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Isto deixa-me furioso

21 Janeiro, 2020

O Arménio sofre de transtorno de identidade de integridade corporal. Alega que a sua vida é um tormento porque, por infortúnio, nasceu com duas pernas. Arménio quer amputar a perna direita, mas nenhum médico português está em condições legais para executar o procedimento que garantirá a Arménio uma vida feliz. Teve azar: foi com uma perna que nasceu a mais; tivesse sido com um pénis e isso resolvia-se facilmente e de forma perfeitamente legal.

Apesar de raro, Arménio não é caso único. Foi nos idos de dois mil que Gregg Furth viu o seu pedido de amputação recusado pelo hospital Abbey King’s Park de Stirling, Escócia, Reino Unido. Apesar de ter garantido o aval do doutor Robert Smith, que se prontificou para lhe retirar a incómoda perna em plena liberdade, procedimento que realizara antes a pelo menos dois pacientes perfeitamente saudáveis… quer dizer… com as pernas saudáveis, assim é que é, os conservadores da ética (ou do caraças) entraram em cena para impedir a felicidade de Gregg. A academia, sempre pronta para filosofar do seu sofá Chesterfield, avançou com inúmeros papers que concluem não haver qualquer argumento razoável para que este tipo de amputações seja impedido. Bayne e Levy, citados por mais 67 batatas de sofá, publicaram um desses… estudos apesar de continuarem a exibir excesso de membros.

No entanto, em Portugal ninguém fala disto. Arménio vê-se compelido a cortar o pénis, a eutanasiar-se ou a meter a perna debaixo do comboio, o que pode causar um descarrilamento com custos sociais gravíssimos, atrasos e a ocupação de uma cama que podia ser deixada vaga para um abortamento. Enquanto não legislarmos sobre este tema, quantos Arménios andarão por aí (literalmente), a deambular, infelizes, aprumados, privados da felicidade de se fazerem transportar numa cadeira de rodas? Tudo que o estado português tem a oferecer a estas pessoas é capá-las ou matá-las. Estamos a impedir médicos de executarem cortes limpos, com enormes custos sociais, como o desperdício de voluntário para treino de velocidade com o serrote. É pouco e mostra que o conservadorismo da sociedade patriarcal ainda vê com maus olhos as escolhas pessoais, feita em plena liberdade e na total posse das faculdades mentais para o padrão necessário no século XXI.

Um bom médico, misericordioso, não deixa por tratar um doente como o Arménio apenas porque fazem um juramento bacoco de não administrar vidro moído a socialistas. E quem diz um médico para um Arménio, diz um veterinário para o Tareco. Quantas vezes o PAN se indignou pelo número astronómico de gatos vadios na posse de quatro patas? Quem nunca desejou entrar no restaurante e sentar-se à mesa com o Bóbi enquanto este fuma um cigarro (a proibição é só para humanos) que saca da bolsa no skate que lhe providencia locomoção após amputação das patas traseiras? E para quando uma lei que permita ao sapo que quiser, em plena liberdade, fumar em qualquer estabelecimento?

Um estado que se limita a providenciar amputações penianas e que daí salta logo para a morte das pessoas banais e bípedes é um estado egoísta, que se alimenta do sofrimento alheio por privação de liberdade. Se bem conheço os políticos, poderão até obrigar pessoas e animais a pagarem uma taxa moderadora por um direito inalienável, o de se amputarem os membros excedentes. É por isto que o SNS está como está: não resolve os problemas reais das pessoas.

13 comentários leave one →
  1. Carlos Guerreiro permalink
    22 Janeiro, 2020 00:51

    Nada contra que cortem os membros em excesso. Depois de amputar a perna, seria obrigatório a amputação da cabeça do cirurgião que manifestamente estaria a mais.

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  2. Nelson Goncalves permalink
    22 Janeiro, 2020 08:22

    Brilhante !

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  3. 22 Janeiro, 2020 08:47

    Brilhante. Mais que swifteano, é a realidade que ultrapassa a ficção.

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  4. Pensador permalink
    22 Janeiro, 2020 09:36

    Aconselho o Arménio a pedir para lhe mudarem os tomates para a coxa e depois já pode mudar de sexo.

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  5. José Ribeiro permalink
    22 Janeiro, 2020 10:00

    Caraças!
    Texto magnífico, fiquei sem palavras para comentar!
    Estamos com excesso de gente demente e idiota, é o que é.

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  6. Luís Lavoura permalink
    22 Janeiro, 2020 11:34

    As liberdades conquistam-se e preservam-se com luta. E, para essa luta, são necessárias muitas pessoas. Não somente uma ou duas.
    Se o Arménio e outros quiserem lutar por mais uma liberdade, porreiro. Desde que sejam muitos, talvez a conquistem.

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  7. Luís Lavoura permalink
    22 Janeiro, 2020 11:51

    Há montes de outras liberdades que não existem em Portugal. Por exemplo, em Portugal é proibido servir aranhas fritas ou carne de cão assada nos restaurantes, apesar de na China isso ser permitido. E em Portugal é proibido enterrar uma pessoa antes de decorridas 24 horas sobre a sua morte, apesar de essa ser regra obrigatória para os muçulmanos.
    As liberdades que existem ou se conquistam dependem sempre de haver muitas pessoas a apoiá-las. Não dependem de uma minoria.

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    • 22 Janeiro, 2020 11:55

      Está a brincar, não está? Acha que há uma maioria de mata-frades aí ansiosa por exterminar velhos para o avanço civilizacional?

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      • Luís Lavoura permalink
        22 Janeiro, 2020 12:36

        Ninguém está ansioso por exterminar velhos. Algumas pessoas, e alguns deputados, estão ansiosos por que pessoas, que podem ser velhas ou novas, possam ser ajudadas (de variadas formas) a morrer, a seu pedido, sob certas condições estritas.
        O extermínio de velhos é coisa que somente se encontra na imaginação do Vítor Cunha.
        Seja como fôr, essa liberdade nada tem a ver com outras variadas liberdades, como sejam servir cão assado, enterrar mortos pouco depois de eles terem morrido, ou amputar membros sãos. Trata-se de liberdades diferentes, e o facto de algumas pessoas apoiarem algumas delas não implica que também devam apoiar as outras.

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      • 22 Janeiro, 2020 12:39

        Aí agora já não vem com a treta da maioria e da minoria?

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      • 22 Janeiro, 2020 13:47

        Já vi que gosta de treta, tome lá esta:

        Nenhuma liberdade pode ter por base a obrigação de outrem. Nesse caso, não é liberdade, é uma concessão atribuída através da obrigação de outro a satisfazer.

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  8. Expatriado permalink
    22 Janeiro, 2020 12:18

    Esse Arménio é o Carlos?

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  9. Artista português permalink
    22 Janeiro, 2020 12:53

    Aquilo que mais admiro no Arménio é a sua contenção. Há muito que podia estar a clamar bem alto que a culpa é do PPC e da saudosa troika.

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