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Já sairam as notas? Passei?

7 Janeiro, 2021

Há várias teorias sobre o que leva ao fim de democracias, porém poucas parecem incluir fenómenos contemporâneos que desempenham papel de variável principal na robustez do sistema democrático.

Em primeiro lugar, a atribuição de um valor em si mesmo a uma ferramenta. Não duvidando ser o melhor instrumento de escolha e rejeição de governantes, não passa disso: um instrumento. Não é um valor em si mesmo, é mais o melhor que se consegue arranjar. Um valor absoluto não necessitaria de ressalvas como mecanismos para evitar que democraticamente se rejeite a democracia. Só um serrote necessita de trava na pega, o próprio conceito de serrar não necessita de protecção.

Em segundo lugar, a crença actual de uma verdade absoluta evidenciada na multiplicação desses fungos a que chamam as rubricas de fact-checking. Quem fact-checks o fact-checker? E quem fact-checks o fact-checker do fact-checker? Ao jornalismo moderno não basta a busca difusa das peças de puzzle que compõem os factos: precisa de assegurar que encontrou a complexa divindade da realidade e que esta se encerra no relato que o próprio jornalismo produziu. Assim se criam deuses e bezerros dourados.

Em terceiro lugar – mas em primeiro de importância -, a transformação do discurso político em desporto. Todos os dias, após um debate como os desta pantomina a que se denominam “debates presidenciais” – e que mais que não são do que declarações do que cada candidato faria caso fosse primeiro-ministro, cargo para o qual não se estão a candidatar – surgem as pontuações atribuídas por gente tão díspar como intelectuais, malucos profissionais e socialites. É que nunca são taxistas, estivadores ou empregados de mesa. Muito menos são calceteiros. É como se os debates fossem uma espécie de patinagem artística, só que sem patins, sem vestidos curtos e sem qualquer capacidade atlética. Eu dou três pontos. Ele dá seis. Ela dá nota quinze pelas preocupações ambientais e por representar o contingente feminino, como que assegurando que as mulheres não são todas estúpidas, algo que nunca passaria pela cabeça de ninguém com capacidade funcional no mundo se não lhe estivessem sempre a chamar a atenção para isso. Tal e qual como o presidente em funções fazia quando tinha o seu próprio espaço de Cristina Ferreira na televisão. Ou então, outra possibilidade que não a visualização de debates como patinagem artística, é que a atribuição de notas seja uma oportunidade de terapia por trauma em avaliações escolares sofridas por estes indivíduos. “Agora vou vingar-me daquele oito a Análise Numérica III ou daquele sete a Teoria Desconstrucionista do Peido IV – Uma visão macroeconómica do metano”.

Decerto haverá mais factores, mas estes chegariam para explicar porque chegamos – aqui e muito possivelmente no resto do mundo – a este triste estado.

4 comentários leave one →
  1. JPT permalink
    7 Janeiro, 2021 09:55

    O “fim da democracia” vem quando se percebe que, para TODOS os media em todas as línguas (vá lá, em português e inglês, que estive a trabalhar até tarde e não tive tempo para mais), se for um determinado conjunto de pessoas a cortar estradas, atacar instituições, deitar fogo a lojas, e derrubar monumentos, são cidadãos a exercer o seu direito ao protesto (e se calha morrer um, é um mártir, vítima do abuso de autoridade, faz-se um documentário com a coisa e ganha-se prémios); se são outras pessoas a fazer a mesma coisa, são uma horda fanatizada, a atacar à democracia, e os novos Tejero Molina, a tentar um golpe de estado – cito Sena Santos, Nicolau Santos, e Bernardo Pires de Lima, e mais um ou outro destes, de quem nem o nome sei, há bocadinho, no espaço de meia-hora, na Antena 1 (e se, dessa horda, morrerem quatro, ninguém quer saber de quê e porquê – talvez de Covid). O Trump é o lixo que é, mas não é só ele que cheira mal.

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    • Ze Manel Tonto permalink
      7 Janeiro, 2021 17:52

      Como sempre, a diferenca entre um patriota e um tirano e’ o sucesso.

      Se, por um qualquer conjunto de motivos, a “horda” levar a sua avante, limpa o sebo aos seus opositores e aos escribas nos jornais, e reescreve a Historia. Deixa de ser “horda” e passam a ser combatentes pela liberdade.

      Os combatentes pela liberdade que hoje sao incensados pelos media (BLM a cabeca) serao reclassificados de bando de selvagens e desordeiros.

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  2. Expatriado permalink
    7 Janeiro, 2021 16:58

    Estamos em plena época de gripe. Há números de infectados, nos UCIs e mortes pela gripe sazonal?
    É que eu só oiço números de covid-19 nas TVs.

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  3. Carlos Alberto Lopes dos Reis Lopes permalink
    7 Janeiro, 2021 20:41

    Trava na pega?

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