RTP
Ouçam-os bem. Fixem-lhes as caras e os nomes, descodifiquem o seu ardoroso discurso pró-serviço público, a sua extraordinária defesa de que a gestão da RTP não dá prejuízo e sempre correu pelo melhor ao contribuinte português. Apreciem a retórica de sentido lógico invertido que tenta pateticamente assegurar que a imparcialidade de um grupo de comunicação social só existe em plena titularidade e gestão públicas em contraste com a dos privados – precisamente o contrário do que, até há pouco, era consensualmente entendido. Tentem não se rir (muito) quando alguns “especialistas” compararem a RTP com a BBC. Perscrutem, ainda, os putativos ‘pais’ e os donos arvorados da Constituição a jurar que o espírito prevalecente para o serviço público de televisão nos idos de 1975/76 ficou para sempre gravado na pedra do Sinai da sua exclusiva interpretação constitucional.
Poderíamos estar a falar dos Estaleiros de Viana. Ou da TAP. Ou, apenas, a escutar os ecos rarefeitos de 1989 quando sectores importantes da economia portuguesa se abriram aos privados. Mas é mais do que isso: estamos a repristinar a discussão antiga com muitos dos mesmos protagonistas e alguns outros que mudaram de campo quando os seus próprios interesses pessoais foram postos em causa. Convém lembrar que se os conservadores graníticos, quer os novos quer os usados, aqueles que juram que tudo deve ficar como está com argumentos miméticos aos de agora, tivessem tido ganho de causa quando se quis abrir o sector da televisão aos privados, hoje não existiria a SIC nem a TVI. E, provavelmente, o cabo teria tido muitas mais dificuldades para vingar.
O plano do Governo para a privatização da RTP ainda não é conhecido (e claro que António Borges deveria ter tido mais cuidado com o que disse!). Contudo, já todos estamos a ser bombardeados pela artilharia do “contra”, das razões escatológico-legais-ideológicas-patrioteiras que apenas querem garantir que a RTP fique como está e que os contribuintes portugueses continuem a sustentar, indirectamente, as televisões privadas através das limitações à publicidade e das indemnizações compensatórias.
Vamos esperar até conhecer o que o Governo tem a dizer por quem de direito. Até lá, repito, ouçam-os, fixem-lhes as caras e os nomes: eles dirão incessantemente o mesmo sobre qualquer mudança – porque a sua existência dependerá sempre da manutenção dos múltiplos charcos de águas paradas onde indefinidamente vivificaram…

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