O Cânone Ocidental
A Assembleia da República resolveu entregar o Prémio Direitos Humanos 2016 a António Guterres. Infelizmente, devido a um extraordinário azar, a atribuição de tal honra ao novo secretário-geral da ONU violou o regulamento previamente elaborado no âmbito deste galardão. Como a entidade que fez as regras foi a mesma que decidiu o vencedor, é natural que este contratempo tenha acontecido. E quem nunca desrespeitou uma resolução de ano novo que atire a primeira pedra.
Quando confrontado com este caso, Pedro Bacelar Vasconcelos, Presidente do júri que decidiu o prémio, encerrou a questão chamando idiota a quem não concordava com esta escolha. Gostava por isso de congratular o Deputado do PS; “idiota”, palavra que Dostoiévski usou como título de um dos seus livros, é um insulto que merece a minha estima. Se Bacelar Vasconcelos fosse um broeiro qualquer teria utilizado um palavrão tosco e deselegante para lidar com a situação. Mas como estamos a falar de um Professor Universitário e insigne constitucionalista, é natural que tenha recorrido à mais alta literatura para tratar do caso. E é por isso que proponho, como forma de prestigiar ainda mais o Parlamento, que os nossos políticos passem a usar sempre esta nobre metodologia, nomeadamente através do recurso ao cânone literário quando é necessário acalorar o discurso. Atentemos num exemplo do que seria o debate parlamentar, se todos partilhassem a cultura livresca do tribuno socialista:
– Tem a palavra o Sr. Deputado do PSD. Peço-lhe que fale alto, pois V. Exa. tem a voz subterrânea (Fiódor Dostoiévski).
– Muito obrigado, Sr. Presidente. Se falo baixo é apenas para não me enervar, uma vez que as graçolas do Sr. Primeiro-Ministro são lamentáveis; pensará talvez que se encontra n’ a taberna (Émile Zola).
– Protesto, Sr. Presidente, protesto… o Sr. Deputado, com estas afirmações, mostra apenas a sua senilidade (Italo Svevo). Não passa de um tartufo (Molière) desavergonhado, um verdadeiro filho da Madame Bovary (Gustave Flaubert).
– Cale-se mas é, seu Fausto (Johann Wolfgang von Goethe) socialista; venderam a alma ao diabo para constituir essa geringonça Frankenstein (Mary Shelley) e agora não querem ouvir umas verdades. Este Governo Drácula (Bram Stoker) está agarrado ao pescoço dos contribuintes, sugando-lhes todos os recursos. O país está a dirigir-se impetuosamente para o coração das trevas (Joseph Conrad).
– Senhores Deputados, por favor, este debate já me está a provocar uma náusea (Jean-Paul Sartre). Como Presidente deste covil (Franz Kafka), peço-vos que se concentrem no nó do problema (Graham Greene).
– Sr. Presidente, o ilustre Deputado do PSD é useiro e vezeiro neste tipo de observações; o grupo parlamentar do Bloco de Esquerda já foi muitas vezes alvo da grosseria deste tolo (Edward Bond).
– Tolas são as vossas tias, suas mulherzinhas (Louisa May Alcott) esganiçadas. Agarrem-se menos às folhas de erva (Walt Whitman) para ver se não dizem disparates. Repito: estamos na presença de um executivo de salteadores (Friedrich Schiller), que se agarrou à máquina do Estado como um polvo (Frank Norris).
– Essa conversa é um nonsense completo (Edward Lear). O senhor, qual rinoceronte (Eugène Ionesco), leva tudo à frente com a sua falta de educação. É um verdadeiro monta-cargas (Harold Pinter) de impropérios.
– A bancada do CDS gostaria de se solidarizar com o colega do PSD, apoiando a sua denúncia deste inominável (Samuel Beckett) Governo, que se abateu, como a peste (Albert Camus), sobre Portugal. É o poder das trevas (Lev Tolstói) liderado por um homem sem qualidades (Robert Musil), e terá como consequência mais uma geração perdida (Aldous Huxley).
– Sr. Deputado, não é por envergar botões de punho dourados, qual Príncipe (Maquiavel), que ficou mais inteligente. Podemos dizer de V. Exa., com propriedade, que se transformou num autêntico asno de ouro (Apuleio).
– E o senhor, apesar de se armar em cândido (Voltaire), não passa de um percevejo (Vladimir Maiakovski). Sugiro que tire umas férias para relaxar. E pode aproveitar para escrever as suas memórias… Diário de um ladrão (Jean Genet), dará um belo título.
E já chega, fico por aqui. Deixo-vos com esta história contada por um idiota, cheia de som e fúria, sem sentido algum (William Faulkner? William Shakespeare? Outro William qualquer? Todas as anteriores?)
Muito bem esmiuçada essa “Mensagem” (Fernando Pessoa).
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Fabuloso!
Esta gente culta, mesmo quando se insulta, tem outro nível…
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Bela posta, sim senhor.
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Não foi esse idiota que , nos idos de 90 e sendo governador civil de Braga (sob os auspícios do outro idiota, sampaio, que ainda circula por aí) deu protecção, contra a vontade da população de Oleiros, a um clan cigano traficante de droga,chefiado por um tal João Garcia ?
E , mui justamente, lá abichou mais um tacho no Bar de Alterne presidido pelo tipo do caso Casa Pia, e , mais justamente ainda, decidiu atribuir o tal prémio ao choninhas que, aparentemente, acredita chefiar a sede da máfia mais ou menos global – é que nestas coisas há sempre uns “fios” soltos…Tudo como “la règle l`indique” ( em francês é mais fino…).
Resumindo : estamos bem entregues.
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Considera-se.
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Portugal tem demasiadas nulidades em altos cargos. Chega a ser suspeito.
Temos no BCE – na supervisão, nem menos – Vítor Constâncio, que é a personificação daquelas estatuetas com os macaquinhos a taparem os olhos, ouvidos, e boca.
Temos na ONU – nem mais – um ex-PM que deu à sola.
Tivémos na CE – como presidente da coisa – outro ex-PM que deu à sola.
A impressão com que fico é que foram escolhidos precisamente pela incompetência. Prémios para quê? Como disse o outro, milagre é terem emprego e salário.
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http://passaparedes.blogspot.pt/2017/02/o-nosso-homem-em-riade.html
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Óptimo post, VCunha !
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Muito obrigado!
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O post é de Sérgio Barreto Costa
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Muito bom este “post”. Parabéns ao autor e à originalidade. Em Dia Internacional da Mulher não poderia haver artigo mais adequado para celebrar esta “Branca de Neve e os sacanões” (José Vilhena).
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Caguei-te Mariano! (Arlindo da Costa), na sua obra mais recente.
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Muito interessante, mesmo muito interessante.
Só faltou o exemplo do Inopinado.
O Pascácio só se assusta se, inopinadamente, lhe sair ao caminho uma senhora jornalista a querer dois dedos de conversa.
Como diz o Arfeio, borra-se logo todo.e vai fazer companhia ao bacelar vasconcellos
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O Bacelar é um intelectual porque usa cabelo grande e óculinhos.
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