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Hu Jintao na terra dos criados dos Fonsecas e dos Madureiras*

6 Novembro, 2010

Não sei se os dirigentes chineses dão alguma importância à literatura que ao longo dos séculos os viajantes europeus produziram após terem viajado para a China. Se não o fazem é pena. Aprendiam imenso não sobre si mas sobre os outros, coisa que nesta fase imperial da sua existência lhes faz muita falta. Assim, caso o Presidente chinês que agora nos visita  conhecesse a Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, saberia que está a viajar na terra dos criados dos Madureiras e dos Fonsecas. Ou seja, os portugueses que agora anseiam por que a China compre a sua dívida são os descendentes daqueles nove desgraçados que, estando presos em meados do século XVI na então muito distante China, não arranjaram melhor ideia do que travar entre si uma violenta discussão sobre quem “tinha melhor moradia na casa de el-rei nosso Senhor, se os Madureiras se os Fonsecas“. Quer no século XVI quer no XXI alienamo-nos da gravidade da nossa situação, esgotando-nos em discussões que não fazem qualquer sentido nem no tempo nem no espaço em que estamos.
Quando alguém escrever a peregrinação destes nossos dias constatará que à beira da falência tivemos como grandes questões o casamento entre duas pessoas do mesmo sexo e que o nosso governo não só continuava a celebrar contratos de grandes obras públicas como ganhou eleições prometendo que dava cheques a bebés e computadores a criancinhas e garantido-nos que dávamos lições ao mundo em matéria de carro eléctrico.
O capítulo 115 da Peregrinação é o melhor retrato que alguém fez de nós. Aguentamos o indizível, temos a vida por um fio e quase não damos por isso pois o que conta é saber quem tem “melhor moradia na casa de el-rei nosso Senhor, se os Madureiras se os Fonsecas“. E quando finalmente o óbvio se impõe chamamos-lhe desastre e não derrota: no século XVI, el-rei nosso Senhor perdeu a sua casa que é como quem diz Portugal perdeu a independência. No século XXI é duvidoso que alguém queira a nossa casa. Preferem que a paguemos em títulos de dívida. A quem? Ao senhor Hu Jintao que provavelmente olhará para nós com o mesmo ar de espanto e superioridade que em 1544 aferrou o promotor de justiça que nos confins da China se deparou com aqueles nove desgraçados portugueses combatendo entre si furiosamente por causa dos Madureiras e dos Fonsecas.

*PÚBLICO

5 comentários leave one →
  1. V.'s avatar
    6 Novembro, 2010 10:56

    aahahahaha 🙂

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  2. Bulimunda's avatar
    Bulimunda permalink
    6 Novembro, 2010 13:28

    O dinheiro nos tempos que correm não tem pátria ou ética..tretas…mesmo se a china a pedofilia fosse permitida os negócios faziam-se á mesma…

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  3. Luis Melo's avatar
    6 Novembro, 2010 16:01

    Governo “prostitui-se” para pagar dívida

    Até agora eram França e Alemanha, entre outros, que nos davam dinheiro e permitiam que vivessemos acima das nossas possibilidades. Era mau porque tínhamos uma dependência financeira, mas ao menos sabíamos que lidavamos com gente de bem, que tem bom senso, valores e princípios. Sempre é melhor depender do patrão honesto do que do patrão déspota. É que um é solidário e o outro, numa mudança de humor, despede-nos.

    Deparamo-nos neste momento com o Governo português a “baixar as calças” a países como Angola, Venezuela e China. É engraçado e até irónico que nesta altura do campeonato – em pleno século XXI e pertencendo ao grupo de países do denominado 1º mundo – o Governo de Portugal venha agora “prostituir-se” junto de países do denominado 2º e 3º mundo, na ânsia de conseguir algum dinheiro para pagar as suas dívidas e não morrer de fome.

    Alguns perguntarão “qual é o problema?“. Para começar é uma questão de princípio. Não acho correcto que o Governo português ande de braço dado com ditadores (mais ou menos camuflados). Todos sabemos que Angola, Venezuela e China são países que têm falsas democracias, onde as eleições são manipuladas. São países onde a repressão e miséria do povo contrasta com o livre arbítrio e a luxuosa vida dos seus líderes.

    Por outro lado sabemos (e temos provas recentes) que as acções destes países dependem do humor e vontade de um homem só, o que por si só é péssimo. Podemos ter a sorte de num dia o “Querido Líder” acordar bem e estar disposto a ajudar-nos, como o azar de no dia seguinte ele acordar chateado, com um notícia qualquer que saiu na comunicação social portuguesa (e que não abona a seu favor), e cortar a ajuda que prometeu.

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  4. o sátiro's avatar
    7 Novembro, 2010 06:04

    É um erro grave de geo-política fazer estes negócios com a China, no meu entender.
    Seria muito melhor estreitar relações com a Índia.
    O modelo de desenvolvimento chinês assenta na exploração da mão de obra super-barata; o Indiano nas tecnologias, em especial de informação.
    Todos os anos milhares de técnicos indianos são recrutados pelas maiores empresas USA e UK, e tb algumas alemãs.
    A Índia tem um crescimento PIB por volta dos 7%…8%.
    Não tem tantas reservas de divisas exactamente pq a China mantém salários muito baixos para o Governo Comunista ter muito dinheiro.
    Mas portugal é um País pequeno…e certamente a ajuda Indiana seriam migalhas nas contas das suas empresas.
    E teríamos acesso a técnicos altamente especializados que aceitavam os nossos salários…
    A China é uma Ditadura imperialista que vai querer impôr decisões de política internacional ao nosso país.
    Se nos lembrarmos que os regims mais sanguinários, bárbaros e selvagens do Planeta (Coreia do NOrte; Sudão; Irão; Myanmar; Laos; Eritreia) são apoiados e sustentados pela China Comunista
    podemos temer pela nossa soberania.
    Se nos lembrarmos do genocídio humano e cultural do Tibete, que as companhias chinesas começam a esventrar de modo infame pq tem matérias-primas (Pq a China não invadiu a Mongólia, q tem muito mais afinidades com a China???? Obviamente, o subsolo não é rico!!!), a nossa soberania pode estar em risco.
    POr isso o erro estratégico da parceria com a China, em detrimento da Índia….

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  5. e-ko's avatar
    e-ko permalink
    7 Novembro, 2010 10:54

    ó sátiro,
    que delírio… negociar com a China não impede de negociar com a Índia. exemplo disso é o que o Obama foi fazer à Ásia enquanto o Hu Jintao andou em França e agora em Portugal e, questão de dívida, os chineses já compraram uma grande parte da dívida americana… agora querem euros, porque não é bom pôr todos os ovos de ouro no mesmo cesto, diversificar é necessário, porque têm muita disponibilidade para comprar devisas e o dólar como a dívida americana já tiveram melhores dias…
    temos uma elite económica medíocre e, sem ser necessário andar a servir de capacho a quem se apresenta com poder ou graveto para investir ou comprar dívida soberana – antes, comprada
    por noruegueses e russos, mas nestes últimos dias negociada a taxas elevadíssimas pelos nossos próprios bancos nacionais, que se têm estado a aproveitar com taxas acima de 6%, quando o BCE lhes empresta a 1% – claro que esperam contrapartidas… poder exportar um pouco mais, porque o mercado americano lhes está menos favorável, mas se comprarem algumas coisas que produzamos e se participarem ao desenvolvimento do complexo portuário de Sines, já é muito bom, para a anémica economia nacional…

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