Saltar para o conteúdo

“História” concisa, aproximada e descontraída de Portugal (1)

9 Janeiro, 2019

rock_art_foz_coa_01

 

Naquela que ficou para a história como a primeira colectânea de rap português (o álbum Rapública, lançado em 1994), o tema Nadar, do grupo Black Company, assumiu um lugar de grande destaque, tendo-se tornado num êxito nacional. A expressão “não sabe nadar, yo” entrou de rompante no dia-a-dia e era partilhada por diversas gerações nos mais variados contextos. Não foi assim de estranhar que já em 1995, no meio de um intenso duelo entre as gravuras rupestres encontradas no vale do rio Côa e a barragem da EDP que as ia submergir, o grito “as gravuras não sabem nadar” tenha sido lançado pelos movimentos de defesa daquelas milenares obras de arte.

Durante o apaixonado debate dessa época, que contou com a participação de numerosos especialistas nacionais e estrangeiros, todo o país foi atingido por informação e conceitos normalmente afastados do quotidiano. Era possível, por esses dias, intercalar conversas de café sobre a última jornada do campeonato de futebol com trocas de argumentos sobre a importância da arte rupestre e do Paleolítico Superior. Quando a idade de algumas das figuras foi calculada pelos arqueólogos em cerca de 20 000 anos, os portugueses mostraram-se surpreendidos, e logo começaram as piadas sobre a antiguidade da presença de “artistas” no nosso território. Uma certa ideia de ancianidade da nação, já bem presente no imaginário colectivo, saiu reforçada, como se os homens que gravaram as rochas do Côa fossem portugueses de gema, trabalhando a pedra com um palito no canto da boca enquanto deitavam o canto do olho às moças que passavam.

É por isso importante salientar que os artistas em causa (agora sem aspas) não eram portugueses; que o famoso Viriato, muitas vezes apresentado como uma espécie de avozinho da nação, também não era português; e que o próprio D. Afonso Henriques, tendo evidentemente morrido na condição de português, nasceu numa “zona cinzenta” capaz de propiciar debates infinitos sobre a identidade nacional e as origens do nosso país. Como afirmam alguns historiadores, não há portugueses antes de haver Portugal. E a construção de Portugal como país independente foi um processo longo e sinuoso, muito mais dependente da força de alguns homens do que de uma marcada identidade étnica, cultural ou geográfica, realçando-se que essa força era não só de vontade como também física, pois, sem algum gosto e jeito para a pancadaria, não teria havido independência para ninguém.

 

17 comentários leave one →
  1. Luis Lavoura permalink
    9 Janeiro, 2019 11:44

    De facto, Portugal (tal como outros países da Europa Ocidental) distingue-se por ter sido formado através da força, como um reino, e não por ter qualquer identidade étnica, cultural ou geográfica. (No início, os portugueses eram basicamente galegos – falavam a mesma língua, provinham dos mesmos sítios.) Portugal, e esses outros países da Europa Ocidental – França, Espanha, Reino Unido -, distinguem-se nisso de países da Europa Oriental como a Hungria, a Polónia ou a Chéquia, que são precisamente fundados numa identidade étnica e cultural. Talvez seja por isso que esses países da Europa Oriental manifestam tanto receio da imigração – porque eles sabem que, ao contrário de Portugal, só existem devido à sua identidade e unidade étnica e cultural.

    Gostar

    • Sérgio Barreto Costa permalink
      9 Janeiro, 2019 14:32

      Mas, como salientou o José Mattoso, já havia francos, alamanos e anglos antes de haver França, Alemanha e Inglaterra. O caso português parece ser diferente.

      Gostar

    • 10 Janeiro, 2019 10:14

      O que espero das próximas eleições:
      -Dispersão de votos por vários partidos daquilo a que chamam Direita.
      Acho bem. É um princípio da mudança que Portugal precisa. E é um problema para o Costa porque vai ser obrigado a governar sozinho ou acompanhado pela restante esquerdalha e ter mais tempo para nos prendar com outra bancarrota. Ora, as bancarrotas do PS é que têm obrigado o povo a ter um pouco de juízo e a votar mais conscientemente. Mas com só tinham partidos menos maus para votarem, era nesses que votavam. No caso da última bancarrota (são sempre do PS), veio o governo PSD/CDS compor um pouco as coisas para o Costa, com as suas habilidades trapezistas vir a seguir fazer a colheita. Portugal não pode andar eternamente a viver nestes ciclos parasita/hospedeiro em que uns fazem a sementeira e outros fazem a colheita.
      Voltando atrás, com a dispersão dos votos dos portugueses que querem mudança a sério, talvez os patriotas portugueses percebam que têm mesmo de se agrupar e dar a volta à pouca vergonha em que a Esquerda mergulhou Portugal.

      Gostar

    • 10 Janeiro, 2019 16:45

      ” já havia francos, alamanos e anglos antes de haver França, Alemanha e Inglaterra. O caso português parece ser diferente.”

      O serginho nunca ouviu falar nos lusitanos, nos celtas, nos suevos, nos vandalos e nos visigogos, por não ?

      Gostar

  2. weltenbummler permalink
    9 Janeiro, 2019 15:03

    boxexas, o filho do padre, afogou as gravuras na barragem (açude) do Tejo perto do Fratel
    PQP

    Gostar

    • lupabinocular permalink
      9 Janeiro, 2019 20:35

      Esse inominável fez imensas merdas, mas culpá-lo disso não é justo. A barragem foi concluída em 1973, época em que ele andava a passear as adiposidades na estranja, durante o exílio dourado.

      Gostar

      • licas permalink
        9 Janeiro, 2019 22:07

        lupabinocular PERMALINK
        9 Janeiro, 2019 20:35

        É assim mesmo: não pode ser culpado,..

        Gostar

  3. SRG permalink
    9 Janeiro, 2019 18:03

    E porque na época ainda não existia Portugal como nação, é que o nosso país só teve um Papa. O Papa S. Dâmaso, foi o primeiro e nasceu em Guimarães. Já Pedro Hispano teve mais sorte, ou azar, quando nasceu já foi no rectângulo chamado Portugal.

    Gostar

  4. 9 Janeiro, 2019 19:06

    “E a construção de Portugal como país independente foi um processo longo e sinuoso, muito mais dependente da força de alguns homens do que de uma marcada identidade étnica, cultural ou geográfica”

    Agora vamos ter que começar a levar com o desconstrucionismo vindo da “direitinha” ?
    É que existe algum estado nação que não tenha sido assim. Não é por isso que se erguem estatuas aos conquistadores e fundadores em todo o lado ?
    Depois digam que é só escardalhada que anda doidinha a semear a dissolução das identidades nacionais.

    E já agora só mais uma pergunta, qual é identidade cultural étnica e geográfica dos israelistas e os seus fundadores ? Podemos também começar a desconstruir a identidade daquela região ou isso já configura um acto de “anti-semitismo” seja lá o que isso realmente queira dizer, hum?

    Gostar

    • Luis Lavoura permalink
      10 Janeiro, 2019 09:34

      Claro que existem Estados em que não foi assim. Por exemplo a Hungria, foi fundada no século 19 porque se reconheceu que existia uma nação (um povo, uma etnia, uma cultura) húngara. Ou a Ucrânia, foi criada no século 20 pela mesma razão.
      Já Portugal, pelo contrário, não tinha, na altura da sua independência, uma cultura própria separada. De facto, Afonso Henriques pretendeu a independência em relação à Galiza, quando os portugueses e os galegos eram basicamente um mesmo povo.

      Gostar

    • 10 Janeiro, 2019 15:36

      Cast adrift in a Slavic-Germanic sea, Hungarians are proud to have been the only people to establish a long-lasting state in the Carpathian Basin. Only after six centuries of independent statehood (896–1526) did Hungary become part of two other political entities: the Habsburg and Ottoman empires. But even then Hungarians retained much of their separate political identity and near-independence, which in 1867 made them a partner in Austria-Hungary (1867–1918). This was much more than the other nations of the Carpathian Basin were able to achieve before 1918.

      By accepting Catholicism in ad 1000, the Hungarians joined the Christianized nations of the West, but they still remained on the borderlands of that civilization. This made them eager to prove themselves and also defensive about lagging behind Western developments elsewhere. Their geographical position often forced them to fight various Eastern invaders, and, as a result, they viewed themselves as defenders of Western Christianity. In that role, they felt that the West owed them something, and when, in times of crisis, special treatment was not forthcoming (e.g., Trianon in 1920), they judged the West as ungrateful.

      Ethnic groups and languages

      From its inception in the 10th century, Hungary was a multiethnic country. Major territorial changes made it ethnically homogeneous after World War I, however, and more than nine-tenths of the population is now ethnically Hungarian and speaks Hungarian (Magyar) as the mother tongue. The Hungarian language is classified as a member of the Ugric branch of the Uralic languages; as such, it is most closely related to the Ob-Ugric languages, Khanty and Mansi, which are spoken east of the Ural Mountains. It is also related, though more distantly, to Finnish and Estonian, each of which is (like Hungarian) a national language; to the Sami languages of far northern Scandinavia; and, more distantly still, to the Samoyedic languages of Siberia. Ethnic Hungarians are a mix of the Finno-Ugric Magyars and various assimilated Turkic, Slavic, and Germanic peoples. A small percentage of the population is made up of ethnic minority groups. The largest of these is the Roma (Gypsies). Other ethnic minorities include Germans, Slovaks, Croats, Romanians, Serbs, Poles, Slovenians, Rusyns, Greeks, and Armenians.

      https://www.britannica.com/place/Hungary

      Não tem de quê inteligentinho lavoura.

      Gostar

  5. Alberto Silva permalink
    9 Janeiro, 2019 21:47

    Agora que a gripe aí vem, o Diabo anda contente: Vai matar bué! Isto das reformas sai caro e os velhos ranhosos já não têm pernas para ir votar.
    Velhos e doentes preparem-se que o Diabo vai-vos tratar da saúde. Os diabinhos andam delirantes com as ordens do Diabo. “Onde houver um microfone, digam que aos velhos e aos doentes podem estar descansados; não vão para os hospitais, telefonem para a saúde 24 que a coisa resolve-se.”

    Gostar

  6. Leunam permalink
    9 Janeiro, 2019 23:24

    Os abrileiros e toda a caterva de politiquinhos e politiqueiros e partidinhos e partidões, o que conseguiram depois de 25 DE Abril de 1974 foi destruir a NAÇÃO PORTUGUESA transformando-a num SÍTIO MAL FREQUENTADO olhado com desdém pelas outras nações, ENDIVIDADA ATÉ À MEDULA, largamente CORRUPTA, ignorando-se a si própria, sem brio nem esperança num futuro próspero para todos.

    Gostar

  7. 10 Janeiro, 2019 09:52

    Os meus avós maternos tinham uma gata. A gata tinha o hábito de afiar as unhas numa enorme árvore que havia no pátio. De vez em quando, eu ia ver os arabescos que ela fazia na casca – eram muito mais parecidos com estas gravuras do que estas gravuras são parecidas com qualquer coisa real.

    Gostar

  8. Velho do Restelo permalink
    10 Janeiro, 2019 11:09

    Caro Sérgio, sendo um apreciador do seu estilo de escrita e do bom gosto na escolha dos temas, quero antes de mais felicitá-lo. E como um pouco de polémica só pode dar mais brilho à obra, atrevo-me a discordar no que respeita à aquisição da cidadania portuguesa. Será justo dizer que Puigdemont só pode ser catalão de gema depois de Espanha reconhecer a independência ? Claro que não. A nação é um sentimento colectivo. É algo imaterial que não se resume a um território, nem depende do consentimento de outros. Ninguém é dono da nação nem da nacionalidade. A nação israelita já existia mesmo antes do país Israel se ter concretizado após a WWII.
    Contudo, concordo plenamente com a mensagem, só que a paixão por Portugal foi substituída pela paixão pelo “SLB”, “FCP” ou “SCP”! Outras “nações” o mesmo estilo.

    Gostar

    • Sérgio Barreto Costa permalink
      10 Janeiro, 2019 15:25

      Caro Velho, a ideia que queria transmitir é que, em Portugal, o Estado chegou antes do sentimento nacional. Na Catalunha, pelo contrário, já existe esse sentimento mesmo não existindo Estado. Naturalmente que podemos discutir esta teoria, isto não é uma ciência exacta. No entanto, julgo que esta é a tese dominante entre os especialistas (entre os quais, infelizmente, não me encontro:))

      Gostar

      • 10 Janeiro, 2019 16:30

        “…em Portugal estado chegou antes do sentimento nacional”

        E o ovo Serginho, nasceu primeiro ou foi a galinha ? Você quer fazer um retrocesso à historia da catalunha pra ver se o sentimento veio por “imposição” ou surgiu da livre e espontanea vontade ? Olhe que é tudo uma questão de escala de tempo e de purgação .

        Não, nem é “ciência exata” nem ciência coisa nenhuma. É pseudo-intelectualismo (passo a redundância) tertuliano.

        Gostar

Indigne-se aqui.