Um país, dois sistemas*
As notícias diziam que estávamos em greve geral. Na rua por onde passo de manhã tudo funcionava: cafés, o talho, o restaurante, a farmácia, a tabacaria e o quiosque. O mercado estava cheio, os supermercados também. Cheio estava também o parque automóvel duma editora que se estabeleceu aqui no bairro. À porta do colégio era o habitual corrupio de carros e crianças. Para geral a esta greve faltou-lhe muito. Foi sim uma greve no sistema público. No sistema privado quase não houve greve. No meio de tudo isto havia um vago ar de dia de ponte porque como uma greve geral se traduz basicamente por conseguir paralisar os sectores que são essenciais para os outros poderem trabalhar – como as escolas e os transportes – muito boa gente, sobretudo no sector público, esteve de “nim” à greve. Ou seja, oficialmente não trabalharam porque não tinham onde deixar os filhos nem transportes públicos assegurados.
O que esteve na rua não foi portanto uma greve geral. Foi sim uma greve a que aderiu uma parte significativa dos trabalhadores cujos ordenados são pagos directa ou indirectamente com dinheiros públicos. Por outro lado esta greve não foi propriamente uma greve. Uma greve é uma interrupção do trabalho decidida pelos trabalhadores que através desse procedimento esperam pressionar as entidades patronais de modo a que estas satisfaçam as suas reivindicações. Neste caso isso não só não aconteceu como não é possível. Para que os grevistas vissem satisfeito o seu caderno reivindicativo os contribuintes, e dentro destes o sector privado que é o que gera a riqueza indispensável ao sustento do sector público, teriam de pagar ainda mais impostos. Ora Portugal atingiu o limite do esforço fiscal.
Pode, é certo, aumentar-se o combate à evasão fiscal, agitar-se o espantalho das grandes fortunas e fazer-se da fiscalidade uma recriação do velho Oeste onde vale tudo para cobrar impostos – e neste momento o simples planeamento fiscal ou seja o, dentro da legalidade, procurar pagar o menos possível está quase criminalizado – mas mesmo assim não há dinheiro que chegue. Por isso esta greve que não foi geral também não foi uma greve no sentido em que não se espera que gere resultados além da paralisação em si mesma. Na verdade também não foram exactamente greves o que aconteceu recentemente em França e Espanha, onde os sindicalistas impuseram paralisações e fizeram bloqueios de modo a que os outros não pudessem trabalhar ou sequer deslocar-se. O resultado foi desastroso para os sindicatos, cujos piquetes pareciam umas milícias fundamentalistas e levaram muitos cidadãos a questionar-se sobre o modus operandi dos sindicatos. Em Portugal o que tivemos de mais parecido com isso foi o bloqueio da Ponte 25 de Abril em 1994. Mas em 2010 muitos dos protagonistas desse bloqueio não só não se revêem, pelo menos enquanto o PS estiver no poder, no que então disseram e fizeram como na verdade o povo português dificilmente entenderia hoje que se desse cobertura institucional a tais comportamentos, como aconteceu em Julho de 1994 quando, durante a crise da Ponte 25 de Abril, os líderes do bloqueio foram recebidos festivamente no Palácio de Belém.
Assim, não só a greve de 24 de Novembro, não foi geral como também não foi uma greve. Tratou-se sim duma demonstração de irritação do sector Estado consigo mesmo – os estatistas que estão no Governo são tão estatistas quanto os grevistas, simplesmente já não têm mais onde ir buscar dinheiro para pagar tanto Estado. Este sistema público trava neste momento dentro de si uma espécie de lutas de classes: de um lado estão as chefias, os quadros e os boys dos partidos instalados nos seus pelouros tão difusos quanto bem pagos, com direito a carro, secretária, cartão de crédito e despesas de representação. Do outro estão aqueles que compensam os fracos vencimentos e as carreiras bloqueadas com a segurança de um emprego que acreditavam para toda a vida. Os segundos acham que tudo corre mal por causa dos abusos dos primeiros e vice-versa. Provavelmente todos têm razão. Uma boa parte desta gente ocupa a maior parte do seu tempo dito laboral a definir o que é e não é da sua competência. Uma boa parte do que fazem não tem outra utilidade que não seja a de justificar a existência dos respectivos serviços. (Um serviço público pode fechar as portas e aqueles que a ele têm de recorrer serem enviados para outro local, mas durante anos os funcionários do serviço extinto lá continuarão entregues na rotina dos ofícios e dos memorandos do serviço que só a eles serve.) Noutros casos o que fazem seria realizado muito melhor e mais barato pelo sector privado. Por fim, o que, como a justiça, é vital que o Estado faça corre de forma tão constrangedora e autista que entrou em descrédito.
Enfim o sistema Estado vive dias de irritação consigo mesmo e de perplexidade perante um sector privado que não produz o suficiente para que o sector público continue a viver como tem vivido e a crescer como tem crescido. Carvalho da Silva e João Proença não lutam, como gostam de dizer, pelos direitos dos trabalhadores. Eles lutam sim para nos impor o dever de sustentarmos o sector público e os direitos adquiridos da sua geração.
Para seu e nosso mal, a CGTP e a UGT não encontram em Portugal grandes empresas cheias de lucros milionários que suportem os encargos das suas reivindicações. Melhor dizendo, existem algumas, mas na sua maioria são aquelas que crescem sob o chapéu-de-chuva estatal. Donde à CGTP e à UGT só lhes restarem como improváveis patrões, se por patrão se entender aquele que paga o ordenado, alguns portugueses em sufoco fiscal. Lembram-se do slogan de contestação às propinas “Não pagamos”? Digamos que aquilo que estamos a viver é um imenso e silencioso “Não conseguimos pagar mais” por parte de um sector da sociedade, o privado, e por parte das gerações mais novas que, tanto no sector público como no privado, pagam aos trabalhadores mais velhos direitos adquiridos que eles próprios nunca terão. Um país com dois sistemas nunca me pareceu um sítio recomendável para se viver. Mas é esse mundo que vimos em luta pela sua sobrevivência nesta greve de 24 de Novembro de 2010.
*PÚBLICO (adaptado)

“os sectores que são essenciais para os outros poderem trabalhar – como as escolas e os transportes”
Mas estes são os sectores ameaçados pelo OGE 2010. O que é curioso é que assuma que sectores públicos ou subsidiados pelo estado afinal sejam algo mais do que “despesa”. Afinal até se dá pela greve destes sectores!
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São despesa. Como grande parte dos cidadãos são obrigados a utilizá-los ficam reféns desses serviços. O que é a escola pública senão uma madrassa para as criancinhas e uma gigantesca máquina que sindicatos e ministério disputam? Pergunte às famílias a qual escola entregariam os 5200 euros que cada aluno custa em média aos contribuintes numa escola pública.
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Iamos todos a correr dar os 5200 ao colégio de S. Matos. O problema é que o colégio tem só 150 lugares e está em Lisboa e eu estou em Faro. E nesse colégio não fizeram greve porque a ameaça de despedimento e não renovação de contratos é mais do que séria. E como volta com a estória de não ser possivel manter os direitos das gerações anteriores espero que um dia explique porquê se de 1980 aos dias de hoje a riqueza portuguesa aumentou 3 vezes e a mundial 7 vezes? Na verdade os sindicatos também estão em crise a vários niveis e merecem criticas justas mas se não houvesse a sua luta a selva seria mortifera para muita gente. E enquanto divagam reflexões escondem que na base dos males do país estão os galifões que se instalaram no Estado ou à sombra e comem-nos até aos ossos e chupam-nos a seguir.
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“São despesa. Como grande parte dos cidadãos são obrigados a utilizá-los ficam reféns desses serviços.”
Como quase todos os sectores em Portugal, públicos ou privados. Basta olhar para os combustíveis. Ou para a energia. Ou para as auto-estradas.
“O que é a escola pública senão uma madrassa para as criancinhas e uma gigantesca máquina que sindicatos e ministério disputam?”
A escola pública é muito mais de que um depósito ou do que uma máquina disputada. Tem tudo, desde o muito bom ao muito mau, tal como a escola privada.
Esqueceu-se sobretudo de dizer que os grandes grupos privados também disputam a escola pública. E que por isso lhe movem uma guerra permanente e incentivam os governos a atacar os seus profissionais.
“Pergunte às famílias a qual escola entregariam os 5200 euros que cada aluno custa em média aos contribuintes numa escola pública.”
Entregariam à escola que os aceitasse. Há já muitos colégios que rejeitam crianças com piores notas para não estragarem a média. E as escolas privadas são em geral suficientemente más para garantir que, tal como na saúde, a liquidação do sistema público só traria mais despesa e menos qualidade. De seguida teríamos o problema social de enquadrar as crianças que os privados não querem. E mais despesa, além do 5200 euros por criança. Pois estas crianças saem muito mais caras que as outras, as tais que os privados aceitam por 5200 euros porque ainda obtêm lucro.
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Se as escolas privadas são assim tão más, porque é que alguém gasta dinheiro com elas quando tem as públicas à borla?
Mas olhe, está enganado. As escolas privadas são mais baratas por aluno por razões simples: os professores passam mais tempo a dar aulas do que em reuniões, não se tolera a destruição de material pelos alunos, há 1/5 dos auxiliares, há utilização racional dos equipamentos, não há esquemas tipo “parque escolar”, os professores têm objectivos e são avaliados, etc.
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Eu também fui às putas.
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“As escolas privadas são mais baratas por aluno por razões simples”
De acordo. As crianças problemáticas dão muito mais despesa a educar do que aquelas que vêm das famílias que hoje em Portugal podem pagar escolas particulares. Agora coloque nas escolas particulares todas as crianças que frequentam hoje a escola pública e logo veremos onde irão para os custos das escolas privadas.
Tal como na saúde e nos seguros: é fácil fazer mais barato quando podemos escolher os clientes melhores, que dão menos despesa. Quando se tem que aceitar os clientes todos, os preços dos privados simplesmente disparam, muito para além do público.
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O que há a fazer é um sistema de escolas privadas convencionadas que não possam descriminar os seus alunos à entrada, com mensalidades totalmente pagas pelo estado.
Assim o sistema público e o privado poderiam competir em igualdade.
Da mesma forma a ADSE deveria ser alargada a toda a população como opção.
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“Assim o sistema público e o privado poderiam competir em igualdade.”
-Quer dizer que se os alunos fugirem todos para o Privado a escola publica fecha e os trabalhadores/professores têm o emprego em risco?
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“As crianças problemáticas dão muito mais despesa a educar do que aquelas que vêm das famílias que hoje em Portugal podem pagar escolas particulares.”
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A maioria das crianças problemáticas são criação da Escola Publica, isto para lá
da cultura criada pelo Estado Social/Ordem Publica.
O sistema de incentivos: ou seja a não discriminação, o não estigma a não pressão torna as crianças problemáticas as vencedoras em qualquer confronto. A Escola Publica é uma máquina de destruição de bons alunos, de expansão da mediocridade, pois o seu objectivo é o igualitarismo .
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Como explica que ao crescimento enorme do investimento na educação desde os anos 70, o resultado é o crescimento da economia do país não ter parado de descer?
Aliás estamos em recessão que só o dinheiro emprestado camufla.
Dos resultados para o País do investimento na Educação há simples hipóteses lógicas a tirar:
1-A Educação não é assim tão importante – Corolário:logo não não vale a pena investir tanto nela-
2-A Educação pode ser importante mas a que temos é um desastre.
3-Conjunto das duas.
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Corolário final: O País ter uma Escola definida por uma só cultura é o mesmo que apostar todo o dinheiro na roleta. Não há redundância. Resultados habituais num monopólio.
Todos iguais, todos burros, incapazes.
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Portugal para ser viável e próspero tem de exportar mais e importar menos. Para isso precisa de cidadãos com o máximo de conhecimentos para terem o máximo de produtividade. Só um sistema de educação universal e gratuito provou ser capaz de conseguir estes objectivos.
Na Suécia ao fim de 14 anos a quota do ensino privado convencionado subiu para 10%, mas está ea crescer pouco, porque as escola públicas melhoraram a sua perfomance (concorrência a funcionar).
Portugal cresce pouco porque o sector privado foi em parte destruido no 25 de Abril e depois os governos PSD e PS nunca tiveram uma “politica industrial e agricola”, antes favoreceram os “rentistas”.
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Carlos Albuquerque,
O que é exactamente uma criança problemática?
Por que motivo são mais caras?
Estudei num colégio que tinha um acordo com o Estado, e não fazia qualquer selecção de alunos. Está sistematicamente no Top 20 em Portugal. As “crianças problemáticas” andam na linha ao fim de uma semana. Custo actual? 250-300€ por mês.
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Caro Centrista,
Podemos saber qual o colégio ?
O custo médio para o estado das escolas com acordos é de 380 euros por mês e por aluno, inferior ao das escolas públicas.
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PMP – o problema está em Lisboa, que é onde se concentram os rentistas. A região de Lisboa importa 2/3 e exporta 1/3 do total nacional. Lisboa é 100% responsável pelo défice da balança de transacções portuguesa – o resto do país é superavitário.
Ou seja, é preciso cortar empregos e salários na função pública e empresas monopolistas: Galp, PT, EDP, Brisa, REN, ANA … ou pelo menos baixar os preços em 20% ou 30%
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Sim concordo, o mais simples era obrigar os preços dos rentistas a baixar todos os anos 3% a 5% como na industria e os brilhantes gestores que estão nessas empresas conseguiriam manter os resultados sem problema (bem tenho acções da EDP e isso seria mau para mim).
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“O que é exactamente uma criança problemática?”
Uma criança com necessidades educativas especiais. Veja, por exemplo, a página 3 deste documento.
“Por que motivo são mais caras?”
Porque precisam de algum apoio especial apenas para não ficarem para trás das outras. Mais pessoal, mais tempo, pessoal especialmente competente ou com formação especial.
“As “crianças problemáticas” andam na linha ao fim de uma semana.”
Fabuloso. Estou a pensar naquelas crianças pequenas cujas famílias nem sequer as acordam a tempo, nas que vão para a escola sem comer, nas que vivem em famílias desestruturadas, ou em que os adultos traficam droga. Naquelas que assistem diariamente a cenas de violência familiar. Só mesmo um colégio excelente para resolver numa semana e com um custo normal estes problemas que muitas escolas públicas enfrentam.
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A escola privada convencionada pode fornecer refeições a todos os alunos e ter a mesma quota de “crianças com necessidades especiais” que o resto do sistema, desde que paga por uma valor igual ao custo do sistema público. É um sistema simples de operacionalizar.
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PMP
Uma escola privada tem os mesmos custos que uma escola pública mas ainda tem que remunerar o capital investido. E não tem os efeitos de economia de escala do sistema público. Não me parece nada óbvio que seja viável. Além de que, se as escolas privadas não puderem escolher os seus alunos, perderão uma das vantagens competitivas actualmente mais procuradas pelo pais no sistema privado.
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CA,
Uma escola privada pode ser melhor gerida e ter mais inovação e por isso ter menos custos.
Nada como colocar um sistema privado e um público a concorrer como na Suécia, Holanda, etc. e obter o melhor dos dois sistemas.
Num modelo convencionado generalizado essas escolas privadas não poderão escolher os seus alunos, mas as privadas não convencionas poderão continuar a operar como até agora.
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PMP
O que estava em causa era o modo como a Helena Matos se referia à escola pública. Sugeria que era sempre má e sempre mais cara do que se fossem os privados a fazer o mesmo serviço.
Claro que no fim chegamos apenas à conclusão que, se estiverem em condições semelhantes, talvez uma gestão excepcionalmente boa numa escola privada consiga não só assegurar o mesmo que a escola pública como, além disso, ainda remunerar o capital investido. A falácia na comparação escola pública/escola privada que normalmente se faz vem do facto de se pretender comparar os custos de uma escola pública que tem que aceitar todas as crianças (apresentando muitas delas necessidades especiais devidas a factores sócio-económicos, culturais ou linguísticos) com os custos de uma escola privada em que a maioria das crianças não apresenta este tipo de necessidades e em que a própria escola pode escolher os alunos que prefere.
Dito isto, não me choca nada um sistema misto em concorrência. Diria apenas que, neste sector como em outros, o estado deveria manter para já uma posição estratégica, assegurando uma rede alargada.
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Sim CA, concordo que o estado deveria manter uma rede alargada de escolas públicas. Eu diria que o sector privado convencionado bem regulado para ter algum impacto poderia ter entre 15 a 20% dos alunos, o que forçaria as escolas públicas a melhorarem a sua qualidade.
O sector privado seria também uma força de pressão e de debate junto do Ministério e da sociedade sobre este tema, já que a discussão actual é demasiado superficial e propagandista.
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Gentinha rica dos colégios privados…
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