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Regresso das férias

30 Agosto, 2017

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Cansado que estava de um ano inteiro numa sociedade heteropatriarcal, com todos os vícios misóginos, racistas, xenófobos e discriminatórios, como bem nos lembra às Segundas a Fernanda Câncio (num jornal da esquerda) e relembra o Luís Aguiar-Conraria às Quartas (no jornal da direita), optei por umas férias no estrangeiro que, para todos os efeitos, pode o leitor considerar tratar-se de Formentera.

Dotado de toda a minha ultramontana educação opressora, mal cheguei, dei por mim a abrir a porta a uma pessoa que, na altura, me pareceu ser do sexo feminino. Ao aproximar-se, reparei que mantinha a rosada face por escanhoar, a que, com o biquini de peças com cores separadas, lhe transmitia um ar menos propício a bacoradas oriundas da minha formação de extrema-direita fascista com um ou outro criminoso piropo como o que tinha previamente ensaiado: hola, buenos dias. Optei por um simples buenos dias, omitindo a parte que poderia ser considerada ofensiva. Ao perceber o meu gesto, o de manter a porta aberta para que entrasse antes de mim, a bela criatura gritou pelo segurança do hotel.

Entre algum Portunhol, consegui explicar que pretendia deixar entrar a senhora, por cortesia, antes que eu próprio entrasse. O segurança apresentou uma face carregada, como que explicando, antes de sequer usar palavras, que, mal entrei em férias, cometi um crime grave de discriminação de género. Ainda tentei um pero ella tiene barba, mas só piorei: explicaram-me que não posso presumir que uma mulher de biquini e barba é um homem e imediatamente me desculpei, perguntando à senhora se o endocrinologista que a segue é cego.

Graças à benevolência daquela pessoa, que só apresentou queixa à Guardia Civil e não ao deputado de bonito chapéu de feltro violeta que estava no bar, consegui escapar ao fim precoce das férias com uma pequena reprimenda e multa de poucas centenas de euros.

Os primeiros doze dias das férias foram passados dentro do quarto de hotel, para evitar que a minha formação machista discriminatória me colocasse em maus lençóis. A piscina era bonita, pelo menos vista de cima. Ao décimo-terceiro dia, ganhei coragem e acabei por ir ao recinto onde esta se encontrava. Lá, encontrei um casal de pessoas que pareciam ter mesmo sexo diferente, estando uma delas grávida (era a que me parecia mulher). Meteram conversa comigo, perguntando se tinha chegado nesse dia, divertidos com a alvura da minha pele. Expliquei que tinha cometido um crime de discriminação de género, daí ter ficado sempre no quarto, e que seria essa a minha primeira vez na piscina, antes da viagem de regresso a casa, no dia seguinte. Senti que compreenderam. Acabei por perguntar pelo bebé e foram muito simpáticos. Ela — era mesmo uma senhora — acabou por dizer que queria que o bebé que carregava no ventre fosse amamentado até ao fim do primeiro ano da faculdade. Avisado que estava para não cometer mais crimes de discriminação, ponderei e ocorreu-me perguntar qual dos progenitores iria amamentar a criança.

Quando o segurança chegou à zona da piscina, optei por solicitar que chamasse imediatamente a Guardia Civil para despacharmos o mais rapidamente este novo crime. Novamente, foram bastante brandos comigo: nada que uma reprimenda, audição pelo juiz, dois dedos partidos (foi na mão esquerda, não sou canhoto, foram simpáticos, como já disse) e uma multa de poucas centenas de euros não resolvesse.

Agora estou de volta, muito mais descansado. Acho que aprendi a lidar bem com as pessoas dos diferentes géneros: não se abre a porta a ninguém e não se fala com estranhos. Ainda bem que há as Segundas e as Quartas para continuar a aprender tudo o que me ensinaram de errado no jardim infantil.

24 comentários leave one →
  1. José Ribeiro permalink
    30 Agosto, 2017 15:52

    Caro VC,

    Em primeiro lugar, seja bem vindo de volta à nossa ditosa(?) Pátria.
    Em segundo lugar, e após ler o seu texto, venho por este meio culpá-lo pela dor da minha barriga de tanto riso. Este post é um autêntico tratado! Bem haja por existir.

    Adiante… Se só voltou recentemente ao país, informo que continuamos com os mesmos anormais a governar e emporcalhar o sítio e deixaram os nossos bravos bombeiros à fome.
    Porca miséria!

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  2. Expatriado permalink
    30 Agosto, 2017 15:54

    Ai se a Fragoso do CIG leva este artigo ao Cabrit@… Vai ser bonito, vai!!

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  3. Aventino permalink
    30 Agosto, 2017 16:07

    Começamos mal.
    Rabetisse, putices, conisses e outros tiques alfacinhas não podem fazer parte da ementa!
    Deixe-se de irónicas subtilezas académicas de fino recorte e enfrente o entulho com faca nos dentes, punhos serrados e língua afiada. Continue a ser um dos nossos mas à macho.
    Esta merda já não de aguenta.
    Não sentiu o fedor em Formentera?

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    • 30 Agosto, 2017 18:00

      Dizia-me outro dia um heterossexualzeco qualquer. Atrasado. Dos montes.:

      -Só tenho pena de já não ter idade(piça) para aventuras. Tudo o que fosse trans, trás, trus sexual e que tivesse uma racha, ignorava a CIG e fazia como contava o Bocage. Corria tudo a caralho.

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  4. lucklucky permalink
    30 Agosto, 2017 16:15

    Esse jornal de “direita” até usa terminologia bolchevique escrevendo Revolução em vez Golpe de Outubro.

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  5. piscoiso permalink
    30 Agosto, 2017 16:43

    É o que faz uma pessoa ir de férias com preconceitos sexistas.

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  6. Procópio permalink
    30 Agosto, 2017 16:56

    O vitor merecia melhores férias, mas não se pode ter tudo.
    Pois por cá tudo na mesma, só com mais terreno ardido, tesouros cheios das mentiras do costume e um piu, piu sedento de votos.
    Em Formentera ocorreu-lhe perguntar qual dos progenitores iria amamentar a criança. De regresso não caia em fazer perguntas dessas. As crianças de cá, verdfadeiros bébés chorões e até muitos adultos, procuram mamar em tudo o que jorre leite, nem que seja às pinguinhas. Felizmente ainda vamos tendo quem muja a vaca. Quando o animal cansar, haverá até quem lhe beije o focinho. Veremos então se resulta.
    Não volte à ilha sem falar primeiro com um bom amigo, daqueles que põem o livro de cheques à disposição. Os cheques anulam qualquer vício. Bem abonado, para a próxima leve companhia de modo a não ter tempo de sair do quarto. Quem? Sei lá, de preferência um ser irreprimível na asneira e desestruturante no toutiço que não pergunte de onde vêm as benesses. Convém não escandalizar as donzelas por muito estafadas que sejam em andanças da baixa lisboeta. Pouco recatadas no trato, dadas a impropérios.
    Não se pode ter tudo.

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  7. 30 Agosto, 2017 17:22

    Que maravilha
    ” estando uma delas grávida (era a que me parecia mulher)”

    AHAHAHAHA

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  8. 30 Agosto, 2017 17:27

    Mas essa do ocorrer perguntar qual dos progenitores ia amamentar a criança e as consequências do crime- já me aconteceu na net.
    Foi no jornal da Direita numa crónica do mesmo economista-de-géneros: fui logo bloqueada.

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    • 30 Agosto, 2017 17:30

      É a chamada “economia de género”: não há. Só pode haver sexo indiscriminado e genérico.

      Género é palavra neutr@ e tudo o que se inventar lá dentro- até para animal tutelado.

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  9. Procópio permalink
    30 Agosto, 2017 17:43

    Vitor, desculpe, a foto das profundezas da ilha. Desactualizada.
    Desde que um par e monstros passou por lá o fedor contaminou a flora marinha.
    Se a poluição do mediterrâneo já era crítica, piorou de vez.
    Pior só em maracaibo sem ar condicionado, temperatura média chega a 38º C.
    O canto do passarinhos emudeceu.
    A questão está em saber se um tridor deve ser condenado a 20 ou a 50 anos.
    Perguntem ao jeróimo e a kathy eles sabem ar palpites.

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  10. Procópio permalink
    30 Agosto, 2017 17:44

    traidor em vez de tridor

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  11. Arlindo da Costa permalink
    30 Agosto, 2017 18:00

    Teria sido mais chique se V. Exªa tivesse ido gozar férias para a praia dos Tomates, no Algarve.

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    • Filipe Costa permalink
      30 Agosto, 2017 19:20

      Boa ideia, é uma praia para pessoas com tomates, não corria o risco de encontrar o Costa (Sócrates dixit).

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    • Expatriado permalink
      30 Agosto, 2017 19:40

      Nada mais que um piu piu, piu piu, piu piu do lindocas…

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  12. Vitor permalink
    30 Agosto, 2017 18:52

    Genial, esta é a melhor maneira de dar combate à corja de pervertidos que querem mudar a natureza a golpes de chicote, perseguição e censura.

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  13. A. R permalink
    30 Agosto, 2017 18:54

    Parece que o melhor é ir para Cuba, Venezuela, Coreia do Norte e outros paraísos na Terra onde levam tudo muito a sério. Os desvios são tratados em campos de educação anti-burguesa onde se lê “O trabalho faz-te homem”

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  14. 30 Agosto, 2017 21:20

    VCunha,

    excelente texto.
    Pena não haver entre os bovinizados e sonsos deputados da ARepública um, bastava um “representante do povo” com criatividade, categoria e independência para o ler àquela maltosa, sobretudo à da geringonça.

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  15. Euro2cent permalink
    30 Agosto, 2017 22:04

    > deputado de bonito chapéu de feltro violeta

    Hmm, “strangely specific”, como dizem na Tanzânia.

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  16. 30 Agosto, 2017 22:06

    Se levarem a igualdade de género para as olimpíadas não haverá uma única mulher a competir em desporto nenhum – em igualdade com os homens nenhuma se qualifica.
    Talvez em equitação…

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  17. carlos alberto ilharco permalink
    31 Agosto, 2017 22:44

    ao deputado de bonito chapéu de feltro violeta que estava no bar,

    Acho um bocadinho arriscado afirmar que era um homem.
    Teve sorte de não lerem o post enquanto estava lá.

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  18. 4 Setembro, 2017 16:07

    Muito grata por este momento hilariante.

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