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Depois da espuma

22 Março, 2020

Tentando esconder a realização do teor lamechas das propostas, entretenho os quarentenas da casa, a começar por mim próprio, com imagens do Google de todos os sítios onde um dia haveremos de ir. Já nem sinto raiva do vizinho, nem sequer do condomínio, todos irmãos na reclusão que alimenta sonhos e determinações. Até gosto das palmas e das panelas que tocam, dos cânticos e das idas à varanda, dos gritos de Ipirangas retidos nas salas, nas internets e nos Netflixes. Correremos todos, um destes dias, seja em parques de campismo, seja em tendas improvisadas nas bagageiras dos diesel, pelas praias do país, e do outro, e do do lado ou do aerotransporte, e entraremos em águas quentes e frias, claras e turvas, com roupa ou nus, com amigos ou só aparentemente sós. Porque sós já não estamos: estamos unidos por algo, nem que terrível, nem que exagerado, nem que fruto de conspiração, nem que inferno da natureza. Nós, os europeus, nunca tivemos nada que nos unisse. Agora temos. Que caiam as instituições, que desmoronem as economias, que rebente a democracia: a fé, o desejo de viver no mundo, essa veio para ficar, e já fazia muita falta.

9 comentários leave one →
  1. Weltenbummler permalink
    22 Março, 2020 10:14

    panelas ou panilas?

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  2. Zé Manel Tonto permalink
    22 Março, 2020 11:10

    Daqui para a frente, quando virem na TV um qualquer coronel em África ou na América Latina, a fazer um golpe de Estado, a suspender as liberdades, e pensarem “ainda bem que vivo na Europa. Isto aqui não acontecia.” façam um favor.

    BORREM A CARA COM MERDA!

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    • 22 Março, 2020 13:51

      Isso ou aqueles slogans de “as fronteiras matam; toda a gente em toda a parte”.

      E com lágrimas de crocodilo pelos que apanhavam com as invasões ao Estado Social, por solidariedade à distância.

      O proselitismo do mundo-às-avessas, para resumir e a acedia necrófila.

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  3. 22 Março, 2020 13:49

    Muito bem. A acedia e os luxos dos direitos das boas mortes foram para o lixo.
    O medo é um bom instinto de vida. E muita gente que nem guerras viveu andava demasiado frouxa.
    Os ismos. A puta dos ismos é que podiam mesmo ir à vida.

    Esses missionários da revolta permanente e dos direitos de nada fazer ou de legislar aniquilamentos para os outros, agora, mesmo se forem vegans, a ver se não marcha um bom bife, ou se não pedem viril liderança.

    Esta reacção de desejo vital é muito nietzschiana. Por alguma razão sempre conciliei, de modo aparentemente estranho, Nietzsche com o catolicismo.

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  4. Prova Indirecta permalink
    22 Março, 2020 14:31

    assino por baixo

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  5. Filipe Bastos permalink
    22 Março, 2020 16:49

    “Nós, os europeus, nunca tivemos nada que nos unisse. Agora temos.”

    Não se iluda, Sr. Cunha: já tivemos pestes que fazem o covid parecer aquilo que é, uma má gripe empolada pelos media, pelo pânico, pela mariquice moderna e pelos mamões que ganham com ela, e jamais nos unimos.

    A Inglaterra vai continuar a sair da UE, esta continuará a ser um feudo franco-alemão, os países ricos continuarão a desprezar os pobres, e vice-versa, os croatas continuarão a detestar os sérvios, etc. Qual a diferença?

    O que podia e devia mudar vai além da Europa: é o mundo. É o capitalismo dominante e a falsa alternativa socialista. É finalmente agirmos como adultos, em vez de crianças egoístas. Mas nenhuma gripe conseguirá isso. Talvez nem um asteróide, talvez nem zombies.

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    • 22 Março, 2020 17:34

      Não tem nada a ver com estar dentro ou fora da UE. Não estou a falar de “construções sociais”.

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    • 22 Março, 2020 17:35

      E eu nunca passei pela peste negra nem pela gripe espanhola. Estou a ficar velho, mas nem tanto.

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    • Albano Silva permalink
      22 Março, 2020 18:28

      Sr Bastos: não se iluda! A coisa está apenas a começar. E se os números, a rapidez e facilidade de infecção, e a expansão geográfica que nos dão é minimamente fiável, prepare-se para ouvir o resultado final desta “má gripe empolada pelos media”. E desejo-lhe que seja vivo para tal.

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