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uma tragédia chamada brasil

21 Abril, 2017
by

corruptos

Acabado de chegar de São Paulo, ponderei a possibilidade de nada escrever sobre o que lá encontrei nas últimas semanas. As revistas que colecionara para fundamentar um possível texto, deixei-as todas, à última da hora, no hotel. O que por lá fui vendo, ouvindo e lendo foi mais do que suficiente para provocar uma overdose de política brasileira, capaz de me enjoar por muitos anos. No essencial, a questão reside na confirmação do que já se temia há muito tempo: todos os políticos brasileiros são, de uma forma ou de outra, corruptos e venais, e roubam o dinheiro dos contribuintes para a consumação das suas ambições pessoais, políticas e partidárias. De Lula e do PT já não restavam dúvidas. Da maioria dos poderes federais, estaduais e municipais não se ignorava que estavam tomados de personagens ávidas de dinheiro fácil, capazes de tudo para o conseguirem. Dos partidos políticos, do PMDB ao PSDB e ao PT, passando por todos os outros mais pequenos, bem se sabia que eram – são – basicamente máquinas para a conquista e manutenção do poder e de todos os benefícios materiais que ele permite, permanecendo completamente trepanados de qualquer romantismo ideológico. Mas havia ainda a ilusão de que algumas destas personas aliavam a competência técnica a uma certa honorabilidade pessoal, distanciando-se das práticas comuns da ladroagem instalada. Henrique Cardoso, Alckmin, Serra, Aloísio Nunes, entre outros, pareciam pessoas de bem, verdadeiros oásis de honorabilidade num deserto político de corrupção. Na semana passada, a lista do ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin pôs um ponto final nessas ilusões. À direita ficou-se a defender que não é tudo igual: que uma coisa era o dinheiro roubado para pagar campanhas eleitorais, a famosa «caixa dois», e outra bem diferente seria roubar para meter em bolso próprio. Como se o dinheiro não tivesse todo a mesma origem – o trabalho dos contribuintes brasileiros –, como se a conquista do poder não conferisse honrarias e privilégios materiais a quem lá está e, sobretudo, como se o seu desvio dos fins naturais de quem o produz não tivesse a mesma consequência de atraso do país.

O Brasil é, por estes tempos, uma tragédia sem fim à vista. No próximo ano, quando se disputarem as eleições presidenciais, quem estará em condições de ser candidato, sabendo-se do rigor da lei eleitoral sobre os chamados políticos «ficha-suja»? E quem terá as condições pessoais para moralizar o país depois desta onda de denúncias, que certamente conduzirá a muitas condenações e prisões, e para fazer as reformas difíceis, mas imprescindíveis para que o Brasil volte a crescer? Não vai ser fácil encontrar uma resposta satisfatória para essa pergunta, correndo-se mesmo o risco de que os brasileiros elejam pessoas sem condições mínimas para governar, como Marina Silva, ou, no limite do pesadelo, o próprio Lula da Silva, que tem surgido como o candidato mais votado em todas as sondagens eleitorais, mesmo considerando a sua falibilidade. Se o Brasil não se refundar politicamente no próximo ano, se a solução de governo vier do passado e não do futuro diferente, o país entrará numa crise que poderá ser em tudo muito semelhante àquela que arrasta a Argentina desde a década de 30 do século passado.

Aqui chegados vale a pena refletir sumariamente sobre duas questões: como foi possível atingirem-se semelhantes níveis de nepotismo, de corrupção, de impunidade e de descaramento, e por que é que nem todos países são iguais?

À primeira dessas questões respondeu Emílio Odebrecht, na sua delação processual de há três dias, dizendo que, desde que se conhece, foi sempre assim. Com Lula, desde sempre, e com todos os demais políticos e partidos também. No fim de contas, o estado brasileiro nunca superou o coronelismo que nasceu com a sua independência, que faz com que o poder seja um só – o político e o económico, sobretudo – e que apenas faz girar os seus detentores, mas não muda os princípios de actuação, nem os vícios. A esse respeito já Jorge Amado tinha escrito eloquentemente em várias das suas muitas obras, servindo de exemplo, por todas, o famoso Dr. Mundinho da Gabriela. Simplificando, no Brasil não há qualquer distinção entre o estado, o seu património e o património dos seus governantes, que usam o que é público como se lhes pertencesse por direito próprio. Nesta perspectiva, o que distinguiria Lula e o PT dos políticos e dos partidos tradicionais foi a velocidade e a voracidade com que se atiraram ao pote, desabituados a estarem por perto dele. Mas se por lá ficarem mais umas décadas, daqui por algum tempo serão tão ou mais discretos do que todos os outros.

A segunda questão pode pôr-se em termos seguintes: por que é que dois países de um mesmo continente – o Brasil e os EUA, por exemplo -, igualmente grandes e ricos, tornados independentes em alturas muito próximas – 1776, o primeiro, e 1822, o segundo -, são tão diferentes na capacidade respectiva de produzir riqueza, bem-estar para os seus, justiça social e honorabilidade política e institucional? Essencialmente, porque os EUA são um verdadeiro estado de direito democrático desde a sua fundação e o Brasil ainda não o é, volvidos quase duzentos anos desde que se tornou independente de Portugal. Nos EUA os fundadores tiveram o maior cuidado em dotar o país de um sistema político assente numa Constituição liberal, com poder limitado e controlado e fiscalização séria de quem o exerce. Foi isto que prioritariamente os preocupou em Filadélfia. Isso, verdadeiramente, nunca aconteceu no Brasil. O que significa que o estado de direito democrático é o grande valor político pelo qual vale a pena lutar.

14 comentários leave one →
  1. Duarte de Aviz permalink
    21 Abril, 2017 08:51

    Um imenso Portigal…

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  2. Euro2cent permalink
    21 Abril, 2017 09:00

    > porque os EUA são um verdadeiro estado de direito democrático desde a sua fundação

    Por acaso, como sabe, até não. Começaram com uma república, que os aristocratas fundadores trataram de montar com todo o cuidado para manter a igualdade entre eles, e proteger ciosamente os seus direitos de propriedade, associação, expressão, etc.

    A aparente extensão desses direitos ao vulgo foi, é, essencialmente cosmética. Mas muito bem feita.

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  3. Euro2cent permalink
    21 Abril, 2017 09:13

    Ah, e a corrupção. Se for legal, não é corrupção. No Brasil não é legal. Burros.

    Gostava muito de ver uma análise quantitativa, gráfica, dos fluxos de dinheiro em torno da política e despesas do estado para os dois países. (Ou para todos, o Guterres que faça algo de útil lá na tasca dele, e até entala os sócios relutantes.)

    Aposto que as diferenças são mais devidas à escala e eficiência de operação do que qualitativas.

    (Nunca vai acontecer, mas pronto, fica o gedankenexperiment, não é pior que outros.)

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  4. 21 Abril, 2017 11:10

    «[…] como foi possível atingirem-se semelhantes níveis de nepotismo, de corrupção, de impunidade e de descaramento, e por que é que nem todos países são iguais? […]»

    Até parece que em Portugal é diferente! Até parece que não foi a cultura portuguesa a «semente» para tal particularidade…

    Tomara os Portugueses (i.e., aqueles que pagam impostos do próprio trabalho sem serem dependentes do estado) ter a sorte de uma operação Lava-Jato apoiada no mecanismo legal da delação premiada para nos libertar da oligarquia de sanguessugas que desde há mais de 40 anos suga o país — exactamente como no Brasil!

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  5. 21 Abril, 2017 14:54

    O esquema de financiamento partidário por empresas não é assim tão diferente entre os EUA e o Brasil. Só se altera a escala.
    E corrupção existe em todo o lado. A tragédia maior do Brasil, mais ainda do que a corrupção na política, foi o próprio aparelho de justiça ter sido ocupado por interesses partidários e servir-se do tema corrupção, de malabarismos mediáticos e de torturas premiadas, para promover interesses próprios, não o interesse público brasileiro. Este vê toda a sua economia jogada na lama e os corruptos mais corruptos tranquilamente em sua casa, depois de contribuir para a justiça suja.
    E sobre a diferença na capacidade de produzir riqueza entre os EUA e o Brasil, não esquecer que o primeiro exterminou a população nativa que estraga as contas.

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  6. Arlindo da Costa permalink
    21 Abril, 2017 17:48

    Quem apoiou o golpe palaciano da direita reacionária, racista, sexista e religiosa do Brasil devia ter vergonha e pedir desculpa.

    Mas não…mantêm-se firmes e hirtos , tal como apoiaram os talibans, a guerra do Iraque e as primaveras árabes…

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    • lucklucky permalink
      21 Abril, 2017 19:45

      O racista Arlindo julga que os iraquianos e árabes não tem direito a liberdade. Não admira é um apoiante do partido nacional-socialista Baath.

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  7. Manuel permalink
    21 Abril, 2017 20:13

    Com uma delação premiada e com uma justiça com menos garantias, constataríamos que Portugal é um fotocópia do Brasil, por isso, nada de criticas aos irmãos 2º vértice do triângulo, Angola no 3º. A culpa foi dos ratos que foram nos porões, a nossa gente era do melhor, cale-te boca.

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  8. 21 Abril, 2017 20:27

    E se Temer fosse a votos como foram Chavez e Maduro mais de 20 vezes ?

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  9. 21 Abril, 2017 20:31

    “Essencialmente, porque os EUA são um verdadeiro estado de direito democrático desde a sua fundação e ……”

    O genocídio dos índios , a escravatura e a segregação racial fazem parte de um estado de direito democrático ?

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  10. Viriato de Viseu permalink
    21 Abril, 2017 21:52

    Há ainda salvação para o Brasil.
    Passa por meter na cadeia o Lula, Dilma e todos os corruptos das cúpulas do PT.
    Também há corruptos noutros partidos mas há pessoas limpas e patriotas como por exemplo; Senadores Ana Amélia, Caiado, José Medeiros, Magno Malta…e poucos mais.

    O PT de Lula e Dilma não foi nada mais que um golpe perpetuado por essa tenebrosa seita, para se apoderar das riquezas do Brasil.
    O Fórum de S.Paulo, onde imperam os comunistas do PT e outros comunas de outros Países da América do Sul tem que sofrer uma implosão.

    Os comunas Lula e Dilma emprestaram bilhões de dólares aos países comunistas tais como; Venezuela, Cuba, Bolívia, Angola, etc, para obras e infra-estruturas…que tinham que ser feitas pelas construtoras Brasileiras e estas por sua vez, recheavam os bolsos corruptos do Lula, Dilma e cúpulas do partido PT.

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    • Manuel permalink
      22 Abril, 2017 06:07

      Que tem Portugal de diferente na metodologia da corrupção? Quando mais se aprofundarem as investigações no Brasil e em Portugal, logo veremos as ligações intrínsecas dos corruptos.

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  11. lucklucky permalink
    21 Abril, 2017 23:03

    Os EUA estão a viver das estruturas do passado.

    O caminho deles é o Brasil ou pior.

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  12. 24 Abril, 2017 05:13

    Na politica não conta a verdade; se contasse veriamos em revista toda a sujeira dos vãrios poderes no Brasil, desde que o conheço (50 anos) como o massacre que os EUA têm feito a muitos países no mundo, e impunemente, seja militarmente seja em chantagem economica.apoiados nos seus lacaios ingleses.

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