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Que maçada, numa noite de Verão!*

6 Agosto, 2008

A comunicação presidencial foi recebida no país com a mesma contrariedade com que, no passado, os proprietários quase falidos liam nos seus locais de vilegiatura os telegramas urgentes enviados por um procurador aflito. O prédio de rendimento ameaçava ruína? As vinhas pareciam atacadas pelo mal? – ‘Por amor de Deus, não seja importuno, homem. O prédio já caiu? As vinhas estão perdidas? Não?! Então, senhor Silva não nos estrague a vilegiatura. Resolva como achar melhor. É para isso que lhe pagamos. Quando voltarmos falamos sobre o assunto.’ – terão respondido, arrogantemente enfastiados como só conseguem ser aqueles que gozam os últimos momentos da sua abastança, aos vários Silvas que lhes ficavam a tomar conta do que ainda lhes restava dos bens e dos negócios. Hoje vamos de férias que são uma versão massificada e assaz cansativa da antiga vilegiatura. Mas, por amor de Deus, do cartão de crédito e do cupão-bónus para o spa, continuamos a exigir que não nos perturbem o descanso. E se algum triste o faz que pelo menos seja para comunicar uma catástrofe ou, melhor ainda, que para explicar como a resolvera.
Claro que outro galo cantaria se o senhor Silva, tal como os Silvas doutros tempos, nos poupasse ao incómodo da preocupação. Que o nosso Silva, que até interrompeu as férias fizesse o trabalhinho dele e, às oito da noite, quando nós já não tínhamos sal no corpo e hesitávamos entre os caracóis e a caipirinha, nos dissesse como resolvera a crise na justiça e na investigação policial, o sentimento de insegurança vivido na periférica Quinta da Fonte ou na rural Abrançalha, as perversões dos apoios sociais, os empregos prometidos e nunca vistos. Ou então que o Silva com a fama que tem de saber de números nos dissesse como vamos fazer crescer o dinheiro quando viermos de férias. Ou se fizesse muita questão, já que o Silva tem a mania de abordar questões um bocadinho abstractas, nos explicasse o que faz o governo. Ou melhor dizendo para que serve. Pois se o governo de si mesmo diz que é uma direcção comercial de luxo então, enquanto trabalha para o bronze, qualquer um de nós chegará à conclusão que o melhor será ter uma direcção comercial de luxo a sério. Mandar os partidos às malvas – ou recapitalizarem-se numa estadia em Luanda – e contratarmos o Belmiro de Azevedo, o Américo Amorim, aquele senhor dos hotéis de apelido Pestana, quiçá o Berado, o Balsemão, o Jardim Gonçalves… pois não só eles constituiriam efectivamente uma direcção comercial de luxo como evitávamos tristíssimos equívocos. Como aquele de acreditar que temos uma política externa. Negócios por negócios que sejam negócios a sério pois certamente que a gente dos negócios trataria com muito mais cautela e rigor aquele grupo de infrequentáveis que agora são os grandes interlocutores da nossa diplomacia.
Mas voltando à comunicação do nosso presidente num dia de Verão, às oito da noite. Cavaco Silva podia até ter demitido o governo invocando o mistério do computador português que afinal não o é. Já caíram governos por muito menos e felizmente todos fizemos de conta que acreditámos que as razões invocadas eram as verdadeiras. Ou será que já nos esquecemos como agradecemos aos céus o facto de Jorge Sampaio ter entendido que a demissão do titular da pasta do Desporto e Juventude, um nunca mais avistado Henrique Chaves de seu nome, punha em causa o regular funcionamento das instituições?
Mas nada disso fez o nosso Silva. Já não há Silvas como os de outrora. O homem atrasou-nos o jantar para desatar a falar dos Açores e dos poderes presidenciais. O senhor presidente vai desculpar-nos mas no estado a que nós chegámos os Açores podem evaporar-se para as alturas do Espírito Santo ou passar a depender seis meses do ano do senhor cardeal-patriarca e os outros seis da maçonaria que ninguém se importa. A nossa crise é grande, senhor presidente. E a maior de todas é moral. Há anos que nos habituámos a dizer hoje que era normal aquilo que condenávamos na véspera. E agora quer que nos indignemos por causa do Estatuto dos Açores?
É certo que as reservas presidenciais ao Estatuto dos Açores têm razão de ser. E muito mais reservas nos deveriam suscitar as declarações dos dirigentes partidários condenando agora o mesmo estatuto que aprovaram antes sem qualquer problema, apesar de saberem os erros que lá constavam. Mas para já fica esta memória duma expectativa frustrada duma noite de Verão. O maior problema não foi aquilo de que o presidente falou. E note-se que o problema do Estatuto dos Açores é grande. O maior problema é os portugueses não quererem deixar de acreditar que algures em Lisboa, tal como antigamente por todo o país, um irrepreensivelmente honesto e incansável Silva lhes antecipa e resolve os problemas. Para o nosso Silva ser perfeito só lhe falta, tal como aos seus antepassados, aprender que o verdadeiro Silva poupa aqueles que serve à maçada de lhes relatar o que o apoquenta. Quando isso acontecer os portugueses olharão para Cavaco e, como bons contemporâneos de Sócrates e Durão Barroso, dir-lhe-ão “Porreiro, pá!”

*PÚBLICO, 5 de Agosto

14 comentários leave one →
  1. Desconhecida's avatar
    honni soit qui mal y pense permalink
    6 Agosto, 2008 10:36

    O melhor foi o ” mesquinhosozinho ” do velho satrapa do Campo Grande a vir a terreiro com aquela bojardazita da inoportunidade da declaração…
    devia estar no vau ou em nafarros e foi interrompido pela coisa…

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  2. Desconhecida's avatar
    Anónimo permalink
    6 Agosto, 2008 10:53

    O senhor Silva para falar ao país anunciava nos jornais que ia interromper as férias para falar ao país algo inédito no dia seguinte e guardava segredo do assunto. O presidente diria que ia falar ao país sobre o estatuto dos Açores. O senhor Silva usa os jornais como fazem todos para conseguir ser escutado, com um anuncio espectacular. O presidnete diria que ia falar ao país sobre o assunto x e era escutado.

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  3. Desconhecida's avatar
    Anónimo permalink
    6 Agosto, 2008 11:02

    Mas concordo em absoluto com o facto do presidente nao ter de ouvir a assembleia regional no processo de dissoluçao. Nao é por nada.. mas isso implicava que lhes tinahmos de pagar viagem e estadia. Isso fica caro. Ainda se telefonassem… mas o mais certo era vir a comitiva toda. Que desperdicio de dinheiros.

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  4. Desconhecida's avatar
    Lionheart permalink
    6 Agosto, 2008 11:42

    1) A falta de sentido de Estado neste país é obscena. Como é possível que todos os partidos tenham aprovado um Estatuto pejado de inconstitucionalidades?? Por acaso não há juristas nas bancadas que tenham um domínio básico da Constituição? Porque não era preciso ser “constitucionalista” para perceber que um Estatuto que quase dá a independência aos Açores é mais que inconstitucional!

    2) Como é concebível que se aceite um estatuto de autonomia diferente para os Açores, ainda por cima ainda mais avançado que o da Madeira, apenas para beneficiar Carlos César? Como é possível que os partidos da oposição tenham deixado passar tal aberração?

    3) Onde vai parar esta palhaçada das autonomias? Estamos a arranjar lenha para nos queimarmos? Qualquer dia algum cretino ainda vai inventar que Portugal deve passar a Estado Federal, não? Haja pachorra!

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  5. Desconhecida's avatar
    Anónimo permalink
    6 Agosto, 2008 11:57

    lolilazinha, quantos juízes do tribunal constitucional votaram a favor da constitucionalidade da lei e quantos contra? Foi por unanimidade?

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  6. Desconhecida's avatar
    Anónimo permalink
    6 Agosto, 2008 11:58

    ooops a pergunta era para Lionheart.

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  7. Fado Alexandrino's avatar
    6 Agosto, 2008 12:26

    Hoje no Público explica-se que o velho geronte também se dirigiu ao País com hino a abrir e a fechar sobre um problema com os Açores.
    É natural que não se lembre, é da idade.

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  8. caodeguarda's avatar
    6 Agosto, 2008 15:37

    o sr. silva tem tanta coragem como um contra-tenor dos antigos… mal está quem votou nele… mas andaram ai a dizer que ele era o novo “paizinho dos povos” e o único a poder conter a avalanche da esquerda… o sr. silva não passa de um esquerdelho de 2ª, que foi mau pm e é mau pr. votaram nele aturem-no!

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  9. Fado Alexandrino's avatar
    6 Agosto, 2008 16:06

    zirpelino Diz:
    6 Agosto, 2008 às 2:03 pm

    Não percebeu nada.
    Helena Matos faz o contraponto (por absurdo) com o que aconteceu a Santana Lopes e ao seu governo.
    Realmente escrever para quem só soletra é aborrecido e traz desgostos.

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  10. josé ricardo's avatar
    6 Agosto, 2008 17:15

    cara helena matos, vc ainda conseguiu bater o artigo de vasco graça moura hoje no dn.
    parabéns. eu perdoo-lhe. afinal, estamos no verão, não é? olhe, eu estou no allgarve e estou a lê-la. tá a ver? tá a ver?…

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  11. MJRB's avatar
    6 Agosto, 2008 18:10

    Mas quando é que queriam que o Presidente da República (perante recentes factos), tomasse uma posição pública ? — depois das férias de jornalistas, de comentadores políticos, de deputados, de governantes ? Para não estragar (a declaração de Mário Soares é muito infeliz) o repouso de tão ilustres protagonistas da “vida portuguesa” ?
    Para não perturbar o povo ? — mas o povo quer lá saber destas “minudências” ?
    Foi, isso sim, uma vigorosa chamada de atenção aos políticos profissionais em férias ! Precisamente nas férias desses indigentes e laxistas que pululam na AR e no governo !

    As eleições nos Açores não são já em Outubro ?

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  12. MJRB's avatar
    6 Agosto, 2008 18:13

    Quando (alguns) jornalistas ou comentadores “pegam” negativamente numa pessoa ou num caso, por má-fé,
    só me dá vontade de lhes responder face-a-face !

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  13. F. Teixeira's avatar
    F. Teixeira permalink
    7 Agosto, 2008 11:50

    O pobre presidente da República que, antes de o ser, já teve tantos poderes e agora tem tão poucos, sentiu-se mal e com razão. Então esta corja de bem instalados quer tirar-me o pouco que ainda tenho? Malandros!
    Vou fazer queixa aos portugueses!

    Azar! Os portugueses já não são o que eram. Deixaram de reverenciar o poder. Ainda bem.

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  14. Desconhecida's avatar
    Tribunus permalink
    7 Agosto, 2008 17:52

    Esta tourada dos Açores foi trablho do Socrates e partido socialista, com a colaboração dos idiotas dos deputados, dos outros partidos!
    Já ninguem tem conhecimentos sobre a constituição, para se opor
    ao golpr do Socrates?
    Cavaco, fez o primeiro aviso a Socrates, que tem poderes para o colocar na rua! e Janeiro depois do orçamento aprovado, è uma boa altura, pois a partir dai Socrates, só trabalha para as eleições, então que venha outro…………

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