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“História” concisa, aproximada e descontraída de Portugal (3)

24 Janeiro, 2019

sem título

 

Diz-se que o nosso rectângulo continental é habitado há cerca de 500 000 anos. Apesar de ser, nas palavras de Luís de Camões, o lugar “onde a terra se acaba e o mar começa” (uma maneira bonita e simpática de dizer que estamos no fim do mundo), Neandertais e homo sapiens andaram por aqui, muito antes de, já no I milénio a.C., se instalarem no território celtas, gregos ou fenícios. A hipótese de a própria cidade de Lisboa, a antiga Olisipo, ter sido fundada por fenícios foi algumas vezes levantada. No entanto, isso parece pouco provável, embora seja, ainda assim, mais provável do que ter sido fundada por Ulisses na sua viagem de regresso a Ítaca após a Guerra de Tróia, um mito bastante divulgado e muito apelativo para quem sofra de uma certa mania das grandezas (para esses podemos também aventar que o confronto entre Aquiles e Heitor se deu na península do estuário do Sado, depois de Aquiles lá ter chegado num ferryboat proveniente de Setúbal).

Em 218 a.C. Roma desembarca na Península. Durante séculos tinha andado entretida com etruscos, samnitas e tarentinos, mas, naquela altura, eram os cartagineses que lhe tiravam o sono. Após a I Guerra Púnica (264 a 241 a.C.), Cartago instalou um poderoso exército na Ibéria e de lá partiu, com os célebres elefantes, na direcção dos Alpes e do topo da bota italiana. Esse movimento acaba por originar uma investida romana na Hispânia, em forma de contra-ataque, liderada por um membro da famosa família Cipião.

Derrotados os cartagineses, romanos e povos peninsulares vão passar cerca de dois séculos em zaragatas mais ou menos graves, até ao tempo de Augusto, em que o território se torna uma província pacata. O homem que fica para a história como símbolo máximo dessa resistência ao invasor é o lusitano Viriato, uma espécie de Astérix sem poção mágica e, por isso, com um final menos feliz. Essa etnia, predominante na região compreendida entre o Douro e o Tejo, conseguiu chatear Roma durante muitas décadas, sendo justo afirmar que Viriato foi apenas o chato maior que dela fazia parte.

Num daqueles passeios da escola primária que alegravam a pacata existência de um miúdo nos anos 80, visitei a Cava de Viriato na cidade de Viseu. Nessa altura ainda estava bem viva a teoria que o fazia natural das Beiras, e a estátua guerreira do herói, datada de 1940, impressionou-me. É caso para dizer que cumpriu o seu papel, bem patente na inscrição presente no local, que exalta as “raízes desta raça, viva e forte – imortal na sua essência”. Uma criança espanhola que visite a estátua de Viriato em Zamora (outra província candidata a berço do guerrilheiro), colocada num pedestal em que se pode ler “terror dos romanos”, terá certamente um assomo patriótico semelhante.

Alexandre Herculano, na sua História de Portugal, analisa as relações entre portugueses e lusitanos, para concluir que só com muita imaginação os poderíamos considerar nossos familiares directos. Felizmente, e para não ficarmos tristes, um historiador espanhol honesto terá de dizer algo semelhante aos seus compatriotas.

 

 

8 comentários leave one →
  1. Velho do Restelo permalink
    24 Janeiro, 2019 10:41

    Caro Sérgio, continuação de boa escrita . Termina com uma fantasia, como se os nossos vizinhos alguma vez baixassem a garimpa 🙂

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  2. Luis Lavoura permalink
    24 Janeiro, 2019 11:11

    Porque será que os Viriatos das estátuas andam quase nus? É que a Península Ibérica nunca foi uma terra equatorial, onde faça muito calor. O Viriato seria sem dúvida um tipo primitivo, como os índios da Amazónia, porém, ao contrário destes últimos, não poderia andar nu, porque morreria de frio.

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    • PiErre permalink
      24 Janeiro, 2019 14:00

      Frio? Vá passar férias a Serpa no mês de julho e depois diga-me.

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      • Luis Lavoura permalink
        24 Janeiro, 2019 14:42

        Vá a essa mesma Serpa no mês de janeiro e diga-me se não passa (muito) frio.

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  3. 24 Janeiro, 2019 12:57

    Óptimo, SBCosta.

    O actual Portugal está cada vez pior: lê-se o título no SAPO “Faz hoje três anos que Marcelo mudou Portugal” e perde-se a vontade de ler o resto; o mesmo MCThomaz convida o jornalista João Miguel Tavares para presidir às comemorações no 10 de Junho e dá vontade de rir, sobretudo nesse dia de 2019, tamanha é a banalização do sítio.

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  4. Expatriado permalink
    24 Janeiro, 2019 22:49

    Falta um Viriato para limpar

    A margem Sul do Tejo…

    https://amigodeisrael2.blogspot.com/2019/01/a-intifada-da-margem-sul.html

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  5. Arlindo da Costa permalink
    25 Janeiro, 2019 16:50

    Marcelo deve ter uma costela de Viriato. Um guerreiro indomável.

    A Direita tuga (Roma) não o consegue domesticar 🙂

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    • JMS permalink
      27 Janeiro, 2019 20:59

      Quando os teus donos, Costa e Marcelo, se forem embora, nem 10 Viriatos te salvam. Nem a ti nem ao país.

      Continuas o mesmo burro de sempre, Arlindo.

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