Reformar Mais Tarde não é Progresso

Nos últimos anos, temos ouvido sempre o mesmo argumento para justificar o aumento da idade da reforma: “as pessoas vivem mais, por isso têm de trabalhar mais”. Baseiam essa decisão na esperança média de vida. Mas este raciocínio, apesar de parecer técnico e inevitável, é profundamente incompleto – e, acima de tudo, injusto.
Sim, é verdade que vivemos mais anos. Mas o que ninguém diz é que não vivemos mais anos saudáveis. Há milhares de trabalhadores – especialmente em profissões exigentes – cuja capacidade física e mental não acompanha esse aumento. Trabalhar até aos 68 ou mais não é um avanço civilizacional; para muitos, é simplesmente impossível.
O governo actual, seguindo a lógica habitual aumentou a idade da reforma para 66 anos e 11 meses. Não aceito. É revoltante assistir a estas políticas que “empurram o problema para cima do contribuinte”, em vez de enfrentarem e resolverem de uma vez por todas a verdadeira questão estrutural que está na origem de tudo isto.
Porque além de tudo há uma questão de justiça que não pode continuar a ser ignorada: quem descontou uma vida inteira tem direito a viver uma reforma digna enquanto ainda tem vida plena, e não apenas os últimos anos de sobrevivência. Quarenta ou mais anos de carreira contributiva são suficientes para exigir que o Estado cumpra a sua parte.
Mas o que vemos é o contrário: somos exigentes com quem cumpre e complacentes com quem vive permanentemente dos apoios sociais. Há pessoas, é verdade, que fazem dos subsídios um modo de vida. Representam uma minoria, mas o impacto na percepção pública é enorme. Não é apenas uma questão económica – é uma questão de justiça moral. O Estado Social só funciona quando direitos e deveres caminham juntos.
E enquanto se pede aos trabalhadores para sacrificarem mais anos, raramente se fala do que realmente ameaça a sustentabilidade da Segurança Social: salários baixos, trabalho precário, fuga fiscal, isenções mal atribuidas, economia informal, e uma gestão pública que, demasiadas vezes, desperdiça recursos de forma escandalosa.
É fácil apontar para a esperança de vida e dizer “não há dinheiro”. O difícil é admitir o que todos sabemos: o problema não está nos trabalhadores; está na forma como o país é governado.
A solução não pode ser sempre empurrar a idade da reforma para a frente. Há alternativas justas e praticadas noutros países: reformas flexíveis, idades diferenciadas por profissão, valorização das carreiras longas, combate sério à fraude, acompanhamento contínuo e rigoroso dos apoios sociais, políticas que aumentem salários e produtividade, e, acima de tudo, gestão pública responsável.
A pergunta que devemos fazer é simples: queremos um país que penaliza quem trabalha ou um país que respeita quem contribuiu?
Se continuarmos no caminho actual, continuaremos a empurrar para o limite quem deu uma vida inteira ao país, enquanto sustentamos um sistema que permanece permissivo para quem nunca contribuiu. Inverter este paradigma é urgente: premiar o esforço, responsabilizar quem pode trabalhar e eliminar o desperdício é o único caminho para garantir reformas dignas, sustentáveis e verdadeiramente justas. E é importante recordar que o sucesso das políticas sociais não se mede pela quantidade de pessoas que apoiam, mas pela quantidade de pessoas que conseguimos integrar plenamente na sociedade, permitindo-lhes deixar de depender desses apoios.
Não é a esperança média de vida que deve determinar o futuro dos nossos idosos. É a esperança de construirmos uma sociedade justa, coerente e responsável, onde quem trabalhou toda a vida possa finalmente viver com dignidade. Isso, sim, é progresso. O contrário – prolongar a vida activa indefinidamente enquanto ignoramos o desgaste real das pessoas – não é evolução: é a forma moderna de perpetuar uma lógica de escravidão, em que muitos dão tudo e recebem cada vez menos. Uma sociedade verdadeiramente livre é aquela que respeita os seus trabalhadores no fim da sua vida activa, em vez de os empurrar para além dos limites em nome de cálculos frios e decisões convenientes.

Nos últimos anos existem cada vez menos empregos nas empresas privadas, a tendência nestas, é reduzir cada vez mais o emprego, portanto preferem manter as pessoas mais novas e com salários mais baixos.
E ainda estamos no início da revolução da implementação da tecnologia IA, na maior parte das empresas.
Quando se fala das empresas estamos a falar de empresas privadas, porque as públicas vivem dos vive dos impostos descontados pelos trabalhadores das empresas privadas, se estes governos socialistas (independentemente da etiqueta que se auto-dominam todos eles têm este pendor) estão a acabar com os empregos nos privados a solução que “as mentes brilhantes” encontraram foi vivermos todos do turismo?.
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um indivíduo que ganhe mil a dois mil euros não tem descontos suficientes a vida inteira para garantir uma reforma de 800 a 1600 euros durante 20 ou mais anos
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Claro que não.
Os liberais propõem um sistema de capitalização privado, mas tal sistema também só funciona com taxas de crescimento de 5% ou mais, inalcançáveis numa economia avançada.
Trata-se de um problema sem solução. Ou morremos mais cedo ou…
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“…o problema não está nos trabalhadores; está na forma como o país é governado.…”.
A escolha de quem governa este país é actualmente um sistema de escolha exclusivamente partidário pelo que defende apenas os interesses internos dos dois partidos do poder.
E coloca o cidadão eleitor -que devia ser quem teria o poder de escolher os seus governantes uninominalmente, no boletim de voto- numa situação de serventuário dos interesses internos de esses dois partidos. Certificar-lhes o seu incontrolável poder.
Não houve a possibilidade de se ir filtrando, uninominalmente, a “classe política”, o governo, vai para meio século. Politicamente perdeu-se tempo, a experiência na escolha, eleitoral, dos governantes. O resultado é este doentio conluio de poder entre os dois partidos, agora em pânico, porque as novas gerações já não se deixam enganar.
Aumentar eleitores via o funcionalismo, directo ou indirecto, tem limite: a capacidade tributária dos privados … e a idade.
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Uma palavra sempre anda envolvida nestas questões – dignidade.
Na prática só serve para estabelecer um nível de vida que se distribui em patamares arbitrários e sempre mal definidos.
Mais importaria que o trabalho a tempo parcial fosse considerado como actividade digna e estudado e promovido para acomodar falta de emprego pleno de disponibilidade física plena.
A promoção da reforma plena e ‘digna’ por largo tempo é uma penalidade para muitos e um desastre potencial a prazo.
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