Já nascemos mortos
A eutanásia é inevitável. É preciso estarmos cientes disso. Não há forma de travar os “avanços civilizacionais” em democracias liberais num mundo globalizado. Se não for aprovada amanhã, será no próximo ano, daqui a dois anos, daqui a quatro… mas será sempre aprovada. O nosso desígnio nacional é, como já é há muito tempo, o de legislar a modernidade.

Em Portugal, o normal é aprovarem-se coisas antes que a generalidade das pessoas sintam necessidade de as compreender. Não é bem uma democracia, o que nem me parece uma falha: é o que é, uma espécie de ditadura senatorial que perpetua a luta de classes divididas entre os iluminados, que querem o bem da sociedade, e os indiferentes às causas, que vivem a sua vidinha bem longe da decrepitude.
Caso haja um referendo à eutanásia, é possível que a participação seja bastante reduzida e o resultado se divida entre o “sim” e o “não”. Até é bastante plausível que vença o “sim”. Há um motivo para isso, que é o do mundo contemporâneo exigir uma simplificação da vida a estados permanentes de bem-estar. Não dizemos que estamos felizes, dizemos que somos felizes, como se a vida se reduzisse a um estado de perpétua instagramização. Quem quer ver fotos do momento em que não aguentamos mais e mijamos nas calças em redes sociais? Quem quer ver aquela massa instantânea que atiramos para o micro-ondas quando ninguém está a ver? Quem quer ver uma boazona de biquini a verter uma pinga de vinho de pacote para um copo do Mickey Mouse enquanto desoladamente atiramos o hamburger congelado para a frigideira depois de buscarmos os miúdos à escola?
A vida resume-se a um perpétuo estado de férias paradisíacas intagramáveis. É um mundo em que ninguém defeca. Ninguém sofre, ou se sofre, é de forma extraordinariamente contrastante com o estado permanente de felicidade que impomos a nós próprios.
É apenas natural que se legalize eutanásia e que ao longo dos anos esta se venha a generalizar para toda e qualquer forma percepcionada de sofrimento. Quero eutanásia porque o Bobi morreu, o meu menino. Não aguento o sofrimento.
Sempre fomos uma sociedade que afasta o mais possível a morte das contemplações mentais de cada um. Agora, tornamo-nos numa sociedade que não contempla sofrimento como parte integrante da vida. No futuro, seremos completamente unidimensionais – gay, preto, cristão, liberal, mulher – e construídos para a obsolescência programada. Cervantes já o sabia no século XVII. O Velho do Restelo é sistematicamente visto como uma personagem do velho mundo.
A eutanásia é o menor dos nossos males. Na realidade, é só um sintoma, nem é o essencial da doença.
A eutanásia deve começar pelo parlamento. Os deputados sofrem muito… para…
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Ó Vitor Cunha, já percebi.
Morrer sim, mas de vagar, em sofrimento, para expiar os pecados da carne…
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Morreu o Bóbi?
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Essa é uma frase do nosso Rei, D.Sebastião.
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Morrer como tiver de ser! Se for pela Pátria, melhor, e melhor ainda se for a “matar mouros” de todas as naturezas.
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… é o menor e o “mais” definitivo dos nossos males, até à ressurreição. Mas não digam isso ao bispo Francisco de Roma, que ele não sabe nem acredita.
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UM excelente texto , francamente inteligente , parabéns VC
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É realmente um bom texto, mas continuo sem perceber que quer o Vítor Cunha: uma lei diferente? Lei nenhuma? Deixar tudo como está?
Certa direita descobriu agora que temos uma democracia de fachada; que os pulhíticos fazem tudo à revelia da população; que somos governados por uma partidocracia impune. Mas v. também rejeita um referendo… então o quê?
Há uma classe de iluminados (de esquerda, claro) que impõe certos avanços. E quando é que não foi assim? Do fim da escravatura ao fim do trabalho infantil, do voto das mulheres à tolerância da homossexualidade, os direitos e avanços civilizacionais, goste-se ou não de todos, foram obra de uma pequena minoria.
A grande maioria não os queria ou estava-se nas tintas. E a maioria dos conservadores, como o nome indica, querem conservar tudo na mesma. Sempre na mesma. Não será o caso?
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Com este texto, o Vítor Cunha voltou a brindar-nos com a qualidade a que nos tinha habituado, mas o comentário do Filipe também resume bem a situação.
Esta direita limita-se a contrariar o que a esquerda disser. Se esta lei passar, e daqui a 5 anos a esquerda mudar de posição (criminalizando de novo a eutanásia), esta direita vai defender com unhas e dentes a eutanásia !
Depois ainda perguntam o que fez a “direita” durante os últimos 40 anos ?
O Bóbi e o Tareco estão de perfeita saúde 🙂
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Primeiro crias-se uma “narrativa”, martelada com mestria e depois muda-se rapidamente para a defensor piedoso da inevitabilidade.
A nartrativa é que matar velhos e deficientes é um avanço civilizacional. A comparação com a escravatura e o trabalho infantil é simtomática porque imbecil. Se os que defenderam a abolição da escravatura eram principalmente motivados por um ideal religioso e agora são contra a matança dos velhos, isso não interessa. Contra a escravatura eram progressista, contra a morte dos velhos são “conservadores”.
Portanto à inquietação progressista do senhor Bastos, eu respondo – não façam nada. Deixem estar como está. Quem quer morrer, que rejeite os tratamentos, deixe de comer. meta a boca no cano de escape do carro ou uma caçadeira pela coela abaixo e puxe o gatilho. Ou que chame o Alma Grande do Miguel Torga.
E deixem o resto da gente em paz.
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Há por aí muito sadismo mal disfarçado …
Não gostam ? Não comam !
Não é a vossa morte que está em causa !
Porque têm que armar sempre em velhas coscuvilheiras, guardiãs da moral ?
Só são liberais quando toca a não pagar impostos!
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Velho, meu amigo, esta lei de pacote esquerdalho não é nenhuma libertação, apenas a ante câmara da “seleção natural” com que nos querem eliminar. Lembre-se do cisma grisalho do Paulo Portas.
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“A nartrativa é que matar velhos e deficientes é um avanço civilizacional.”
Acabar com a escravatura foi um avanço civilizacional? E acabar com o trabalho infantil? E com a pedofilia? E dar voto às mulheres?
Pois o contrário de tudo isto já foi obstinadamente defendido por alguém. Nessa altura houve muitos que opuseram. O que acha deles?
O que está hoje em causa é legalizar o que já se faz – de forma ilegal, como dantes o aborto – em casos extremos e terminais.
Daqui a cem, duzentos, quinhentos anos, se cá estiver alguém, que acha que dirão da sua posição hoje?
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Acabar com a escravatura… quem terá tido essa ideia?
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Filipe Bastos,
“E dar voto às mulheres?”
Não. Não foi uma boa ideia. Aumentar a população votante para o dobro, numa altura em que a esmagadora maioria desses novos votantes não pagava um cêntimo de impostos, deu na maravilha que temos hoje.
É ver, para os mais diversos países, a evolução da carga fiscal e dos gastos sociais do Estado.
Um gráfico sem datas por baixo, só valores. É imediatamente perceptível quando o voto foi oferecido às mulheres. Nem as guerras mundiais tiveram um impacto tão grande na carga fiscal.
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Deixar tudo como está! Porque está bem!
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Esteja tranquilo companheiro que não é esta lei que vai fazer a mudança.
Aquilo está cheio de “travões” e “bloqueios” que a torna inútil.
Além disso, o Celito (tão estimado por este blog), vai fazer os possíveis para resolver o embaraço .
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Agora que o nome dos algozes é conhecido, será que podiam todos começar a fazer turnos no SNS para dar a injeção atrás da orelha aos “dignificados”?
Afinal de contas, dar uma injecção não é difícil e dada por um deputado deste parlamento carregará uma gravitas e dignidade que nos fará orgulhosos da nação de merda que somos.
O Rio certamente achará boa ideia. Pode fazer turno com a Joacine.
E quanto à taxa moderadora?
Haverá redução da taxa moderadora aos 65 anos?
E se o “dignificado” não quizer pagar?
E haverá carreira especial na função pública para os algozes?
Subsídio de risco?
Carreira de desgaste rápido?
Podem os carrascos ser estrangeiros? Há paises com muitos e bem treinados.
E se a besta não morrer com a 1ª injecção? Há velhotes que custam a morrer.
Puta que pariu esta gente!.
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Excelente. Parabéns!
Não querem sofrimento em nome dos outros porque não querem sequer trabalhos de cuidar ou ver.
É a sociedade que fica bem-no-retrato. O que não fica, é para fazer desaparecer. E nem conhecer. Desaparece como estádio de vida.
Agté os psicos já vão passar a servir para ajudar a fazer desaparecer o que podia ser tratado.
Em nome da boa da “liberdade individual randyana”. O aborto também foi defendido por ela (uma liberal) e aprovado pelos socialistas e comunistas, em nome do superior direito da felicidade da mulher que “manda na sua barriga” e pode expulsar o “intruso”.
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E o intruso, esse, não manda em nada. E muito menos manda o pai do intruso. A paternalidade reduzida com um simples decreto-lei ao papel de mero observador sem quaisquer direitos.
Perder um filho desta maneira…
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Fosse só isso…
Mas não é.
O pai da criança não é tido nem achado, seja qual for a decisão.
Se a mulher quer abortar e o Pai quer a criança, é a vontade da mulher.
Se a mulher quer a criança e o Pai não, é a vontade da mulher MAIS a carteira do homem.
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Muito bem, VC. Ainda hoje disse mais ou menos o mesmo, que a aprovação está garantida, só não se sabe é quando. Depois não se fala mais nisso…
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“Sintoma” ou consequência?
Caro Vítor Cunha:
O essencial deu-se no dia 11 de Fevereiro de 2007, quando o que restava de “Estado de Direito” em Portugal desapareceu.
O resto são (e serão) sequelas e réplicas.
E o título do seu apontamento é muito sugestivo…
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Duarte Meira, recorde-me o que se passou em 11/02/2007, please!
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