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Os culpados pelos incêndios

19 Setembro, 2024

Perante a tragédia de incêndios florestais que ganham dimensão catastrófica e atingem severamente as populações, a opinião pública procura simplificar o seu quadro mental para tentar compreender a complexidade do fenómeno. A classe de comentadores fala-barato e jornalistas ignorantes alimenta a indignação que está a um passo de clamar por justiça popular.

O povo está ansioso por identificar e punir os responsáveis por tudo isto. Quem observa os fogos no local ou pelas televisões fica unida pelos mesmos pensamentos e desejos, mas confusa perante uma situação tão esmagadora.

Porém, cai na armadilha lógica da conspiração, concentrando e objectificando a causalidade do mal naquilo e naqueles que se lhes apresentam como mais plausíveis culpados. No meu tempo de jovem, o alvo eram os madeireiros e os especuladores imobiliários. Depois foram as celuloses. Hoje a moda parece ser as empresas de exploração de minério e os mais lunáticos de todos atribuem as culpas às alterações climáticas.

Encontrado um bode expiatório – qualquer que ele seja – a opinião pública conforta-se por ter finalmente compreendido os acontecimentos à sua volta, numa aparente lógica infalível.

Este quadro de referência simplório e ignorante é o mais conveniente possível para os dirigentes políticos. Estes não querem ser responsabilizados por nada e focam-se na sua popularidade imediata. Assim, basta ajustarem os seus planos e discurso àquilo que sentem ser o desejo das pessoas comuns. Os políticos acabam a ser comandados pelas massas que não pensam nem querem pensar. São portanto, o oposto de líderes.  

Enquanto sociedade preferimos a miopia de não ligar patavina aos factos e o narcisismo de encontrar uma explicação para o fenómeno dos incêndios. Isso poupa-nos o trabalho de ouvir quem sabe e há muitos anos estuda e analisa o tema, como é o caso de Henrique Pereira dos Santos ou João Adrião. Mas o seu conhecimento e argumentação sustentada em factos, é dissonante e por isso não traz audiências para espaço mediático.

Foi neste contexto que o primeiro-ministro fez ontem uma declaração ao país em que insinua de forma capciosa e contraproducente que andam por aí grupos de incendiários em número relevante que de forma sádica e em benefício de interesses económicos malévolos causam monstruosos incêndios.

As pessoas comuns apegam-se a esta forma de pensar e hipnotizam os próprios dirigentes políticos no pensamento mágico de que acabando com os incendiários, acabarão os fogos florestais de grande dimensão.

Tudo, portanto, ficará igual ao que acontece há dezenas de anos.

Ou até pior.

Quem são afinal os culpados?

A minha crónica-vídeo de ontem, aqui:

3 comentários leave one →
  1. Zé's avatar
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    19 Setembro, 2024 12:39

    Resposta: Os políticos.

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  2. silvares1945's avatar
    silvares1945 permalink
    24 Setembro, 2024 15:25

    Nas TV, uma vez mais a solução que dispensa mão de obra: dispositivos electrónicos, talvez como as câmaras das prisões no caso recente.

    Sorry pela extensão, de quando ainda tinha fé:

     “INCÊNDIOS: 2011 – O ÚLTIMO COMBATE” Agosto de 2010 – Portugal:

    o drama deste ano com os fogos florestais, vem comprovar como pouco se avançou desde o fatídico ano de 2003, quando o fogo iniciado no mato a poucos passos de um caminho (meu) para a serra da Maunça (Fundão) varreu o país até Abrantes, no total dos incêndios por uma área idêntica à do Algarve. Como habitualmente, inúmeros comentadores, estudiosos e políticos, vão opinando e diagnosticando o que está de há muito diagnosticado: que política florestal (existe?); ordenamento do território (objectivo possível há duas décadas, entretanto realizado pela realidade económica e inércia governamental); organização dos meios de combate aos fogos florestais (portuguesa). Entretanto, perto de dez mil bravos bombeiros vão resistindo evitando o pior, o massacre de uma ou outra pequena população de uma aldeia do interior profundo. À custa das vidas de alguns, como a da voluntária Cristiana Josefa de Gondomar, a “Soldado desconhecida” (12Ago10, DN) – estudante universitária, trabalhadora a tempo parcial e voluntária, nos seus 21 anos de existência interrompida e sem seguro de vida*.

    Maio de 2011: na primeira semana de Maio, tem lugar nas instalações da Autoridade Nacional de Protecção Civil uma reunião presidida pelo PM sobre a Segurança e Defesa dos Incêndios para o Verão. Presentes, altos representantes dos sectores que prepararam a Ordem de Operações para o efeito, fruto do Plano de Operações Josefa de Out10: Forças Armadas (MDN), GNR e PSP, Protecção Civil e Bombeiros (MAI); Florestas (MA); Serviços prisionais e PJ (MJ); Associação Nacional de Municípios…

    Foram passados em revista, a preparação e prontidão dos meios e sistemas de defesa do território:

    Limpeza dos terrenos – a) zonas de mato e floresta de há muito abandonadas pelas populações, dispõem de faixas de terreno limpas, de modo a dificultarem a propagação das chamas e facilitar o combate aos fogos; b) os meios urbanos junto de manchas florestais foram objecto da atribuição de perímetros de segurança, com a limpeza integral dos terrenos ali incluídos; depósitos de água a céu aberto, foram objecto de limpeza e abastecimento de água.

    Em acampamentos montados pelo Exército, apoiados pela GNR e bombeiros locais, grupos de voluntários recrutados entre a população prisional e incluindo locais da região desempregados, decorrem trabalhos de limpeza florestal e preparação dos pontos de água existentes.

    Vigilância do território – meios ligeiros da Força Aérea entre Maio e Setembro: a) uma vigilância sectorial do território, levando a bordo um elemento qualificado da ANPC/Bombeiros; b) após detecção do início de um incêndio florestal, um dos meios aéreos atribuídos constitui um Posto de Comando Aéreo de modo a orientar e dirigir as acções dos grupos de bombeiros presentes no terreno – Gerês, 2010, um local: «ainda ontem tive de levar os bombeiros até ao fogo: «eles não são de cá e não conhecem os caminhos» (DE,14Ago).

    Vigilância terrestre – centenas de postos de vigilância constituídos por torres de observação, jamais foram integralmente ocupados na época do Verão: falta de profissionais e ou voluntários, falta de orçamento, falta de uma autoridade responsável pelos mesmos. Alguns, jaziam abandonados e em ruína, invadidos pela mata.

    Em 2011, fruto de um planeamento marcadamente militar: a) a rede de PV foi redefinida; b) a partir de Maio, equipas de quatro vigilantes por cada PV chefiados por um militar, são ali rendidos semanalmente, incluindo voluntários estudantes e desempregados da localidade, com a logística garantida pelas populações através das Juntas de Freguesia/Bombeiros. Determinadas zonas do território, são patrulhadas por equipas militares, fazendo a ligação entre PV.

    Quartel-General da Protecção Civil – um comando operacional conjunto instalado numa base da Força Aérea no centro-norte do país e dotado de um estado-maior predominantemente militar é instalado durante o mês de Maio. Vai accionar, dirigir e controlar a totalidade dos meios de combate a incêndios, com os meios aéreos civis actuando de forma integrada com os meios da FA e sob seu controlo**

    * Seguros de vida: quando as FA iniciaram operações na antiga Jugoslávia, a quase totalidade dos pára-quedistas para ali destacados a partir da base de S. Jacinto (Aveiro), optaram por um seguro de vida suportado pelos próprios (valor aproximado de 10 mil contos, em 1996) – uma das primeiras famílias atingidas, foi objecto do recebimento em cerca de duas semanas; passado um ano e com Jaime Gama como ministro da Defesa, tal seguro passou a ser suportado pelo Estado.

    Hoje – «José Pedro, 32 anos, bombeiro voluntário, falecido no regresso de combate a um fogo, em acidente com o autotanque dos Voluntários de Esposende (27Set09): família sem indemnização (seguro da viatura) um ano depois, a par de salários da empresa por receber»!

    ** Empresa de Meios Aéreos – a criação desta empresa, surgiu na sequência: a) do desaproveitamento que os governos do novo regime fizeram de múltiplas capacidades existentes na Administração Pública e Forças Armadas, optando pela multiplicação de empresas e autoridades paralelas; b) da falsa noção de que o Estado é um conjunto de departamentos estanques e de que as FA por exemplo, devem ficar prisioneiras de conceitos de actuação militar pura, mesmo sem conflito militar à vista.

    Barroca Monteiro

    (no Jornal do Fundão)

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  3. Atento's avatar
    Atento permalink
    26 Setembro, 2024 20:21

    No meu tempo de jovem, o alvo eram os madeireiros e os especuladores imobiliários. Depois foram as celuloses. Hoje a moda parece ser as empresas de exploração de minério e os mais lunáticos de todos atribuem as culpas às alterações climáticas.

    Pois, é que disparates! Como se mamões privados pudessem alguma vez ter a culpa de alguma coisa; como se planeassem e fizessem algo de indevido para aumentar o seu lucro e a sua mama, mesmo à custa dos outros!

    Claro que isso jamais aconteceu, jamais poderia acontecer. A culpa é sempre, sempre toda do Estado. Jamais dos privados… sobretudo dos que enchem o bolso ao Telminho. Esses são sempre, sempre gente impecável.

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