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A proverbial prepotência do patronato português do sector corticeiro

3 Outubro, 2018

corti

 

Parece que foi ontem mas já passaram trinta anos desde que Zita Maria de Seabra Roseiro, funcionária de uma conhecida empresa corticeira sediada na Rua Soeiro Pereira Gomes, tendo saído do habitual local de trabalho em serviço externo, se viu impedida, por ordens da administração, de a ele voltar a aceder.

De acordo com os relatos, a funcionária, que nunca tinha trabalhado em qualquer outra empresa e que contava já com mais de vinte anos de casa, foi vista a discordar do responsável máximo da corticeira no 6º andar do edifício principal da companhia, onde ambos exerciam as suas funções, tendo posteriormente abandonado o local para cumprir uma tarefa que lhe fora atribuída. Quando regressou, algum tempo depois, foi-lhe vedada a entrada no piso em causa e foi avisada pelo segurança de que as suas coisas tinham sido levadas em sacos de plástico para outro lugar.

Zita Maria de Seabra Roseiro, antes da ocorrência deste episódio, passou quase um ano de baixa médica devido a uma doença grave e, de acordo com testemunhas, a relação com a administração deteriorou-se logo após o retorno à vida activa. Não há certezas quanto à relação entre os dois acontecimentos, mas a verdade é que, no longo processo de despedimento que se seguiu, foram-lhe imputadas faltas laborais e foi acusada de ter mentido sobre o seu estado de saúde. Um dos intervenientes na acção, e também funcionário da corticeira, referiu mesmo que a tinha visto num ginásio durante o período da baixa.

A proibição de entrada no local de trabalho que lhe estava destinado foi apenas o início do longo calvário da trabalhadora. Os seus colegas foram informados pela direcção do conflito em curso e o isolamento total foi posto em marcha. Uns por vontade própria, outros por temerem represálias do patronato, todos se afastaram de Zita Maria de Seabra Roseiro, que passou a estar permanentemente sozinha quer durante o período laboral quer durante as pausas. Até no refeitório, um local privilegiado de convívio para a classe trabalhadora, foi deixada abandonada numa mesa, longe de tudo e de todos. Diz quem assistiu que nunca terá sido aplicada com tanta eficácia a célebre “lei da rolha”, o que, dado o sector em que ocorreu o diferendo, não é de estranhar.

Entretanto, vários documentos acusatórios foram postos a circular pela administração, e assistiu-se, inclusive, a uma acção organizada e permanente de perseguição e de vigilância. Naturalmente, como é costume neste tipo de pressão psicológica, foram retiradas à funcionária todas as tarefas e ferramentas de trabalho, tendo ficado o silêncio absoluto como seu único companheiro.

Este caso, que se arrastou durante vários meses, terminou com a saída definitiva de Zita Maria de Seabra Roseiro do sector da cortiça, e com o início de um duro caminho de regresso à actividade. Com o nome manchado nos meios em que se havia movimentado desde sempre e sem qualquer experiência noutra área profissional, não foram fáceis os tempos que se seguiram. É de relembrar que a sua ligação à importante companhia da Rua Soeiro Pereira Gomes se tinha iniciado em 1965, quando Zita Maria de Seabra Roseiro era ainda menor de idade, uma situação de trabalho infantil muito usual durante o negro período da exploração fascista. É assim fácil de perceber o desespero da trabalhadora ao ver-se afastada do único mundo que conhecia. Felizmente para ela, pôde sempre contar com a ajuda dos sindicatos, principalmente os que se moviam na órbita da CGTP. Não se tivesse proporcionado este decisivo suporte e todo este drama ter-se-ia mostrado absolutamente insuportável.

 

11 comentários leave one →
  1. 3 Outubro, 2018 14:39

    Na AIP até era conhecida pela “apalpadeira”, pois a atitude dela face à entidade patronal ainda é mais condenável do que se tivesse apalpado o rabo ao patrão sem este o desejar…

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  2. The Mole permalink
    3 Outubro, 2018 14:46

    Felizmente para ela, não vivíamos totalmente num regime daqueles que ela na altura apregoava, se não estaria só agora a sair dos trabalhos forçados do gulag… se estivesse viva.

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  3. licas permalink
    3 Outubro, 2018 14:51

    Um caso de Polícia, mais um, que a Firma incorre.
    Mas , essa , faz o que lhe apetece inpunemente, “poe decreto”…

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  4. carlos alberto ilharco permalink
    3 Outubro, 2018 15:48

    Tanto quanto sei, recuperou, está de excelente saúde e muito bem na vida.
    Há mudanças boas.

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  5. Procópio permalink
    3 Outubro, 2018 16:29

    Fiquei muito sensibilizado e a propósito:
    “Onde é que ela meteu a rolha?”

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  6. José Domingos permalink
    3 Outubro, 2018 17:17

    Não se consegue arranjar um assédiozito, violação…………..
    Mudava toda a perspectiva da coisa.

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  7. weltenbummler permalink
    3 Outubro, 2018 18:25

    entretanto antonio das mortes
    transformou o rectângulo em ‘casa de passe’

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  8. Blitzkrieg permalink
    3 Outubro, 2018 20:56

    Texto muito bom! O livro que a funcionária escreveu, “Foi assim” é uma obra que merece ser lida, um texto excelente que relata todo o período desde o trabalho infantil na clandestinidade até à desilusão e guerra aberta com o patronato.

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  9. Mario Figueiredo permalink
    3 Outubro, 2018 21:03

    A industria da cortiça está praticamente activa com o afastamento da PGR. E o mês de Setembro augura alguns dos melhores resultados dos últimos 44 anos. De uma ponta à outra do parlamento,toda a gente comprou rolhas este mês. É assim que se ajuda a indústria portuguesa.

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  10. Natália silva permalink
    4 Outubro, 2018 15:33

    Não é só na cortica a fábrica onde eu trabalhava área madeira ao fim de 15 anos ordenado mínimo despedida e queriam com justa causa e com 60 anos estou no IEFP com 400 € e 62 anos. Agora o futuro?????

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  11. Artista Português permalink
    5 Outubro, 2018 11:33

    Toda esta história só foi possível porque ainda lá estava o muro – o muro bom porque o mau é o do Trump

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