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Uma história de jardinagem

14 Maio, 2018

Estou tão triste com a morte da minha avó que vou escrever uma canção para levar ao festival da canção da RTP. Pintarei o cabelo de rosa, a cor do PS, convidarei alguém para fingir que canta comigo apesar de se limitar a exibir um visual que me faça parecer gay e direi coisas profundas como o quão não faz mal a avó ter morrido porque eu continuarei a regar o seu jardim, perpetuando, dessa forma, qualquer coisa que ela fazia (continuarei a comer os coiratos de que tanto gostavas é mais difícil de rimar). Jardim rima com fim e também rima com mim, mim, mim.

A velha eutanasiou-se claro. Quer dizer, a reflexividade do verbo significa que decidiu que alguém teria o dever de a executar. Entrou no hospital, ping, ping, pong, dizia a maquineta ligada ao pulmão do velho, e, percorrendo a passadeira vermelha ladeado de macas onde outros idosos lutam pela vida com maleitas pindéricas como pneumonia, sentiu-se aliviada por morrer e não mais regar o caraças do jardim. “Avó, de certeza que queres morrer”? Não se volta atrás: a canção tem que ser escrita. Jardim rima com varandim, de onde vias teu jardim enquanto comias o pudim. Não há mais pudim. Chegarás ao teu fim, por fim, sem mim, mim, mim. Enfim.

Espera aí, velhota, vais para enfermaria das infectocontagiosas que o pior que te pode acontecer é morrer – ah, ah, ah!, suspirou o carrasco feliz pela piada. “Já volto com a injecção da morte digna”. “Eu posso asfixia-la com a almofada!” – gritou a engraçadinha com sarampo. “Ela que venha aqui” – respondeu a isolada com ébola da redoma de vidro. Não! Morrer é com dignidade!

O jardim acabou por ser regado mais duas vezes. Na semana seguinte fui espairecer para Formentera com o outro cantor que se limitou a olhar para os sapatos fazendo-me parecer gay. Dormimos na mesma cama, como irmãos, ãos, ãos.

10 comentários leave one →
  1. Mario Figueiredo permalink
    14 Maio, 2018 09:03

    Ahaha! À g’anda maneira de começar a semana! Obrigado VC pelas gargalhadas.

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  2. 14 Maio, 2018 09:26

    AHAHAHAHAHAH
    Este foi o máximo

    Obrigada, também que já me fartei de rir

    Ai os coiratos

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  3. 14 Maio, 2018 11:18

    Óptimo post !

    Então, o BE não protestou por causa do último lugar da cançoneta tuga ?
    Tão simples, tão melodiosa, tão “nossa portuguesa”, tão ar LGBTIRRA, tão se calhar cantada por bloquistas…

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  4. Petas permalink
    14 Maio, 2018 12:49

    vitorcunha, continua muito bem. Aleluia!

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  5. Rocco permalink
    14 Maio, 2018 13:26

    Credooooooooo!!!!!

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  6. José Domingos permalink
    14 Maio, 2018 14:49

    Obrigado

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  7. Eduardo Menezes permalink
    14 Maio, 2018 17:25

    Tudo muito bem dito
    Tudo certo
    Mas esta muludia não é mellhor nem pior ka do anu passado.

    Simplesmente asquerosa segundo a opinião do “monstro” (1) dos seus pregos.

    (1) O mosntro era um estalajadeiro da velha Coimbra. Servia uns “pregos” horríveis.
    Numa amena tarde um estudante pediu um prego.
    Servido o dito cujo, disse o jovem estudante:
    — Òh senhor Fortes, os seus pregos são horríveis, não se podem tragar:
    — Óh senhor doitor não diga isso dos meus pregos. Ainda agora saiu daqui um colega seu e disse, simplesmente que os meus pregos eram asquerosos

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  8. Arlindo da Costa permalink
    14 Maio, 2018 18:38

    Muito bucólico…

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  9. carlos alberto ilharco permalink
    14 Maio, 2018 19:24

    A canção era boa, substitui com facilidade o Valdispert, a moça é lésbica como convêm, é verdade que a Dona Simone a criticou, mas mesmo assim não se compreende que tenha ficado em último lugar.
    Talvez o equipamento de preto tivesse dado má sorte.
    Podia ir de azul FCP, está na moda.

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  10. Miguel Santos permalink
    14 Maio, 2018 22:17

    Só não percebi porque, em vez daquelas 4 apresentadoras desenxabidas, o festival não foi apresentado pelo Eládio Clímaco, Malato, Goucha, e Cláudio Ramos.
    A cantora do cabelo cor-de-rosa (é a Cláudia ou a Isaura?) e a fu…lana que cantou com ela, sentir-se-iam muito mais apoiadas.

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