos e últimos responsáveis por esta danosa situação , são este incompetente Governo e o tão distraído Presidente da Republica , que tinham o poder necessário e suficiente para evitar esta vergonhosa tragédia que apenas empobrece ainda mais este País já em vias de extinção …
    E quando os “alunos” batem nos seus Pais , e estes
    batem nos Professores , temos uma “sociedade” que não nos merece o menor respeito . Apenas merece o incompetente Governo que elegeu .
    (e os mui ilustres comentadores que apenas estão contra esta greve …)

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  8. Joao Silva permalink
    17 Junho, 2013 21:52

    Além de que ilegitimidade é um conceito que pode ser modulado em função das nossas convicções (embora seja definido como algo que vais contra as Leis ou contra as regras, também pode ser definido como algo que não se justifica (tout court). Defender que se pare de debater seja o que for nos temas (muito interessantes) que o texto original levanta por causa dessa passagem me parecer… Fascismo ou totalitarismo.

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    • licas permalink
      17 Junho, 2013 23:42

      Esqueceu o Stalinismo ou não quer especificá-lo dentro do totalitarismo?
      Por outro lado como o Fascismo está inserido no totalitarismo na sua
      escolha . . . não há escolha.

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  9. António permalink
    17 Junho, 2013 21:53

    Eu acho que estamos a perder a oportunidade única, de se fazer a reforma do estado que o País necessita.
    Talvez nunca mais se tenha outra oportunidade igual, para se mexer na educação, na saúde, na defesa e no poder local como agora. Só que o Partido Socialista com a ganância de chegar novamente ao poder, não quer. O Partido Comunista e o Bloco de Esquerda, ao longo dos tempos, sempre foram francos atiradores contras as Instituições Democráticas, que ousem pensar de forma diferente da deles.
    Resumindo nos últimos 17 anos o Partido Socialista esteve 13 no poder e os Partidos da Coligação actual 5 repartidos por duas vezes. Curioso que nas 2 vezes, chegam ao poder vindos de 2 legislaturas catastróficas do Partido Socialista que agora andam a gritar aos 4 ventos que este governo está errado. Quem compreende isto?

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  10. Gasel permalink
    17 Junho, 2013 22:48

    “A mudança de paradigma torna-se assim necessária, e ela corresponde ao fim da gratuitidade universal do ensino, o mesmo é dizer do princípio geral da escola pública como prestadora destes serviços, que podem ser tão bem ou melhor prestados pela escola privada, ainda por cima a custo mais baixo para os clientes e contribuintes, sobretudo a partir do momento em que haja um mercado verdadeiramente livre e aberto à concorrência.
    Isso significaria reduzir abissalmente o número de escolas públicas existentes, vendendo-as ou fechando-as, reduzir significativamente o número de professores contratados pelo estado (que, em bom rigor, deverão ficar em número muito reduzido nas poucas escolas que o estado mantiver sob a sua tutela),……”

    Só gostava que o Rui me dissesse em que país do mundo é que isto acontece?

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  11. Zé Paulo permalink
    17 Junho, 2013 23:28

    Se calhar, o melhor era adotar o sistema educativo de Israel nos tempos do rei Salomão, em que o analfabetismo era zero: Os pais ficam responsáveis pela educação a aprendizagem dos filhos. Simples, não?

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    • Zé Paulo permalink
      17 Junho, 2013 23:43

      Em continuação, que se danem os profs. Regime autodidata já!

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    • licas permalink
      17 Junho, 2013 23:46

      E pais analfabetos não existiam ? No tempo do Salomão (que cortava
      criancinhas ao meio quando a sua origem era discutida?)

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      • PiErre permalink
        18 Junho, 2013 14:22

        Ó licas, o rei Salomão não cortou nenhuma criancinha ao meio. Ameaçou só… para ficar a saber quem era a verdadeira mãe!…

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  12. 17 Junho, 2013 23:38

    Factos e ideias que o rui a. não considera:

    http://duvida-metodica.blogspot.pt/2013/06/para-que-servem-os-professores.html

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  13. deluci permalink
    18 Junho, 2013 10:28

    Posto isto, i. é. dito o que bem me apetece, que a greve dos professores não é, não pode ser tida como ilegítima, se é efectiva, se eles a fazem porque podem e ninguém os impede, é claro que vai fazer mossa a alguém ou não se fazia, com pano para mangas, que isto de verdades como punhos nem rui a. as tem e nem professores, como nem este governo sectário de boys à psd-cds, que em saindo, dando o fora, não tendo o emprego em risco, dado como é à seita da banca e mais aventais poderosos, o povo a seu tempo encaminhe os direitos aonde os tinha. Ou que é lá pavão que aí chegue armado em bom, em homem sério, para logo trair quanto disse, ir além da troika, feito duro, dar cabo disto e assim julgar que dita lei para o futuro? O Passos passa não tarda e com ele a seita para dar lugar a outra semelhante, já sabemos. Mas ainda votando nos mesmos, o povo aprende e é que fica sempre .

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  14. Castrol permalink
    18 Junho, 2013 10:39

    Ponto de vista interessante, justificado de forma objetiva e clara! Parabéns Rui A.!

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