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Como se cria um boato

16 Dezembro, 2009

O i-online dá notícia da proibição, pelo Papa Bento XVI, do casamento entre católicos e não católicos. O pretexto da notícia é uma tradução, parcial e não oficial, em espanhol de uma tradução em italiano do texto original em Latim.

Na parte respeitante ao casamento, a notícia é falsa. O Papa não proibiu coisa nenhuma (nem proibiu nada que não fosse já proibido). O Código de Direito Canónico (CIC) previa o casamento entre católicos e o casamento entre um católico e um não católico (casamento misto), sujeitando-os, porém, a ritos e requisitos algo diversos. E continua a prever depois da decisão papal que fundamenta a notícia. A alteração do texto de várias normas, como se explica no texto papal (que, nesta parte, não aparece na tradução espanhola usada pelo i), visou apenas clarificar o regime aplicável aos casamentos em que intervenha alguém baptizado, mas que se tenha afastado da Igreja (relativamente aos quais havia dúvidas sobre se deveria, ser tratados como católicos ou como não católicos, para efeitos da determinação do rito e requisitos aplicáveis).

Os jornalistas não têm de saber latim, mas não custava muito, por exemplo, consultar o texto anterior das normas do CIC, para perceber o disparate do título.

Actualização: o boato já começou a reproduzir-se.

19 comentários leave one →
  1. Elisabete Joaquim's avatar
    16 Dezembro, 2009 17:30

    E, já agora, sabe em que sentido foram as dúvidas resolvidas? (que regime se aplica aos baptizados afastados da Igreja)
    Obrigada.

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  2. Carlos Loureiro's avatar
    16 Dezembro, 2009 17:49

    #1: Os baptizados afastados da Igreja ficam sujeitos ao mesmo regime que os demais baptizados. Se alguma coisa resulta destas alterações é a desvalorização do “desbaptismo” (o Papa parece não reconhecer a figura do “ex-católico”). Os casamentos mistos, porém, continuam a ser permitidos, tal como dantes. A única diferença é que um “ex-católico” baptizado que, por absurdo, queira casar-se catolicamente com um não católico, tem de pedir a tala licença especial, pois o casamento será considerado um casamento misto.

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  3. Gabriel Silva's avatar
    16 Dezembro, 2009 17:54

    Elisabete: não existe «regime de afastados da Igreja»: ou são baptizados e membros da Igreja, ou não.

    o canone 1086 dizia:

    «É inválido o matrimónio entre duas pessoas, uma das quais tenha sido baptizada na Igreja Católica ou nela recebida [e não a tenha abandonado por um acto formal] e outra não baptizada».

    tirou-se a parte: [e não a tenha abandonado por um acto formal] porque não acrescentava nada e criava confusão.

    Mantêm-se as formas de dispensa desse impedimento, isto é, continua ser possível o casamento de um católico com um não baptizado, em certas circunstancias.

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  4. Gabriel Silva's avatar
    16 Dezembro, 2009 17:59

    Já o canone 1124 dizia respeito ao casamento de um católico e outra pessoa baptizada, mas não pertença da igreja católica.
    Ou seja, daqueles cristãos que pertencem a igrejas «afastadas» da de Roma, mas a quem esta reconhece continuidade apóstolica, por exemplo os ordotoxos em que os sacramentos, nomeadamento baptismo são mutuamente reconhecidos.

    a alteração que se fez, foi a mesma e pelas mesmas razões.

    «O matrimónio entre duas pessoas baptizadas, das quais uma tenha sido baptizada na Igreja Católica ou nela recebida depois do baptismo [e que não tiver saído por acto formal], e outra pertencente a uma Igreja ou comunidade eclesial que não esteja em plena comunhão com a Igreja Católica, é proibido sem a licença expressa da autoridade competente”.

    retirando-se a parte entre []

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  5. Gabriel Silva's avatar
    16 Dezembro, 2009 18:02

    o terceiro canone alterado, o 1117, diz respeito aos casamentos urgentes, de onde igualmente se retirou a mesma expressão

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  6. Gabriel Silva's avatar
    16 Dezembro, 2009 18:21

    Carlos,

    «Se alguma coisa resulta destas alterações é a desvalorização do “desbaptismo” (o Papa parece não reconhecer a figura do “ex-católico”).»

    na verdade nunca há «desbaptismo» nem «ex-católico»s. O que pode suceder é a pessoa colocar-se numa situação de excomungado, nomeadamente por apostasia (negação formal de toda a fé). Mas os sacramentos nomeadamente baptismo não são invalidados. Por exemplo, caso essa pessoa se reconverta, não é novamente baptizada.

    «A única diferença é que um “ex-católico” baptizado que, por absurdo, queira casar-se catolicamente com um não católico, tem de pedir a tala licença especial, pois o casamento será considerado um casamento misto.»

    não é assim: um designado «ex-catolico» se excomungado, não pode realizar nenhum sacramento, portanto também não o casamento. Os canones referidos e suas dispensas não se aplicam (nem se aplicavam) nessa situação.

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  7. Elisabete Joaquim's avatar
    16 Dezembro, 2009 18:23

    Obrigada a ambos pelo esclarecimento e viva o jornalismo português.

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  8. Insatisfeito's avatar
    Insatisfeito permalink
    16 Dezembro, 2009 18:38

    Resumindo :

    Um recém nascido é baptizado para poder ficar isento do pecado original, como se fôsse uma vacina.

    Mas se mais tarde casar com um não baptizado a tal vacina já não surte efeito. Terá sido por mudança de virus ou será por receio de contaminação ?

    Cordialmente

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  9. rui a.'s avatar
    16 Dezembro, 2009 19:06

    Caro Gabriel,

    Parabéns, meu caro! Mas, com tanta teologia, o Blasfémias bem se arrisca a ter de mudar de nome…

    Abç.,

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  10. Desconhecida's avatar
    Joaquim Moreira permalink
    16 Dezembro, 2009 19:50

    Repito aqui o comentário que deixei noutro blog.

    A notícia do I é FALSA e revela, no mínimo, IGNORÂNCIA:

    1) Como se pode verificar através da simples comparação do cânon 1086 do Código de Direito Canónico antes e depois da alteração, o direito canónico JÁ CONSIDERAVA INVÁLIDO, por razoes óbvias a quem perceba alguma coisa de direito (canónico), um casamento entre um católico e um não baptizado.

    2) Para obstar a esta invalidade, havia que (e continua a ser assim) requerer DISPENSA à autoridade eclesiástica competente. Portanto, era e continua a ser possível a um católico e a um nao baptizado celebrar um casamento canonicamente válido.
    3) O Papa limitou-se a alterar a situação específica daqueles que se encontram numa situação de “defecção formal” (“actu formali ab ea defecerit”). Trata-se de casos que se verificam em alguns países da Europa Central com um sistema estatal de reconhecimento formal de pertença à Igreja, que inclui a correspondente possibilidade de desvinculação (formal). Nesses países, os católicos pagam um imposto adicional, recolhido pelo Estado, que depois entrega o dinheiro à Igreja.

    4) RAZAO DE SER da alteracao. Esta alteracao FAVORECE aqueles que, nos ditos países, se desvinculam da Igreja perante o Estado, com o objectivo de pagar menos impostos, mas que nao querem deixar de ser católicos. Assim, esclarece-se que estas pessoas nao deixam de ser católicos pelo simples facto de terem declarado perante o Estado nao serem católicos (porque apenas o fazem para nao serem obrigados a pagar mais impostos!). Isto é, estas pessoas não são consideradas “apóstatas”.
    É evidente que esta explicacao não consta, assim, do documento oficial, mas, em grande medida, parece-me ser esta a motivação desta parte do Motu Proprio (a outra parte sublinha a diferença entre os presbíteros e bispo, de um lado, que actuam “in persona Christi capitis”, e os diáconos, do outro, que “servem o povo de Deus” sem aquela particular qualidade).

    Joaquim Moreira

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  11. DesconfiandoSempre's avatar
    DesconfiandoSempre permalink
    16 Dezembro, 2009 20:04

    Elisabete
    Caso lhe subsistam dúvidas, no âmbito do Direito Canónico, sugiro-lhe este sítio:

    Click to access CodigodeDireitoCanonico.pdf

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  12. fado alexandrino's avatar
    16 Dezembro, 2009 20:43

    Vocês não têm emenda.
    Lá estragaram uma boa notícia que ainda agora na TVI teve direito de antena.
    E depois queixam-se que os jornais não se vendem.

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  13. Gabriel Silva's avatar
    Gabriel Silva permalink*
    16 Dezembro, 2009 21:10

    Rui (9),
    au contraire, mon cher, au contraire.
    a teologia ((e aqui era só direito canónico) é hoje uma verdadeira blasfémia

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  14. DesconfiandoSempre's avatar
    DesconfiandoSempre permalink
    16 Dezembro, 2009 21:37

    Confessa-te Gabriel.

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  15. DesconfiandoSempre's avatar
    DesconfiandoSempre permalink
    16 Dezembro, 2009 21:42

    É, mas o que a TVI apresentou não deu para ver a essência da “coisa”. O convidado andou por ali atrapalhado. Aqui é que a “coisa” é bem esmiuçada.

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  16. Vera Y Silva's avatar
    16 Dezembro, 2009 21:42

    Que excelente resumo do catolicismo actual: “O pretexto da notícia é uma tradução, parcial e não oficial, em espanhol de uma tradução em italiano do texto original em Latim”.
    Não é mau que seja assim. Quem me dera que em breve todas as religiões se tornem assim tão patéticas, pois qualquer religião é uma grande ilusão. Mas, como é óbvio, dizer “ilusão” (ou mesmo dizer “o ópio do povo) é um eufemismo – o que precisa de ser dito é isto: qualquer religião é uma grande merda! Todas fazem atentados, todas matam inocentes – a religião que consegue o maior número de vítimas vai variando de época para época, mas isso são meras moscas, pois a merda é de facto sempre a mesma.

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  17. Desconhecida's avatar
    João permalink
    16 Dezembro, 2009 22:53

    Vera Y Silva, generalize mais um bocadinho. Acho que não usou lugares comuns suficientes (e que por acaso se aplicam a qualquer ideia, sistema de pensamento, credo, etc.).

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  18. hajapachorra's avatar
    hajapachorra permalink
    17 Dezembro, 2009 00:15

    Os jornalistas não têm de saber latim nem porra nenhuma. Antigamente eram apenas ignorantes, agora também têm que ser estúpidos e não me perguntem exemplos… A única coisa que precisam de saber é abanar a cauda e ladrar à volta de quem lhe dá uns ossitos.

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  19. Desconhecida's avatar
    Tribunus permalink
    17 Dezembro, 2009 18:52

    mais uma palhaçada

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