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Um problema constitucional em Portugal?

1 Setembro, 2009
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A Constituição da República Portuguesa, redigida na sua versão inicial pouco tempo depois da instalação de um novo regime, foi acolhida com interesse por muitas pessoas, uma vez que, para uns, representava o fim do salazarismo, enquanto que, para outros, era um sinal do fim do período revolucionário. Mais de três décadas após a sua entrada em vigor, e depois de algumas revisões significativas, poderá ser tempo de nos interrogarmos se a Constituição serve as necessidades do país, ou se as poderia servir melhor.

 

O modelo português cria condições para a existência de governos relativamente fracos – aqueles que não são suportados por uma maioria de deputados na Assembleia – ou excessivamente fortes – os que possuem a dita maioria. Mais ainda, o governo tem um papel relativamente importante no que respeita à produção de normas jurídicas. A maioria de deputados pode entretanto não corresponder a uma maioria dos votos expressos nas urnas.

 

Quando o governo está baseado numa maioria de deputados, pode assumir uma vocação autoritária (“quero, posso e mando”, para utilizar a consagrada expressão), contando como contra-poder, essencialmente, e quando for o caso, da Presidência da República. Esta, pelo seu lado, corre o risco de ser vista como uma “força de bloqueio”, uma vez que a Assembleia da República, quando é dominada por um único partido, se torna uma estrutura de apoio ao governo, mais do que propriamente, e como deveria ser, uma estrutura que escrutina a acção governamental. 

 

O eleitor, pelo seu lado, só dispõe de um voto (quando vota), pelo que não está em condições de determinar se uma dada força vai obter ou não a maioria dos deputados. A sua opção, contudo, poderá ser entre um partido que possa ganhar para exercer o poder de forma potencialmente autoritária, ou entre um voto que leve à ausência de maioria de deputados, levando a governos mais fracos e menos estáveis – duas más soluções, em suma.

 

O problema poderá residir na Constituição, a qual, se tem numerosos pontos que são de louvar, poderá não fornecer a melhor solução no que respeita às relações entre Assembleia, Governo e Presidência da República, nem tão pouco no que respeita à questão da auto-administração e influência no centro político, por parte das diversas regiões do país. Os nossos olhos poderão desviar-se para a Constituição Americana – a mais antiga de uma República Democrática, com o seu delicado sistema de “checks and balances”.

 

O poder é exercido pelo Presidente, que chefia o executivo. A Assembleia (Congresso) é constituída por duas câmaras. Uma das câmaras – o Senado – tem representantes eleitos das varias regiões do país, em número igual independentemente do número de cidadãos de cada região eleitoral – um elemento fundamental contra o centralismo vigente entre nós. 

 

O grande sucesso dos EUA não será independente da sua estrutura constitucional – tendente, em particular, a manter a administração por períodos de quatro anos. Muito embora se possa creditar a circunstâncias históricas específicas alguns aspectos da estrutura da constituição americana, não serão seguramente alheios ao produto final o bom-senso e os conhecimentos profundos dos seus autores. Portugal poderia ganhar em aproximar a sua estrutura constitucional à dos EUA – nas palavras de C. R. Sunstein, “a system that would ensure a place for diverse views in government”.

 

Na sua forma actual, o sistema político português, para além de assistir a um novo “rotativismo”, no sentido de alternância de poder, poderá também funcionar como as marés – após cada experiência de governo com maioria de deputados, o eleitorado corre a dividir os votos, de forma a impedir um eventual autoritarismo. É que a Democracia Liberal exige o voto livremente expresso, mas é em si própria mais do que isso. Em todo o caso, se não será fácil que ocorra uma mudança radical da Constituição sem uma nova revolução, algumas alterações adicionais ao actual texto poderiam ser benéficas.

 

José Pedro Lopes Nunes

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