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Netos de Arroja, filhos de Édipo

12 Julho, 2018
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Quando o jovem Pedro Arroja defendia o liberalismo em pequenos espaços televisivos e artigos de jornais nos anos 80 e 90 era uma espécie estranha. Liberal era um insulto que na escala do Portugal socialista saído da revolução só estava abaixo de fascista. Nenhum outro comentador ou colunista relevante se atreveria a definir-se como liberal e muito menos um político que aspirasse a ganhar eleições. Mas as ideias fazem o seu caminho e o seu esforço solitário teve frutos uns anos mais tarde com o advento da internet e dos blogs. Quem estava por cá quando começou a blogosfera política em Portugal lembrar-se-à que a esmagadora maioria dos blogs auto-denominavam-se liberais. Todos, incluindo os liberais-sociais não hesitavam em defender a herança de Pedro Arroja. Surgiram dezenas de pequenos blogs de pessoas que se diziam liberais (embora na sua maioria nunca tivesses escrito sobre isso). Muitos estavam desorientados, outros (incluindo o vosso escriba) foram estruturando o seu pensamento, estimulado pelas discussões acesas que foram acontecendo entre liberais. Mas a verdadeira maturidade da blogosfera liberal apenas surgiu depois do confronto com o próprio Pedro Arroja. Um a um, Pedro Arroja foi rejeitando cada um dos seus filhos. O João Miranda (provavelmente, o melhor blogger liberal português quando Pedro Arroja entrou neste mundo) foi acusado de ser de esquerda. O João Caetano Dias (provavelmente, o segundo melhor) de não saber pensar. Carlos Abreu Amorim, André Azevedo Alves e muitos outros mereceram a rejeição de Pedro Arroja. Um por um, Pedro Arroja rejeitou todos os seus filhos ideológicos e, sem surpresa, eles também o rejeitaram de forma violenta. Tal como Laio que tentou matar o filho Édipo, apenas para acabar por ser morto por ele.

A expulsão de Pedro Arroja do Blasfémias e a sua auto-exclusão da tribo liberal foi o momento de passagem de testemunho. Os filhos de Arroja tomavam o controlo. A blogosfera liberal continuou a amadurecer. Das dezenas de blogs liberais sobraram dois relevantes. Sobraram os dois que conseguiram aglutinar num ambiente de tolerância diferentes visões de liberalismo em que os pontos em comum eram mais fortes que as várias diferenças. A influência desses dois blogs foi muito para além do que as audiências (mesmo essas, de uma dimensão completamente inesperada 10 anos antes) atestam. Nos jornais, na televisão e na academia apareceram cada vez mais pessoas sem vergonha de se afirmarem liberais. O colapso de 2011, que vinha sendo anunciado nesses blogs há anos, foi o golpe final.

Mas as ideias continuaram a fazer o seu caminho e 15 anos depois da proliferação de blogs liberais surgem os partidos liberais. Num processo extraordinariamente semelhante ao da criação dos primeiros blogs liberais, pela primeira vez surgem forças partidárias que aspiram a conquistar votos afirmando-se liberais, algo impensável 15 anos antes. Pela primeira vez, há políticos que consideram que afirmar-se liberal pode ser uma vantagem na hora de conquistar votos. Em vez de se sentirem orgulhosos com o feito, e consistente com a sua própria história familiar, os filhos rejeitados de Arroja trataram de também rejeitar os seus.

Na mitologia grega, Édipo, que já tinha morto o pai, amaldiciou os filhos para que se matassem um ao outro, o que veio a acontecer. Édipo conseguiu ser tão mau pai como tinha sido filho. Sangue marado o que corre nas veias desta gente.

39 comentários leave one →
  1. Arlindo da Costa permalink
    12 Julho, 2018 22:30

    Até qu’enfim um partido para libertar a sociedade civil!

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  2. Mario Figueiredo permalink
    12 Julho, 2018 22:59

    CGP, vamos deixar-nos de bola e fados e vamos passar a conversar a sério. Diga lá que partidos são esses, para a malta conversar sobre o assunto, ou, no mínimo, entendermos do que é que você se queixa. Porque todos os partidos liberais criados até à data têm apenas demonstrado ser veículos para a proliferação de ideologias de esquerda e agirem precisamente para ocupar o espaço do liberalismo em Portugal e impedir o crescimento de movimentos liberais de direita que se têm vindo a adivinhar há já umas duas décadas.

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  3. Sérgio Gonçalves permalink
    12 Julho, 2018 23:00

    O português é muito dado a fundamentalismos bacocos. Perdemos muito tempo a discutir o pintelho que nos separa porque adoramos discutir pormenores e não nos focamos no que realmente importa. Isto é mais um exemplo, não são liberais o suficiente ou não sei o que…em Portugal não ser comunista já devia ser motivo de celebração.

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  4. Mario Figueiredo permalink
    12 Julho, 2018 23:16

    Entretanto deixe lá o Pedro Arroja em paz. Nenhum liberal conservador (ou conservador liberal) precisa do Pedro Arroja ou se inspirou no Pedro Arroja para o que quer que seja. Se não estou enganado, o liberalismo de direita tem na Europa pelo menos 40 anos de contacto com o poder. E em Portugal tem sido defendido há mais de 44 anos por figuras como Belmiro de Azevedo e antes disso por gente tão remota como Alexandre Herculano.

    Eu próprio tornei-me liberal conservador enquanto lia entre outras coisas, Silvestre Pinheiro Ferreira e Luís António Verney, ambos do século XVIII; e muito antes sequer de ouvir falar em Pedro Arroja — a quem ainda não consigo propriamente reconhecer as qualidades educativas que o CGP lhe aparenta dar.

    O liberalismo de direita em Portugal é inexistente porque não existe uma organização política que o promova. E isto deve-se à pressão do Abrilismo e ao falhanço de figuras que se dizem liberais e com meios para promoverem o pensamento…

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    • 13 Julho, 2018 12:22

      Por cá, em tempos recentes, houve o clube de esquerda liberal, criado pelo Saldanha Sanches e pelo João Calos Espada.

      Portanto, este grupo de agora tem todas as características para vir a ser o mesmo tipo de abortício. Liberais nos costumes, para a escardalhada no Poder legislar.

      Anteriormente, tivemos a beleza do liberalismo dos mata-frades, continuada pelos republicanos dos primos das choças. Teremos, pelos vistos, mais choças com mais primos e primos.

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      • 13 Julho, 2018 12:25

        Liberalismo económico e pensamento de Direita temos para aí no único exemplar desde o PREC- o Pedro Ferraz da Costa

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  5. Manuel permalink
    12 Julho, 2018 23:29

    O liberalismo não é de esquerda ou de direita. Considerando uma linha horizontal(partidos tradicionais) podemos falar de esquerda e direita, mas o liberalismo é uma linha na vertical.

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    • Mario Figueiredo permalink
      12 Julho, 2018 23:37

      Uma linha diagonal foi o que acabei de traçar ao longo de todo o seu comentário. Em caneta vermelha grossa.

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      • Manuel permalink
        13 Julho, 2018 00:31

        A censura do antigamente( regime conservador) gostava mais da cor azul!

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    • lucklucky permalink
      13 Julho, 2018 16:28

      Em teoria qualquer um pode ser liberal. Um Comunista que não queira obrigar alguém a ser Comunista e só pretenda criar Comunas para pessoas que pensem como ele pode-se dizer que é uma Comunista Liberal.

      Mas será ainda Comunista aos olhos dos outros Comunistas?

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  6. Procópio permalink
    12 Julho, 2018 23:42

    Por uns tempos não vai lá com partidos que saímos do lodo. Partidos corruptos já há que chegue.
    Os convites para portugueses de Bilderberg de 2018 não foram para nenhum agente partidário. Aconteceu pela primeira vez.
    O que não aconteceu pela primeira vez foi este idiota fingir uma ciática depois de mais uma bebedeira. Vejam quem o rodeia, diz-me com quem andas…
    https://twitter.com/i/status/1017478007768920065

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  7. Luis Lavoura permalink
    13 Julho, 2018 09:52

    surgem os partidos liberais

    Que partidos liberais é que surgem?

    Que eu saiba, apenas a Iniciativa Liberal é atualmente um partido liberal com o processo de formação completo. Os outros “partidos” ainda não o são, nem se sabe se alguma vez chegarão a ser.

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  8. 13 Julho, 2018 11:12

    “Nenhum outro comentador ou colunista relevante se atreveria a definir-se como liberal”

    João Carlos Espada (curiosamente ambos tiveram uma evolução até com algumas semelhanças: um passou de liberal clássico a uma espécie de neoreacionário, o outro de “liberal de esquerda” como ele se dizia – hoje em dia diria-se “social-liberal” – a neoconservador)

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    • 13 Julho, 2018 12:27

      O Espada tinha acabado de sair da UDP e nem sabia quem era o Popper. Pediu biografia para se tornar liberal ao Saldanha Sanches

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  9. 13 Julho, 2018 12:26

    Repito- pensamento e prática liberal e de Direita- um único- o Pedro Ferraz da Costa

    O resto é importação pelo Amazon.
    Cartilhas & tretas para venderem cursos e cursinhos.

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    • Mario Figueiredo permalink
      13 Julho, 2018 13:12

      Caraças! Estava a tentar lembrar-me do Ferraz da Costa e não conseguia lembrar-me do nome. Por isso acabei por sair com a segunda melhor referência que pensei, o Belmiro. Que na verdade é só assim-assim.

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      • Mario Figueiredo permalink
        13 Julho, 2018 13:13

        Obrigado portanto pela lembrança. Beijos.

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      • 13 Julho, 2018 14:02

        No Portadaloja o José tem mostrado em recortes como ele sempre foi consequente nesse pensamento.

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  10. 13 Julho, 2018 12:31

    Por outro lado. A blogosfera começou com o Pastilhas do Esteves Cardoso (de onde venho com o mesmo nick) e com a Coluna Infame que não era nem se dizia Liberal. O Mexia, o Pereira Coutinho e o Pedro Lomba.

    Nenhum deles andava de Rothbard debaixo do braço. E de Direita, era mais para não parecerem de esquerda.

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    • 13 Julho, 2018 12:33

      Nenhum deles é ou foi político nem ideólogo.

      O Arroja também nunca foi nem político nem ideológo e deixou a cena liberal por considerar incompatível com o catolicismo- o que tem razão, em termos de costumes.

      Liberalismo tem interesse para tirar pata estatal da economia. Fora isso é esquerdismo que já está ocupado pelo PAN, BE , PS e PCP.

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      • 13 Julho, 2018 12:35

        Já para não dizer que também está ocupado pelo liberalismo social do PSD e CDS…

        Não há quem não queira ser bué de liberal. Depois, jacobinos são sempre os que se alapam e legislam as pancas liberais para cima dos outros e em nome de toda a gente que não pediu nada.

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  11. 13 Julho, 2018 18:02

    Carlos, essa história da saída do Pedro Arroja do Blasfémias está muito mal contada. O Pedro não rejeitou nenhum dos “filhos”…

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    • 13 Julho, 2018 18:13

      Limitou-se a tocar naqueles cujo nome não se pode pronunciar.

      É tudo contra o politicamente correcto mas existem tabus. E apenas disse que para se ler posições e textos desses personagens, ele costuma estar com um pé atrás.

      Por causa do tendenciosismo. Coisa que faz qualquer académico sem preconceitos.

      Houve logo levantamento popular e a HM colocou ultimato- ou ele ou ela.

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    • 13 Julho, 2018 18:15

      Como é óbvio nem liberais ortodoxos iam expulsar um convidado que, avisou logo no primeiro post de entrada que isso já era.

      Entrou logo a dizer tudo. Sem falinhas mansas nem rodeios para agradar.

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    • 13 Julho, 2018 18:16

      Ah, e rejeitou tanto o João Miranda que o convidou para o Portugal Contemporâneo do Rui, onde ainda está como colaborador.

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      • CGP permalink
        13 Julho, 2018 20:56

        Sim, assim como eu. A Zazie não deveria interpretar o “rejeitar” de forma tão literal.

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      • 13 Julho, 2018 21:27

        Tem razão ehehe esqueci-me que ele também o convidou.

        Ok. Eu fulanizei e v. referiu o rejeitar como mudar de ideologia depois de, sem querer, ter contribuído para ter seguidores.

        Há uma questão que o CGP não referiu- é que existiram e existem grupos de ideias- o Carlos Novais, por exemplo, faz parte disso e existem outra coisa que são agrupamentos partidários.

        Ora o PA nunca teve qualquer ligação ou intenção política nem partidária. E os ditos grupos de “liberalismo” também não.

        Quando dentro deles alguém tinha e passava à prática, a primeira coisa que era obrigado a fazer era largar a ideologia. O CAA deixou logo de ser “liberal” e outros, creio, até passaram a ser nada por afinidades mais socialistas.

        O que vi de errado neste partido foi não ser sequer oposição ao maior problema nacional que é a escardalhada.

        Antes pelo contrário- é ver como a escardalhada das causas liberais apareceu logo.

        E vão ter papoilas e mais anormalidade umbiguista de malucos caprichosos a quererem legislar o mundo-às-avessas.

        Em Portugal ideias sociais com representação partidária servem exclusivamente para fazerem leis contra o bom-senso e destruírem toda a sensatez que dura há séculos.

        Servem para fazer a revolução possível, já que agora esta malta nem vai à tropa e pelas armas só pokemons.

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    • 13 Julho, 2018 18:20

      Para rejeitar “os filhos” tinha de rejeitar o próprio filho que se mantém liberal. E ele também mas tem outras ideias e o facto da conversão católica alterou muito.

      Ele rejeitou foi os gurus e as teorias dos paizinhos. Tem isso tudo online para quem queira ler.

      Não me recordo sequer do CGP ter tido algum debate com ele acerca dessas questões teóricas.

      Estas coisas não são fulanizadas. São ideias. Se for para partido político, então sim, é bom que tenha gente dentro e sirva para governar um país.

      Não conheço nenhum país cujo nome se chama Liberalismo. Portanto, o tal partido quer servir um conceito abstracto sem pátria.

      Ora isso já fazem os comunas há muito mais tempo.

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    • CGP permalink
      13 Julho, 2018 21:27

      Luis, rejeitou-os a todos. Hoje não partilha a ideologia com nenhum (ou quase nenhum) deles. A utilização do verbo “rejeitar” foi nesse sentido.

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      • 13 Julho, 2018 21:30

        E eles partilham das ideologias que tinham?

        Conte lá quais e quem.. sff.

        O CAA foi para o Poder e o que fez ao liberalismo.

        Pergunte aí, um a um, por aqueles que nem nomeou e veja lá se encontra alguém fora o CN que não tenha guardado no armário da roupa velha aquilo que vestia na altura.

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      • 13 Julho, 2018 21:32

        V. não conta porque vejo-o mais com neto disto tudo e com saudades do que nem viveu porque jogava ao bilas na altura.

        eeeheh

        Sorry mas acho-o um menino muito bom trabalhador mas out da política ou de qualquer outra coisa com memória mais de, sei lá, 7 anos?

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      • 13 Julho, 2018 21:37

        O seu erro com que engalinhei foi misturar uma “rejeição” de uma ideologia com a expulsão do Blasfémias.

        E fez bem em lhe chamar expulsão. Porque foi mesmo expulsão e ninguém se atreve a dizer isso.

        Só que nada teve a ver com rejeitar o liberalismo. Para isso nem tinham deixado entrar ou mandavam embora depois do primeiro post com que entrou.

        Foi como eu disse- ultimato, almoço para votar ultimato e expulsão e o motivo foi exclusivamente os tais cujo nome não se pode dizer.

        Pelo meio, à conta dos tais cujo nome não se pode dizer, houve umas pegas com o mata-frades da casa.

        Mas nem foi esse que colocou ultimato algum. Foi quem depois empurrava os posts com comentários dele e a defendê-lo a ver se desapareciam.

        Essa foi a parte sabuja e o PA apenas se pegou com o jaquinzinhos por ter feito o frete e ajudado a do ultimato nesse empurrar, tapar e ver se desaparece no limbo.

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  12. 13 Julho, 2018 18:15

    tirar a vírgula ente o que e o verbo

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  13. 13 Julho, 2018 20:49

    Nessa historieta jacobina, de mata-frades e politicamente correcta por protecção aos tais cujo nome não se pode dizer, quem teve uma posição magnânima foi quem estava na mais delicada-
    O Rui A que tinha sido quem convidara para aqui o PA.

    Não alinhou em processos e pura e simplesmente convidou-o para o blogue dele, deixando que o PA se instalasse como se estivesse em casa, acabando por ficar com a casa.
    E o Rui a veio para aqui e conseguiu tudo isso com a maior souplesse que lhe característica. O comportamento de um grande senhor

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  14. Aónio Lourenço permalink
    20 Julho, 2018 20:24

    Lendo ao longe, a Visão refere a propósito de Pedro Arroja
    http://visao.sapo.pt/actualidade/portugal/2015-11-13-Pedro-Arroja-o-ultraliberal-esganicado

    É pela Monarquia Absoluta. Admira Salazar, mas votou MDP/CDE nas primeiras eleições livres. Defende a compra de votos e “uma democracia sem partidos”. É a favor da liberalização do comércio das drogas e já quis privatizar os rios. Se os ricos governassem, diz, “não havia corrupção”. Quem é o economista que se atirou às “esganiçadas” do BE?

    Isto não é liberalismo! Monarquia Absoluta? Um rei a mandar nisto tudo?

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  15. Francisco G. Noné permalink
    30 Julho, 2018 23:06

    Não consigo compreender como é que o fabuloso P.A. votou MDP/CDE (comunistas envergonhados, para quem não souber!) e depois duma breve passagem pelo Canadá, virou ultra-liberal. Mistérios que jamais entenderei…Terá sido do frio? Inexplicável, mesmo!

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