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uma questão de tempo

31 Outubro, 2020
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A entrevista dada por Marine Le Pen ao Expresso, hoje publicada, evidencia o erro enorme, e provavelmente irreversível, que foi o Chega colocar-se de baixo da sua asa e identificar-se com o seu pensamento político. A forma mentis de Le Pen é profundamente velha e enviesada, e, chegasse ela alguma vez ao poder, não atenuaria sequer qualquer um dos problemas que detecta na sociedade francesa, que são, muitos deles, reais. Para a economia, por exemplo, a líder do RN usa a velha fórmula do mercantilismo protecionista, a que pateticamente dá a designação de “protecionismo inteligente”, de fechar seletivamente as fronteiras às importações, presumindo que queira manter as exportações para os destinos a que vira costas. Não se concebe, por exemplo, que a França deixe de exportar para um gigante como o Brasil, exemplo que Le Pen dá de um país em relação ao qual há que controlar (fechar?) as importações. Seria, certamente, um bálsamo para a economia francesa e para os empresários e trabalhadores desse país, se o fizesse… Ainda no campo da economia, é absolutamente delirante a afirmação de que o euro é péssimo para a economia francesa, mas porque “os franceses o querem manter” (são masoquistas, certamente), Le Pen, que diz tê-los «ouvido», dispõe-se a recuperar a economia e a “limitar os efeitos nocivos desta moeda, conservando-a”. Delirante. Sobre o ensino do português nas escolas públicas francesas, Le Pen aplica-nos o mesmo chauvinismo que dedica a todos os imigrantes (a “imigração”, o “principal problema” com que a França de debate), entendendo que a “Educação Nacional é para fazer franceses, que falem francês”, essa língua mais morta de que o latim, que ainda por cá se vai ensinando nas nossas escolas… Por último, a inegável posição contra a existência da União Europeia, reclamando o gaulismo da “Europa das Nações”, como se a UE não fosse, desde os primórdios da CEE, uma organização supranacional de integração voluntária de soberanias, que se auto-limitam em favor de um ambiente de paz e desenvolvimento que perdura, com avanços e retrocessos, como é próprio de tudo o que é humano, desde, pelo menos, 1957. É que, na verdade, União Europeia e Europa das Nações, como as vê Le Pen, são uma insanável contradictio in terminis. Escolham uma, portanto, mas não pensem ficar com as duas, menos ainda com a moeda europeia. No meio de tanto amor declarado à pátria e animosidade à “globalização”, Le Pen dá uma resposta intrigantemente evasiva, à posição de Donald Trump sobre a responsabilidade (e responsabilização) da China na actual pandemia. Diz ela: “Donald Trump está numa guerra total com a China e tudo para ele é bom para tentar alimentar esse conflito com a China. Tenho vontade de perguntar: O que é que muda? Que tenha vindo da China, da Dinamarca ou de Moçambique, não muda nada. É uma pandemia mundial”. Eu diria que, para quem tanto se preocupa com o “mal” que vem de fora das fronteiras do seu país, esta posição é estranhamente evasiva e leva água no bico… Mas será, certamente, uma percepção errada, a minha.

De modo, que não se vê o que possa o Chega ganhar com esta colagem a Marine Le Pen e aos seus partidos francês e europeu. Em contrapartida, fica muito claro o que poderá perder: a confiança e o voto de uma direita que nunca se reverão nisto. Ao contrário do que André Ventura poderá pensar, por este caminho, o CDS (ou a IL, se quiser e for capaz de ocupar esse espaço) estará tudo menos morto. É apenas uma questão de tempo.

22 comentários leave one →
  1. 31 Outubro, 2020 19:12

    Liberais secularistas aludindo historicamente com aversão dogmática a “velhas” formulas como o “mercantilismo proteccionista”, e com uma urticária emasculada a noções de um espírito identitário cultural histórico e soberano dos povos querendo fazerem-se passar por a “direita”…

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  2. Zé Manel Tonto permalink
    31 Outubro, 2020 20:01

    O rui a. que me explique, se fizer favor, porque carga de água pode o Brasil impor todas as taxas alfandegárias que lhe apetecer, e do lado de cá não se pode fazer semelhante.

    “Educação Nacional é para fazer franceses, que falem francês”
    Parece-me bem. Se os imigrantes querem que os filhos falem as línguas dos países de onde vieram, ensinem em casa, ou paguem do seu bolso, ou o país de origem que pague. E tudo fora do tempo lectivo normal.

    “em favor de um ambiente de paz e desenvolvimento”
    Não pensei que o rui a. fosse um lírico, mas estava enganado. O ambiente de paz não teve absolutamente nada a ver com qualquer integração europeia. Foi conseguido com mísseis nucleares americanos no Oeste e Soviéticos no Este. Assim que deixou de haver URSS houve barracada na Jugoslávia.

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    • chipamanine permalink
      31 Outubro, 2020 20:20

      Da mesma maneira como a China o faz e ninguém se incomoda e vai logo à loja do chinês ou ao produto rafeiro do chinês espalhado por tudo quanto é comércio

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  3. Weltenbummler permalink
    31 Outubro, 2020 21:39

    onde coloca a Sra deviamos encontrar o tó milhões da bazuca contra os nativos

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  4. 31 Outubro, 2020 21:52

    Alguma populaça nada finalmente começa a sair do coma e o pré acordo da IL nos Açores mostra bem ao que vem, mais do mesmo. O Mises deve dar murtais na tumba ah vossa conta (risos)

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    • JgMenos permalink
      1 Novembro, 2020 03:43

      Uma só atenuante: o PS é couto de treteiros profissionais, uma união nacional de oportunistas, sem outro vinculo ideológico que não a parasitagem e o compadrio, em que a bandeira do socialismo é mais instrumento que ideologia.

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  5. Arnold Schwarzenegger permalink
    31 Outubro, 2020 22:03

    Mais doente é um autor esperar dos fascistas e perversos do EXPRESSO, que causaram todos estes problemas em Europa, uma entrevista inteligente e objectiva à M. Le Pen. Um EXPRESSO que vai ao cu do porco e incompetente Biden.

    Claro que os macacos do EXPRESSO vão fazer tudo, para ninguém querer haver outros capazes de fazer melhor, que a esquerda putana e traidora. Nós sabemos dos truques da esquerda.

    E de aí deduzir o futuro do CHEGA. Essa é mesmo boa. Que grande intelecto.

    Esta UE adora o marxismo no cu e pela boca abaixo. A França anda a ser financiada pelos marxistas alemães, que andam a tentar auto-destruir-se.

    Esta UE não respeita as próprias leis, não quer saber um corno, do que o cidadão quere. E o cidadão não quer muçulmanos nenhuns em Europa. Uma das vítimas em Nice (“Nizza”) foi uma portuguesa, salvo erro.

    Parece-me é que o autor também faz parte do grupo fascista dos Bilderberger. Ou intenciona ser convidado no futuro.

    Os marxistas agora dizem, que o crescimento económico é mau para o ambiente. Já sempre diziam, mas agora escuta-se mais ainda. É mentira claro. O autor devia é preocupar-se com estes chulos. Ano após ano, a esquerda anda a destruir muitos postos de trabalho e dos bem pagos. E os intelectuais de café nada notam. Mas dar “porrada” à Le Pen é que é fixe.

    Quel plano tem a esquerda? Qual? Roubar, destruir é algum plano? Alguma estratégia? Governar contra a vontade do povo? O que é que o “liberalismo” de café e bordel vai fazer contra a invasão muçulmana? O quê? Foder com a mulher do muçulmano?

    A M. Le Pen chegou onde chegou sem a ajuda do autor.

    E o partido CHEGA não tem medo das serpentes liberais ou da esquerda putana.

    Nós sabemos de todas armadilhas. O vosso tempo vai terminar.

    Eu prefiro uma Le Pen a uma UE doida, que adora o ambiente e está a tentar destruir a vida do ser humano.

    Quem é que precisa de liberais provincianos?

    EXPRESSO? LOL!!

    FUCK BIDEN!!

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  6. 1 Novembro, 2020 03:29

    O Chega só tem que perceber que o seu sucesso é muito simplesmente a reacção à esquerdalhada que nos massacra há anos e não a adesão a uma qualquer ideologia que tudo indica está longe de ser capaz de definir e estruturar; e muito menos a programa político que obviamente não se espera que possa ter dimensão de governação no curto ou médio prazo.

    Denuncie a esquerda, que é o seu papel possível e desejável, e ganhe votos..

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    • Perigoso Neoliberal permalink
      1 Novembro, 2020 06:21

      Se o objetivo é ultrapassar o CDS, ser um partido de protesto é suficiente. Se o objetivo é mais do que isso, como aliás o Ventura gosta de espalhar aos 4 ventos, então é curto. Muito curto.

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  7. Perigoso Neoliberal permalink
    1 Novembro, 2020 05:56

    E não é que estou absolutamente de acordo com o Rui? Essa foi a maior, e permito-me o uso do termo porque se justifica, CAGADA que o Ventura fez até agora. Faz-me pensar se eles lá nas reuniões deles têm discussões sobre o rumo do partido, sobre os objetivos, sovre as linhas programáticas, sei lá, sobre aquelas coisas que deveriam acontecer internamente e que deveriam sustentar aquilo que vemos cá fora do partido (não conheço pessoalmente ninguém do Chega, mas pelos artigos que li dele, tenho em boa conta o Gabriel Mithá Ribeiro. Era engraçado saber o que ele pensa sobre isto).

    A Le Pen tem razão em dois pontos: a imigração descontrolada é um problema e é preciso recuperar alguma autonomia que foi cedida à burocracia não-eleita de Bruxelas. Pronto, acabou. A partir daí é só asneira. Economicamente tem semelhanças preocupantes com o discurso do PCP, por exemplo.

    Curioso que ela fale do Brasil como exemplo para aplicar as suas estúpidas medidas económicas porque posso dar conta em primeira mão do que se passa do lado de cá do protecionismo malvado do Brasil em relação à França e Europa em geral. Sabem quem são os principais prejudicados com as absurdas taxas de importação que o Brasil impõe em quase tudo o que é importado? Os brasileiros.

    Exemplos que conheço de perto: um empresário local precisa de equipamentos para poder desenvolver e prestar um serviço numa determinada área industrial. Os equipamentos são de alta tecnologia (não, não são peças para fazer foguetões, são coisas mais ou menos específicas em que uma imitação barata não serve, tem mesmo de ser o “real deal”) e o fabricante é alemão, outras vezes britânico, noutros casos dinamarquês mas podia ser francês que vai dar ao mesmo. O empresário brasileiro vai sofrer uma promoção ao contrário. Em vez do “pague 1 leve 2”, é pague 2 leve 1: paga um ao fornecedor e depois paga o mesmo valor ou mais do que isso, sim, às vezes o imposto pode ultrapassar 100% do valor do produto, ao governo brasileiro (que por sua vez usa sabiamente o produto desta extorsão para alimentar o estado mastodôntico que asfixia a população, mas isso é tema para outro post).

    Resultado: esse empresário tem muito mais dificuldade (e às vezes não é só mais difícil, é mesmo inviável) em criar um serviço competitivo do que um concorrente seu que venha de um país em que só tenha de investir em equipamentos o valor que o fornecedor estrangeiro pede por eles.

    Outro exemplo que me é caro: vinho. Gosto muito e habituei-me mal em Portugal onde ele é bom e barato. Chego aqui e rapidamente descubro que o vinho brasileiro se divide em duas categorias:
    – o acessível à maioria da população, que é um insulto vil ao próprio termo
    – o acessível aos ricos, que é o bom.

    Resultado: bebo menos vinho e o que bebo é argentino, chileno e… francês (e antes que perguntem: português não porque é mais caro do que todos os anteriormente mencionados). Sim, apesar das taxas de importação o vinho francês ainda chega aqui a preços competitivos. Vender-se-ia mais se as taxas baixassem? Claro. Quem beneficiaria mais? A esmagadora maioria dos brasileiros que passariam a saber o que é vinho digno desse nome e a indústria vitivinícola brasileira que teria de deixar de produzir merda que só tem mercado aqui porque o governo o cria artificialmente e passar a produzir algo que fosse até exportável. Desculpem o aparte mas ele há coisas que mexem no íntimo dum gajo e esta é uma delas 🙂

    O protecionismo só faz sentido em situações específicas de segurança nacional, como ficou demonstrado na pandemia. Como política económica é um desastre. A Le Pen pode não saber disso, mas as cabeças pensantes, se as houver, do Chega deviam saber disso.
    Deviam saber também que relativamente à UE e ao Euro a posição de Portugal não pode ser a da Le Pen a não ser que queiram acelerar a albanização em curso. A impressora de notas NÃO PODE ESTAR EM LISBOA. Infelizmente é a nossa realidade. E não somos o UK ou a França, que pelo menos em teoria, têm massa crítica para se desenvencilharem sozinhos.

    É desanimador ver o Chega insistir em desviar-se do espaço político que está escancarado e livre para quem o queira ocupar, o da direita conservadora: menos governo, mais liberdade, mais responsabilidade individual e combate ideológico e cultural ao socialismo feito como deve ser. Os betinhos da IL não querem e também não conseguiriam ocupar esse espaço, ficam-se pelo combate na frente económica e muitas vezes com o argumento errado, no resto são muito… “inocentes”, para ser simpático.

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    • FreakOnALeash permalink
      2 Novembro, 2020 13:21

      Melhor que o artigo, mas continuo a acreditar que o Chega merece o voto…quando mais não seja por falta de alternativa que dê o abanão que tanto faz falta ao regime.

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  8. marão permalink
    1 Novembro, 2020 07:23

    Enquanto isso, as asas de Costa e Marcelo não chegam para as encomendas.

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  9. Prova Indirecta permalink
    1 Novembro, 2020 10:05

    mais um fariseu a pregar …

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    • Euro2cent permalink
      1 Novembro, 2020 11:02

      Estão a ver aqueles marxistas-leninistas que argumentam que o verdadeiro comunismo não falhou porque nunca foi correctamente implementado?

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  10. Expatriado permalink
    1 Novembro, 2020 11:33

    Uma lição de História Americana que, como sempre, se repete. E por cá, não?

    https://video.foxnews.com/v/6206103984001#sp=show-clips

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  11. Carlos Guerreiro permalink
    1 Novembro, 2020 17:05

    Mas os outros partidos são exemplos de coerência? Só se for na corrupção e na apropriação dos recursos do estado.

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  12. Luís Lavoura permalink
    2 Novembro, 2020 09:11

    por este caminho, o CDS estará tudo menos morto

    O CDS já teve muitas ocasiões ao longo da sua longa história de se tornar um partido liberal, e sempre rejeitou essa opção. Não será agora que irá tomá-la.

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    • Galego permalink
      2 Novembro, 2020 12:47

      ao contrário do Peisse, …que nunca teve a opçao de ser honesto…

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  13. 2 Novembro, 2020 17:19

    Os comentários a este post indiciam que afinal essa “direita que nunca se [reverá] nisso” se calhar não é assim tanta.

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    • Jose Lopes da Silva permalink
      3 Novembro, 2020 10:06

      Sim, os 10 ou 15 militantes do Chega que comentam aqui todos os dias. Eis uma sondagem representativa.

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  14. Aónio Lourenço permalink
    4 Novembro, 2020 09:07

    Excelente texto caro Rui

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