Há sempre plumas de censor ao serviço de qualquer regime
Não fosse o advogado José Augusto Rocha ter decidido juntar a sua voz à da legião de protocensores que condenam o facto de José António Cerejo (JAC) se ter constituído assistente no caso Freeport e não teria decidido, dado a insignificância de algumas dessas vozes e o vazio da sua argumentação, regressar ao tema. Faço-o não por causa do tom insultuoso dessa prosa – infelizmente na linha da dos actuais dirigentes da Ordem dos Advogados -, mas porque esta tem o objectivo confesso de limitar a liberdade de informação, porventura através de uma alteração ad hoc da legislação. Não vou, por isso, perder tempo a rebater, por exemplo, a ideia de que no jornalismo não se deve ter em consideração o “interesse público”, pois isso seria – imagine-se! – “totalitário”. Vou apenas explicar por que motivos uma cultura democrática, livre e aberta considera absolutamente legítimo recorrer à figura de “assistente” no processo judicial, como fez JAC. Primeiro que tudo, o que diz a lei. O Código do Processo Penal estabelece que pode constituir-se assistente quem tiver interesse directo no processo e “qualquer pessoa” num conjunto de crimes que tipifica e entre os quais estão, entre outros, os crimes de tráfico de influência, corrupção, peculato ou participação económica em negócio. Ou seja, considera-se que nestes crimes há um bem comum a preservar, pelo que todo e qualquer cidadão pode intervir no processo como assistente. Esse bem comum não é distinto daquilo que, na imprensa, consideramos ser de interesse público – como, por exemplo, verificar se os governantes actuaram de forma impoluta. Quem, em contrapartida, acha que a imprensa é apenas um pé de microfone dos diferentes poderes e não um contrapeso vigilante que segue de forma atenta e responsabilizável a actuação desses poderes enganou-se no século e no regime.
É por isso falso que, como escreve José Augusto Rocha, o assistente esteja no processo preso à “prossecução do jus puniendi em relação ao delito cometido”. O assistente não é equiparável a um advogado de acusação em tribunal, ou então a lei não seria tão lata da possibilidade de qualquer um se constituir assistente sempre que o crime de que se suspeita é um dos citados. Mais: os assistentes não querem forçosamente acusar ou condenar os arguidos, antes pretendem que o processo seja verdadeiro e justo. Por isso mesmo não há qualquer conflito de interesses entre a condição de jornalista e a condição de assistente, se bem que esta seja mais exigente para o jornalista, pois expõe-no mais ao escrutínio público (o que nem acho mal).
E que regras tem de seguir o jornalista? As regras deontológicas, as regras impostas pelas leis e as regras da cidadania – que não são separáveis. O jornalista tem de proteger as suas fontes e tem obrigações para com o seu público, mas nada impede que investigue por conta própria, publique sem dar conhecimento prévio ao Ministério Público ou, também, canalize para este elementos que obteve mas não está em condições de divulgar. É caminhar no fio da navalha? É. Mas no jornalismo caminha-se muitas vezes no fio da navalha e é isso que, por regra, faz a diferença.
A obrigação do jornalista para com o seu público pode beneficiar duplamente com a sua condição de assistente. Primeiro, porque aumentam as obrigações do jornalista relativamente ao segredo de justiça. Depois porque, em Portugal, os obstáculos ao acesso às fontes de informação são tantos que conseguir torneá-los é benéfico para todos. O caso Freeport deu-nos, de resto, um exemplo eloquente: como estávamos no Verão e havia funcionários de férias, o acesso dos jornalistas ao processo foi atirado para depois de Agosto. Ou seja, não fosse o trabalho de JAC e não saberíamos o que lá estava. É certo que muitos prefeririam que não se soubesse nunca, nem depois de Agosto, mas numa sociedade aberta não é assim que as coisas devem funcionar, pois todas as decisões – incluindo as do Ministério Público – podem e devem ser sujeitas a escrutínio público. Reduzir o papel de JAC ao de um “intruso e espião da documentação produzida” mostra até que ponto está pervertido o raciocínio de quem, sem pudor, já advoga restrições aos direitos dos jornalistas “nomeadamente com a adopção de medidas legislativas que evitem os abusos”.
E de que abusos falamos, em última análise? Muito simplesmente o questionar-se uma investigação e as suas conclusões, algo de intolerável para estes guardiães do regime, pois eles entendem que quem nem sequer foi constituído arguido “está completamente inocente” (Al Capone, como sabemos, era um menino de coro que só tentou fugir ao fisco…). Ou seja, para estes protocensores só existe a verdade oficial e regimental quando é sabido como o trabalho dos jornalistas foi, é e será fundamental para que o pó não repouse sobre as conveniências e as verdades oficiais. Mais: foi graças ao trabalho dos jornalistas que muitos processos em Portugal não morreram por inacção, esquecimento ou encobrimento das autoridades.
Há, por fim, um último aspecto que é crucial sublinhar: ao contrário do que pensam os polícias da liberdade de informação, num jornal não é necessário estar de acordo com tudo o que um jornalista escreve para se entender que ele tem direito de publicar o que investiga desde que cumpridas as regras deontológicas – e estas ninguém provou que tenham sido violadas. Não é preciso que eu, quando era director, ou o anterior e o actual provedores do leitor, Joaquim Vieira e José Queirós, estivéssemos totalmente de acordo sobre todos os passos dados por Cerejo – e há pequenas diferenças de pontos de vista entre nós os três e entre nós e JAC – para se perceber que um jornal é um espaço de liberdade e que nele não se guardam informações relevantes na gaveta.
É esse o entendimento que tive e tenho de uma sociedade aberta e do papel que nela desempenha o jornalismo. Um entendimento que não pretende uma objectividade pura e inatingível, antes assume que da pluralidade de abordagens, realizadas no respeito pela lei e pela deontologia, e na convicção de que se procurou a verdade, cada cidadão é adulto suficiente para julgar não só o comportamento das autoridades mas também o dos jornalistas. E para formar as suas convicções.
Ora, ao pretender limitar o acesso dos jornalistas às fontes primárias de informação, o dr. Rocha municia com argumentos gongóricos os que desejam a tal “abertura de horror” que diz querer evitar. O seu texto tem mesmo o tom da ameaça pesada dos guardas pretorianos da “situação” e revela como, em Portugal, ainda se lida mal com uma informação sem barreiras e, sobretudo, acutilante e plural. O que o dr. Rocha defende é que há temas que são do mundo elevado da Justiça e do Direito e outros do nosso mundo de comuns mortais, para mais jornalistas. Jornalista (www.twitter.com/jmf1957)

é a mexicanização do rectângulo pelo partido socialista institucional
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Espero que José António Cerejo seja um dia condecorado por altos serviços a uma Cidadania Moderna Plena, transparente e decente. Está na hora, e já vai tarde, de remover o Estado-PS dentro do Esmifrado Estado Português e limpar de todos os recantos a trampa-tralha partidária que se alojou na PGR.
Menos rapina, mais serviço frugal aos portugueses.
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JManuel Fernandes,
Li ontem o seu artigo de opinião, que é óptimo ! Na mouche !!
Que não falte a JAntónio Cerejo, todos os apoios necessários, incluindo os da direcção e administração do Público !
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Isto, e isto é “Portugal” começa a ser território asfixiante. A máfia ou as máfias, já não sei, começam a controlar todos os nossos movimentos. Já não podemos sair à rua descansados, beber um copo, descontrair com um amigo. O Poder é asfixiante. Temos TODOS de ser solidários com o Poder. Sócrates a tudo domina, seja o decadente PS, o lunático BE, os “fascistas” doutros tempos, Júdice, Freitas, Proença, etc, todos são Sócrates…Que mais nos resta? O Passos não certamente e o Cavaco já não bate assim…O ambiente envolvente é tóxico e as alternativas de saída não surgem!!!
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Excelente artigo. Parabéns!
O despudor dos serventuários do socretinismo, como é manifestamente o caso desse sr. Rocha, “antifassista de longa data” que bem conheço, está a exceder tudo o que a antiga musa canta…
Uma vergonha!
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Muito bom.
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à marem,
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sobre essa coisas do ‘bota-abaixismo’ dum lado e do OUTRO,
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Attali antigo Ministro de Mitterand sobre a Europa:
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ENTREVISTA: DESAYUNO CON… JACQUES ATTALI
“Europa va hacia el declive, como en su día Argentina
http://www.elpais.com/articulo/ultima/Europa/va/declive/dia/Argentina/elpepiult/20100902elpepiult_2/Tes
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#8, lá tenho de corrigir, onde se lê ‘à marem’ deve ler-se ‘à margem’
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Muito bem.
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Que as mãos não lhe doam.É pena serem tão poucos.É meu entendimento que há uma boa parte dos portugueses que têm umas “qualidades”intrínsecas:falta de coluna vertebral,falta de cumpriento do dever que lhes impôe os cargos que ocupam e sobretudo muito amigos do segredinho para que os outros não vislumbrem a podridão.Olhem para o Brasil,onde não há lugar a estas preocupações.
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