Em que pensam os presidentes enquanto brindam?*
Ao mesmo tempo que na Guiné, Nino Vieira era enterrado no maior dos ostracismos, em Lisboa prestava-se homenagem a José Eduardo dos Santos. Nino não foi certamente menos ditador do que José Eduardo dos Santos. Nem mandou matar mais nem torturar com maior crueldade do que o actual presidente angolano. E certamente que Nino e a sua família enriqueceram muito menos que o clan presidencial de Angola. Acontece simplesmente que os políticos, sobretudo se forem déspotas, são tratados neste lado do mundo não tanto pelo que pensam ou fazem mas sim a partir do índice do temor que inspiram e das riquezas que se estima que controlam.
E Nino já não contava para nada. Tal como a própria Guiné. Pelo contrário Angola é um país independente. Os portugueses que interrompem as fases depressivas com uns arrebatamentos históricos que os fazem protagonistas maiores da História dirão que as independências da Guiné e de Angola foram dadas ou reconhecidas há três décadas e meia. Não é verdade. A Guiné nunca foi propriamente independente e na última semana ouvimos frases que dão conta de como aquele país se parece estar a tornar numa espécie de protectorado verbal. Desde a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) que “quer reduzir o número de militares na Guiné-Bissau para metade mas também pretende que os poderes politico e militar se comecem a relacionar de forma completamente diferente da actual” até ao secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, Gomes Cravinho, que considera que os militares guineenses têm de deixar de ser “mesquinhos“, todos usam uma linguagem imperativa sobre o que os militares e os dirigentes guineenses devem fazer.
Quanto a Angola a independência é um facto que nada tem a ver com as datas inscritas na História, Hisória essa onde Portugal não tem propriamente a relevância que gosta de supor. Antes pelo contrário mais do que sujeito fomos complemento directo nessa parte da História pois boa parte dos acontecimentos que vivemos entre o 25 de Abril de 1974 e o 25 de Novembro de 1975 foram pouco mais do que a animação cultural necessária para que a afectação de Angola ao MPLA funcionasse como um facto consumado. Até a nossa revolução veria o seu fim ditado pela declaração da independência de Angola: a 25 de Novembro de 1975, os militares e a classe política do PCP ao CDS confirmavam que não só não íamos ser a Cuba da Europa como se criavam as condições para que a Europa fosse precisamente a nossa nova terra dos sonhos. Luanda essa já não precisava de nós para nada. (Talvez por isto entre as histórias mais trágicas dos portugueses em Angola se contem a daqueles que para lá partiram após Novembro de 1975 convencidos que iam fazer a revolução. Poucas pessoas terão sido tão crédulas e pago tão caro o seu engano!)
Não sei quando é que Angola se tornou de facto independente mas no meio da barbárie, com uma corrupção assustadora e um exibicionismo constrangedor, Angola afirmou-se como potência. Deve-o provavelmente ao petróleo e o fim do bloco soviético também deu uma preciosa ajuda. Desta mudança há poucos momentos tão expressivos quanto a viagem de José Eduardo dos Santos a Cuba, em 2007: já sem o fundo de maneio da URSS, a nomenclatura cubana recebia entre o anquilosado e o subserviente o homem que dirigia o país, Angola, onde os cubanos tinham sido carne para canhão mas também um poder a ter em conta. Em 2007 os cubanos faziam contas para ver que factura poderiam apresentar a Luanda pelos serviços prestados.
José Eduardo dos Santos não ignora certamente que é ao petróleo que se devem tantas atenções em torno de si. Sabia-o em Havana em 2007, em Pequim em 2008. Já o sabia quando viajou para os os EUA em 1991, 1995 e 2004.
O homem que em Março de 2009 reservou dois andares do Ritz para si não desconhece que alguns portugueses gostam verdadeiramente de Angola. Sabe naturalmente que muitos mais vêem nela uma árvore das patacas com a vantagem acrescida que tudo o que ali façam de menos lícito ou lhes corra mal acabará ser sempre acrescentado ao rol das longas culpas dos angolanos.
Desconheço em que pensam os presidentes quando brindam. Mas não sei se, algures no meio do banquete da Ajuda, José Eduardo dos Santos não se terá lembrado de Nino. Quanto mais não fosse para concluir, uma vez mais, que se não tivesse petróleo, muitos contratos para assinar, parcerias para estabelecer e um país devidamente controlado não só ele não estaria ali como muito provavelmente deixaria este mundo no mesmo constrangido abandono que rodeou na morte Nino Vieira.
*PÚBLICO 12 de Março
conversa típica de quem ficou à porta.
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Um artigo notável de quem não padece de temor reverencial.
Bem-haja, Helena Matos!
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tou a ver (pelo menos 3) na foto que subscrevem o seu artigo. só lá estavam por questões de preto-ao-colo
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o candelabro podia ter caído em cima das velas
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Lá que se lembraram de Nino lembraram, porque ambos os presidentes falaram de Nino Vieira nos seus discursos antes de brindarem e se sentarem para comer.
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tudo gente honesta.
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Um autêntico velório.
Mas afinal o que era a ementa?
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Perdizes
Horroroso a caça. Deviam acabar de vez com os caçadores. Se alguém acredita em magia negra lanço uma magia negra sobre todos os caçadores para que nunca acertem em nada.
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O Savimbi é que era bom. Fartou-se de “construir” cidades.
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Uma coisa é certa a bebida não é vinho é sangue…afinal os vampiros existem….
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#7 – Mas afinal o que era a ementa?
o presunto, of course. “la grande bouffe” revisitada pelo botelhas, com aníbal piccoli, jaime mastroianni, o rui noiret, comem-se uns aos outros e acaba como todas as grandes farras com uma sessão kinder abrilhantada pela kátia acompanhada de arrotos e flatulências. o único gajo normal no meio daquilo tudo era o preto, que não via hora de se pirar dali.
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# 7
Práticas canibalísticas no Palácio de Belém: A ementa era o defunto general, às rodelas, disfarçado de presunto de chaves e de lampreia do minho.
Óptima fotografia, um take de um baile dos Vampiros.
Texto bom da HMatos.
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Aposto que havia bolo Rei pra comer assim….. à ganância !!!!
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#12 “disfarçado de presunto”
disfarçar???… se tá morto é presunto. cromos a armar ao pingarelho.
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o escadote jurídico, que aderiu às velhas oportunidades ainda em novo, levou um tupperware para trazer os restos. topa-se na foto que esconde qualquer coisa com a mão esquerda.
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“Nem mandou matar mais nem torturar com maior crueldade do que o actual presidente angolano.”
em que se baseia para afirmar isto? números certificados ou convicções pessoais?
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Realpolitik, cara Helena Matos!
Se o PSD estivesse no governo, acaso agiria diferente? Não, quem agiria de forma diferente em relação ao governo português seria, sem sombra de dúvida, José Eduardo dos Santos.
Não esqueçamos que o petróleo angolano está a alimentar muitas “boquinhas” portuguesas, e é isso que deve ser tido em conta. Essas sabem que não é com “moralismos” que se enche barrigas. Nem todos têm o privilégio de poder depender directamente do Orçamento de Estado …
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O reverso das antigas cas. ultramarinas :Angola & colónia..
Cpmts por um texto que toca onde doi.
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isto é conversa para retornado.
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Cidade do Vaticano, 15 Mar (Lusa) – O Papa Bento XVI, que inicia terça-feira uma primeira viagem de uma semana aos Camarões e a Angola, disse hoje desejar “tomar nos seus braços” toda a África, com as suas “feridas dolorosas” e as suas “enormes esperanças”.
outro a prestar vassalagem ao marisco e ao pitroil.
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cheiro a preconceito no ar!! que Santos nao é flor que se cheire, ja todos sabemos…o que muitos nao sabem certamente, é de vez enquanto tirar a coroa do imperialismo,nao faz mal a ninguem…em portugal é tudo gente santinha…por isso é que continuamos a ser o que somos, e estamos onde estamos!
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Santos há muitos, alguns até postam neste blogue… Vejam as páginas amarelas tão cheias de Santos. Santos com pitoil cá é q’eu não encontrei nenhum.
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A foto é excelente; em primeiro plano captou o lustre, a fonte de luz, com lâmpadas eléctricas a imitar velas. Num segundo plano estão as velas, de cera, da mesa, erectas. Num terceiro plano obtido pelo contraste luz sombra, dos dois lados também num plano vertical estão os transfugas do museu de cera da Madame Tussaud. Destes não sai luz.
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