Da relevância política da portaria da Bolacha Maria!*
Se alguma vez tivéssemos de escolher um símbolo para a incontinência legislativa com que os sucessivos governos têm procurado melhorar a vida daqueles que definem como mais desfavorecidos creio que nada suplantaria a portaria da Bolacha Maria.
Dada à luz a 30 de Setembro de 1974, a dita portaria procurava aplicar os conceitos da luta de classe ao reino das bolachas e biscoitos, que é como quem diz criar um regime de preços máximos de venda para a bolacha Maria dado que esta, explicava o legislador, ao contrário doutros tipos de biscoitos, era consumida “em especial pelas classes de menores rendimentos”. E assim, a 30 de Setembro de 1974, no preciso dia em que Spínola resignava e Costa Gomes era nomeado presidente da República, um membro do governo legislava impassível sobre os preços máximos da bolacha Maria e, em abono da verdade diga-se também que da bolacha de água-e-sal e das tostas. Como o governo caiu nesse mesmo dia, o legislador já não teve tempo para regulamentar sobre outros assuntos cruciais para a vida dos portugueses, tais como o universo burguês do sortido húngaro e quiçá estabelecer quotas de acesso ao bolo de arroz. Mas pode essa preclara alma dar-se por satisfeita: o argumento da defesa dos mais desfavorecidos sobretudo se engalanado dumas vestes de progresso, justifica toda a legislação em Portugal, incida ela sobre as bandeiradas dos táxis, a data do início dos saldos ou a distância mínima a que, na pesca amadora, os pescadores devem deixar as respectivas canas umas das outras.
Tal como aconteceu no dia 30 de Setembro de 1974, muita desta legislação que se apresenta como uma correcção das injustiças – e admitindo que trincar bolacha Maria faz parte do rol dos direitos que cada um traz à nascença – nasce em momentos de grande crise, logo torna-se anedótico, quando não grotesco, cruzar essa legislação com os acontecimentos que a História regista desses mesmos dias: a 30 de Setembro de 1974, Portugal viveu uma das situações mais graves da sua História recente mas tabelar a bolacha Maria surgiu como essencial a um membro do Governo de então. Infelizmente esta esquizofrenia está longe de se restringir às dinâmicas revolucionárias – como aconteceu em 1974, em Portugal – sendo mesmo estrutural na elaboração das estratégias políticas dos partidos que fazem as democracias. O exemplo mais próximo desta linha de actuação é o actual governo espanhol que, perante a ameaça duma grave crise económica, se entretém a anunciar como medidas fundamentais para os próximos meses a alteração à legislação sobre o aborto e o suicídio assistido, vulgo eutanásia. Um guião de humor negro não faria melhor mas até agora esta agenda de fatalismo progressista tem conseguido preencher o vazio ideológico e proporcionar bons resultados eleitorais. Em Portugal também lá chegaremos, sendo que aos assuntos do costume ainda temos para adicionar a temática da regionalização, assunto mediaticamente precioso num país que, na prática, não consegue sequer actualizar o mapa das suas freguesias.
Por agora, e embora já em contagem decrescente para entrarmos nessas polémicas, o que ocupa as medidas sucessoras da portaria da Bolacha Maria são os apoios escolares. Para este ano lectivo anunciam-se mais refeições gratuitas, mais livros gratuitos e um maior número de alunos abrangidos pelo princípio da gratuitidade. Em primeiro lugar conviria lembrar que não existe nada gratuito. E os primeiros a quem tal deve ser recordado são precisamente o governo que se compraz, qual aristocrata caritativo, a anunciar tanta gratuitidade como àquelas organizações como o Fórum Não Governamental para Inclusão Social que nunca se sabe quem representam e muito menos o que fazem mas que, imbuídas duma espécie de superioridade moral, exigem ciclicamente uma escolaridade obrigatória “realmente gratuita”. Todos aqueles livros e demais material além da própria escolaridade em si mesma custam muitíssimo dinheiro aos portugueses.
Também às famílias o valor deste apoio deve ser recordado. Como aliás devia ser dado aos utentes o valor real de cada consulta num centro de saúde, dos tratamentos nos hospitais públicos, das refeições nas cantinas escolares, etc. Porque não só o gratuito não existe como muito provavelmente, ao transformá-lo numa espécie de prémio de presença para aqueles que agora se chamam carenciados, se está a contribuir para que estes não valorizem a escola. Seria, por exemplo, interessante avaliar, a meio do ano escolar, o estado de conservação e utilização de muitos destes livros e material supostamente gratuitos. Como também seria importantíssimo cruzar os dados destes apoios com os dos resultados escolares. Talvez então se percebesse que, na escolaridade obrigatória, a maior parte dos alunos não tem maus resultados por não ter material escolar ou os manuais. (No caso destes últimos a sua ausência em algumas disciplinas, como o Português, seria até uma bênção!)
O melhor apoio escolar é uma escola que funcione bem, seja exigente com todos os seus alunos e não trate aqueles que rotula como mais pobres – e que nem sempre o são na realidade – como crianças de quem há menos a esperar, tanto no comportamento como na avaliação. E naturalmente uma escola que seja respeitada para o que é essencial que os seus alunos saibam que custa muito dinheiro. Logo é um privilégio poder frequentá-la sem pagar.
É fácil, à distância de três décadas e meia, concluir que em Setembro de 1974, tabelar a Bolacha Maria era absolutamente irrelevante perante os reais problemas que os portugueses enfrentavam então. Provavelmente o mesmo se vai dizer dentro de alguns anos de toda a parafernália que, ano a ano, se anuncia para combater o insucesso escolar, particularmente o insucesso dos filhos dos mais pobres. Mas até lá temos ainda muita Bolacha Maria para trincar e muita legislação de apoio às “classes de menores rendimentos” para digerir.
*PÚBLICO, 9 DE SETEMBRO

Sempre foi uma das minhas irritações com os Media o “gratuito” sem aspas no minímo, quando tudo custa recursos. Outra é “o Governo dá”.
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Helena Matos:
“aqueles que rotula como mais pobres – e que nem sempre o são na realidade – como crianças de quem há menos a esperar, tanto no comportamento como na avaliação”
Trata-se do pós-moderno direito a aprender apenas metade.
Excelente post.
.
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Eu percebo que a Helena ache que em momentos históricos como esse os governantes devem só dedicar-se a regular os altos designios da Nação. Miudezas dessas, não são dignas de uma Nação gloriosa como a nossa. Mas tenho uma dúvida, Helena: refere-se à data da assinatura da portaria, ou à data da publicação? É que são coisas um bocadinho diferentes.
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3 – a portaria é mesmo de 30 de SEtembro e vem em Diário do Governo de 10 de Outubro. Já agora se quiser saber é assinada pelo secretário de Estado do Abastecimento e Preços, Nelson Sérgio Melo da Rocha Trigo
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Também foram regulamentados os preços dos caramelos?
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E como se vê……… da importancia da bolacha maria se passa á importancia da data ora da assinatura ora da publicação.
O que prova que bolachas marias ainda as há…….. e muitas.
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Excelente texto, gostei.
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Isto só prova que a Helena Matos não percebe nada de economia.
Pela simples razão de que – embora em termos gerais eu até concorde com ela – quem percebe de economia diz que os saldos têm mesmo que ter período fixo pois caso contrário os interesses dos consumidores estariam em sério risco, havendo enormes possibilidades de serem enganados por pseudosaldos e etc.
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Para a Helena Matos, o Secretário de Estado tinha então obrigação de estar muito nervoso nesse dia e sem poder pegar na caneta para assinar nada; ou então, sentado a reflectir sobre o Estado da Nação. É uma ideia.
Quanto ao apoio escolar, não percebi essa de o melhor apoio escolar ser uma melhor escola… Pois. Mas é que os pais têm de comprar o material, não é? E o material é caro e muitos pais ganham pouco. E o material escolar é preciso: cadernos, canetas, livros, etc. Não percebi, sinceramente, o que pretende com o seu post.
Ah, e essa de recordar aos pais o gasto do Estado com eles é de antologia. Estou mesmo a ver um funcionário a gritar com uma mãe desempregada: A senhora lembre-se de que o Estado gasta com o ranhoso do seu puto a quantia exorbitante de mil euros por ano, ouviu, ó sua preguiçosa subsidio-dependente!
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Acho que eses tal legislador de 74 conhecido como o “grande arquitecto” voltou para tudo regular das nossas vidas … tipico do Governo que temos e do partido “paizinho do povo” que tem a maioria absoluta que um conjunto de camelos lhes deu.
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O Estado não gasta mil euros por ano. Gasta, em média, mais de 4 mil euros por ano.
Muito do material escolar é abolutamente desnecessário e muito frequentemente custa pouco mais que o tlm e os ténis que os meninos levam para escola e, que ao contrário do material dado, eles cuidam com zelo. Porque sabem quanto custa!
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O Estado não gasta mil euros por ano. Gasta, em média, mais de 4 mil euros por ano.
Peço desculpa, foi o funcionário que se enganou. Vá, outra vez: “A senhora lembre-se de que o Estado gasta com o ranhoso do seu puto a quantia exorbitante de quatro mil euros por ano, ouviu, ó sua preguiçosa subsidio-dependente!”
Helena, não faça demagogia e não seja paternalista, dando conselhos aos pais sobre como gastar o dinheiro e cuidar do material. Muitos meninos levam ténis de 100 euros para a escola, e muitos meninos, mais do que os outros, não levam ténis de 100 euros para a escola, nomeadamente os meninos cujos pais ou estão a receber subsídio de desemprego, ou que ganham salários de call center. Não precisava de ter de explicar isto à Helena, que diabo.
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Que diabo, isto é um choradinho pegado. Os caramelos deviam ser mais baratos.
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Bom dia Helena,
Já deve conhecer, mas de qualquer forma aqui fica o link para o blog do Vítor Dias: http://tempodascerejas.blogspot.com/2008/09/um-post-assumidamente-longo.html
«A bolacha Maria e a guerrilha de Helena»
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Apoio escolar .
“Extracto da Imprensa Regional – A corneta do indigente ”
” Isso do apoio escolar é mto baril . A malta sempre pode gastar os € em droga, seringas, e coisas assim que evita com os manuais escolares, mochilas , lapis e canetas … já que tb dão portáteis de borla.
E refeições tb .Temos lá agora que dar refeições a putos ranhosos…o Estado que dê o leite e o pão.
E é se querem que a gente vote PS .É que quando a camioneta do partido vier no dia das eleições se não tiver euros pró “cavalo” não vou mesmo votar no Pinocrates ou quem lá é ”
Leitor identificado como Reco
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Afinal a bolacha de água e sal estava nas mesmas condições.
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Não se deve dar conselhos aos Pais … nem aventar tal coisa ( eles vão chatear-se e ainda votam na oposição … os ingratos )
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Preços como o Pão e vários sempre estiveram no chamado “cabaz de compras” para evitar especulação, ganancia, cartel sobre os preços dos mesmos. Quem não quiser que não tenha esses negócios
Muitas empresas também utilizam para os seus produtos tabelas de preços máximos (Público, JN, Olá Gelados, Fatos marca tal ) pra não prejudicar a imagem dos seus produtos num retalhista mais ganancioso. Nem sempre é cumprido mas faz-se o possivél. Helena Matos quando tiver um negócio vai começar a reparar nessas coisas.
A gasolina é que Helena defende para todos os produtos, mesmo os essenciais para os tais pobrezinhos. Pão a 1 euro, arroz a 2 euros seria o resultado
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Ténis de 100 euros? Que chungaria é essa?
Já os há de 150 vulgarmente exibidos em tudo que é escola da Loures e da linha de Sintra, onde se sabe, moram as elites económicas deste país.
Minorias são as crianças que são apoucadas nas escolas por não fazerem uso de tais “dreitos”.
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Ó Helena, aí está o seu público, em todo o seu esplendor: o Honny, que acha que o que a malta quer é droga, e o OLP, que acha que este país é um imenso Beverly Hills.
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“havendo enormes possibilidades de serem enganados por pseudosaldos”
Pois, porque todo o economista sabe que os clientes não decidem com base no preço, decidem com base no letreiro na montra que diz “saldos de 70%”. Se diz “saldos 70%” o preço passa a ser irrelevante.
Diga-se também, que quando todos os comerciantes fazem saldos ao mesmo tempo (no período definido pelo governo, claro está), existe uma qualquer questão técnica só conhecida pelos economistas e que impede a prática de “pseudo-saldos”.
Por último, a prática de saldos reais durante o ano iria aumentar as oportunidades para os clientes comprarem a preços baixos, e estimular a concorrência, e melhorando a segmentação de preços. Como os economistas sabem, isso poderia prejudicar os consumidores.
De facto, a Helena Matos não percebe nada de economia…
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caramelo Diz:
“Helena, não faça demagogia e não seja paternalista, dando conselhos aos pais sobre como gastar o dinheiro e cuidar do material. Muitos meninos levam ténis de 100 euros para a escola, e muitos meninos, mais do que os outros, não levam ténis de 100 euros para a escola, nomeadamente os meninos cujos pais ou estão a receber subsídio de desemprego, ou que ganham salários de call center. Não precisava de ter de explicar isto à Helena, que diabo.”
Pois não… esses levam ténis de 150 euros para vima e telelés de mais de 200 euros, acompanhados de psps e quejandos… ou não vivam em casas de habitação social, pagam tostões de renda quando pagam e vivem às nossas custas…
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“Muitas empresas também utilizam para os seus produtos tabelas de preços máximos (Público, JN, Olá Gelados, Fatos marca tal ) pra não prejudicar a imagem dos seus produtos num retalhista mais ganancioso. Nem sempre é cumprido mas faz-se o possivél. Helena Matos quando tiver um negócio vai começar a reparar nessas coisas.”
Esse exemplo é curioso. Está a dizer que o Estado é o dono ou fornecedor dos produtos que os comerciantes vendem?
“Pão a 1 euro, arroz a 2 euros seria o resultado”
Curioso, o preço desses bens está liberalizado e não tem esses preços (excepto claro, o pão alentejano e os sacos de 2kgs de arroz). Isso acontece por vários motivos: porque há concorrência, e também porque existem normas que impedem o abuso de posição dominante e a cartelização. A fixação administrativa de preços não é necessária para evitar os males que referiu.
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Eu acho? isso tudo?
Aonde estão as palmeiras??
Parafraseando:
Aí está o seu público em que em cada esquina vê o Biafra.(sem palmeiras é claro).
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Portaria n.º 653/74. Disponível aqui em texto integral.
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Helena,
Excelente posta.
Para lá da irrelevância política duma portaria que tabela o preço da bolacha Maria, da bolacha torrada e da bolacha de água e sal, não se pode deixar de assinalar que a bolacha Maria a 26$00/kg na venda a granel era bastante mais cara que a bolacha torrada a 21$50/kg: 20% mais cara.
Pensava eu que a bolacha torrada não era mais que bolacha maria torrada. Mas se isso fosse verdade, como se explicaria então que a bolacha Maria fosse tão mais cara que a torrada?
A minha explicação é que o custo de fabricação da bolcha maria era inferior ao da bolacha torrada. O facto de o preço de table ser mais elevado é prova de um complot burguês contra as classes mais desfavorecidas, que presumivelmente teriam no seu cabaz de compras mais bolachas marias que bolachas torradas. A prova disso está também no facto de a bolacha de água e sal, claramente mais do gosto das classes mais prósperas ter um preço só ligeiramente acima da bolacha maria.
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PMS, dou-lhe outro exemplo. A carcaça não está liberalizada e custa 25 centimos cada uma e o peso é de 20 gramas minimo.
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carcaça é um animal morto.
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é bico que se diz. raio dos lisboetas…
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Parabéns pelo excelente post.
Efectivamente, existe aqui muito trabalho de pesquisa que nos transporta para há três décadas atrás e nos envergonha por, passado todo esse período, a nossa produção legislativa continuar a ser bastante deficitária, preocupando-se com minudências, ao invés de, por ex., pensar em actualizar as leis que compõem os códigos de processo penal e civil, no sentido da optimização das regras de funcionamento do nosso Estado de Direito. Mas, ao que parece, nessa área a tendência é para agilizar…
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E é ou não verdade que à data do despacho sobre o preço da bolacha Maria, a Helena queria integrar uma força clandestina da resistência a operar a partir da Serra da Estrela?
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“PMS, dou-lhe outro exemplo. A carcaça não está liberalizada e custa 25 centimos cada uma e o peso é de 20 gramas minimo.”
Só se for em Lisboa. No Porto vende-se a 10centimos na maior parte dos locais. Nalguns vende-se a 8ç. E o peso (esse sim regulamentado) é de 40 gramas.
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Embora lhe tenha dado exemplos práticos, tem aqui uma fonte pública (o aumento de 50% não chegou a acontecer):
http://jpn.icicom.up.pt/2008/02/27/preco_do_pao_pode_aumentar_para_15_centimos_.html
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Tenho que ir lavar a dentadura. Lá se colou outra vez o chato de um caramelo.
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As pérolas do DR (esta semana):
«É aprovado o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores
Que Exercem Funções Públicas, doravante designado por
Estatuto, publicado em anexo à presente lei e que dela faz
parte integrante»
Veja-se “EDdosTQEFP” e a caligrafia Que Exercem iniciadas por maiúsculas!
E ainda, “EDdosTQEFP” para querer dizer “Estatuto dos FP”, ou “EDisciplinar dos FP”.
Em bom português nos entendemos. Deq ue escola?
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Helena: Conte lá a história da guerrilha da serra da Estrela, que deve ter piada.
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caramelo … continuas o mesmo pá . bom proveito e cuidado com as cáries.
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Telemóvel e ténis de 100 euros? Este espécime mora onde? 10.000, mulher! 10.000 putos com carências alimentares! Sabe o que isso é?
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