Saltar para o conteúdo

O avanço civilizacional para nenhures*

21 Maio, 2010

Não era para ter sido assim. Em primeiro lugar a ficção do choque tecnológico e dos grandes investimentos públicos ainda devia estar de pé e o diploma a permitir o casamento entre duas pessoas do mesmo sexo seria uma espécie de terceiro pilar desse novo país: o pilar da alteração dos costumes. Por decreto e provavelmente contra a vontade do povo, mas isso não interessa, que o povo está cá é para pagar impostos. Em segundo lugar, o Presidente da República devia ter chumbado o diploma, o que logo soltaria muito convenientemente o fantasma do reaccionarismo e a hidra do preconceito. Mas não foi nada disso que aconteceu: quando o Presidente da República anunciou ao país que promulgava o diploma que permitirá o casamento entre duas pessoas do mesmo sexo, Portugal tinha passado a ocupar o 7.º lugar no top mundial de países em risco de bancarrota, sabia-se que o Governo ignorara os dados da DGCI sobre a colecta de impostos de 2009 e o Parlamento assumia-se como um lugar estranho cujas comissões recusam analisar o comportamento de um deputado que na biblioteca daquele mesmo Parlamento se apropriou dos gravadores de uns jornalistas que o entrevistavam e onde boa parte dos deputados tentam tudo por tudo para que não seja conhecido o conteúdo das conversas telefónicas mantidas pelo primeiro-ministro a propósito do negócio PT/TVI.

Menos de doze horas após ter sido aprovado, o avanço civilizacional já não era notícia. A única polémica que se mantinha era a das intenções de Cavaco Silva ao promulgar o diploma, sendo que os defensores do diploma enquanto avanço civilizacional se mostravam particularmente indignados com o Presidente. E têm razão para isso: em primeiro lugar porque Cavaco não se devia ter furtado a ser o bombo da indignação dos promotores do avanço civilizacional devendo para tal ter vetado o diploma e sobretudo, mas isso não o confessam, porque este diploma é um presente envenenado para os homossexuais e para o país. Aliás, se este diploma tivesse saído das mãos de um governo que não fosse do PS, acolitado para o efeito pelo BE (o PCP procura passar discreto nesta matéria porque o seu eleitorado é provavelmente o mais crítico a esta lei), ou seja, um governo que tem sob a sua alçada aquelas associações das causas fracturantes e das causas “assim assim”, haveria vigílias todos os dias, os artistas organizariam performances indignadas e até aquele barquinho que por cá apareceu no tempo do Governo de Durão Barroso sulcaria novamente as nossas águas agora engalado enquanto barco do amor para promover a bordo adopções por casais homossexuais. Como quem está no Governo é o PS, os homossexuais, a quem as respectivas associações reservaram o papel de folclóricos úteis na ficção do país progressista, ganharam um diploma que não resolve nada que a anterior legislação não acautelasse e que, para cúmulo, põe em causa a sua capacidade parental.

Quanto ao eleitorado de Cavaco Silva, esse deve ter suspirado de alívio com esta decisão presidencial pela prosaica razão de que fica embaraçado quando o chamam reaccionário. Embora saiba que seguidamente vai vir a questão da adopção pelos homossexuais homens e que a qualquer momento vai surgir o problema do registo dos filhos das lésbicas, o povo e não unicamente o do cavaquistão, gosta e precisa de acreditar que durante uns tempos vai ter umas breves tréguas dessas ondas de exaltação que, sob a forma de causas fracturantes, lhes varrem a vida e sobre as quais está implícito que apenas diga apoiado. Caso contrário, ou seja, quando o povo não cumpre o seu papel histórico de bater palminhas, as elites iluminadas resolvem a questão interpares mesmo que para tal a AR tenha de ignorar as mais de noventa mil assinaturas que pediam um referendo sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

O casamento entre os homossexuais desempenhou em 2010 o papel que há cem anos se reservou à perseguição aos jesuítas (por ironia, acusados pelos jacobinos da época de inúmeros “vícios” sexuais!) ou seja, acalentou-se a ficção de um país sempre em progresso, dividido entre os progressistas bons e os reaccionários maus. E onde o Governo e a Presidência da República só têm legitimidade e até impunidade se forem ocupados pelos que se dizem progressistas e que, à falta de governar, mantêm o país no constante frenesi do avanço civilizacional e consequente combate ao reaccionarismo. Esta girândola, qual carrossel enlouquecido, só se detém quando abruptamente a realidade se impõe e, olhando à volta, se percebe que só sobra a desolação de estarmos em nenhures. Foi isso que aconteceu na última segunda-feira.

*PÚBLICO

17 comentários leave one →
  1. tina permalink
    21 Maio, 2010 09:32

    Está tão verdadeiro este artigo. Parabéns.

    Gostar

  2. castanheira permalink
    21 Maio, 2010 09:46

    Um país fantastico este idealizado por socrates e um séquito enorme de seguidores , muitos deles parasitas .Pensaram tudo poder controlar e deles fazer depender tudo quanto mexe .
    Tudo falhou porque nunca conseguiram visualizar a realidade , mesmo quando ela já era clara como a água :
    1º ) Aqueles que criando riqueza são espezinhados com barreiras de toda a ordem impostas pelo poder socialista recuzam-se a continuar.
    2º ) Os credores reconhecendo o perigo recuzam-se a continuar a arriscar.

    O socialismo esquece-se sempre do fundamental , pois pensa ser a riqueza de geração espontãnea.E é por isso que sempre falhou e continuará a falhar.

    Gostar

  3. Ex defensor dos alemães permalink
    21 Maio, 2010 09:51

    Este pais está a ficar completamente descaracterizado.

    Gostar

  4. Colonizado permalink
    21 Maio, 2010 10:03

    Cavaco procedeu mal.Resignou-se.Lixou-se.Com o país na bancarrota, o povo em vias de ser descaracterizado para todo o sempre, de passar de capataz a obreiro da diferença a esmagadora classe política “interpretativa” limita-se a chular os eleitores e a multiplicar os lugares.Os contribuintes esses são albardados com extensas listas de modernidades que os vão aproximando do bairro social e do todos iguais, todos diferentes.Em Portugal ninguém tem espeinha direita, ninguém aparece a dar continuidade ao que fomos na história.É tudo traição, compadrio, roubo,engano.Como afundaram uma NAÇÃO vai ser o epitáfio destes FDP

    Gostar

  5. Colonizado permalink
    21 Maio, 2010 10:04

    Cavaco procedeu mal.Resignou-se.Lixou-se.Com o país na bancarrota, o povo em vias de ser descaracterizado para todo o sempre, de passar de capataz a obreiro da diferença a esmagadora classe política “interpretativa” limita-se a chular os eleitores e a multiplicar os lugares.Os contribuintes esses são albardados com extensas listas de modernidades que os vão aproximando do bairro social e do todos iguais, todos diferentes.Em Portugal ninguém tem espinha direita, ninguém aparece a dar continuidade ao que fomos na história.É tudo traição, compadrio, roubo,engano.Como afundaram uma NAÇÃO vai ser o epitáfio destes FDP

    Gostar

  6. luikki permalink
    21 Maio, 2010 10:14

    qual é exactamente o artigo da constituição que é violado pelo uso das escutas?

    Gostar

  7. Anónimo permalink
    21 Maio, 2010 10:14

    Factos que alteram um resultado eleitoral nas legislativas:

    -A campanha com Figo
    -Ocultação da gravidade do estado da economia
    -Aumentos salariais de 3% já em plena crise
    -Eliminação da divulgação de notícias incómodas pela TVI

    Se o país perante isto continua impávido e sereno, isto já não é exactamente uma democracia.
    Nem terá uma solução que não passe pela emigração em massa.

    Gostar

  8. Anónimo permalink
    21 Maio, 2010 10:18

    “qual é exactamente o artigo da constituição que é violado pelo uso das escutas?”

    Nenhum. Pelos vistos o tribunal de Aveiro até escreveu que as escutas podiam e deveriam ser utilizadas. Cavaco Silva quer estabilidade.

    Gostar

  9. anónimo permalink
    21 Maio, 2010 11:18

    a falta de assunto dã-lhe para fazer resumos das invenções e mentiras que vem publicando nos últimos anos. bora lá rever a coisa pia mais ò fripór.

    Gostar

  10. anónimo permalink
    21 Maio, 2010 11:20

    vá lá podia ter-lhe dado para convocar uma novena à porta da clínica dos arcos.

    Gostar

  11. LOL! permalink
    21 Maio, 2010 12:03

    WHAAAAAAA, WHAAAAAAAAAAA, WHAAAAAAAAAAA.

    É a isto que se resume este blog. Uma choradeira pegada dum bébé grande que quer à viva força agarrar-se aos e justificar preconceitos.

    Quer uma chucha?

    Gostar

  12. João Neto permalink
    21 Maio, 2010 12:10

    Muito bom.

    Gostar

  13. anónimo permalink
    21 Maio, 2010 12:58

    #7 – “Factos que alteram um resultado eleitoral nas legislativas”

    até parece que querem repetir as eleições, bora lá ó enfants de la patrie.

    Gostar

  14. Confianças e Censuras permalink
    21 Maio, 2010 14:43

    .
    tenho dado muitas caneladas ao Piscoiso.
    .
    Mas que José Socrates meteu no bolso a Oposição á sua direita, não à Direita lá isso é verdade. Está hoje de Parabens e afogou a hipocrisia à sua direita.
    .
    Quando ao PC/BE mobilizou ideias fortes em que a charneira de divisão com uma Direita Capitalista séria e humanista tem apenas uma divergência.
    .
    O Investimento, à Marxista/Capitalismo Selvagem/Coruupção no PS e no PSD é ESTADO, Invetimento Publico. Com tudo o que implica, a maior carga fiscal de todos os tempos em Portugal e a maior divida publica que alguma vez Portugal teve. Não longe, aliás bem perto, das teorias economicas e financeiras salazaristas mas em tempos bem diferentes que justificavam também atitudes diferentes designadamente cargas fiscais populares, divida externa zero e corrupçãozita despachada com um cartão de visita ‘está a precisar de férias’ o que significava que nunca mais seria alguém na vida.
    .
    O Investimento não marxista que aposta na criação de riqueza sustentada para pagar as dividas que fizeram a Portugal e resolver Portugal como um tecido Economico Lucrativo para rapidamente inverter o ciclo de encerramentos continuos das Empresas e o Desemprego imparàvel que as actuais politicas apenas agravam ainda mais.
    .
    Obviamente que TGV, Aeroporto e 3ª Ponte do Tejo são soluções de empenhados permanentes, carregados de dividas. Pede-se emprestado, mais em cima da divida monstruosa e desnecessãria, aumenta-se o PIB, automaticamente reduz o deficit sem mezer em nada, e aumenta a receita fiscal (45% do total do dinheiro emprestado para os TGV’s, Aeroportos e 3ª Ponte). Tudo é claro na actual ‘politica de dar os aneis à casa de penhores’. Depois alguém há-de pagar. O depois, somos ainda nós. Os nossos putos nem se fala. Estamos a desgraçá-los tal o amor que temos por eles.
    .
    É só.
    .
    Felizmente que internacionalmente já compreenderam que há muitos mais Portugueses para além daqueles Portugueses. Apenas um reparo de tristeza, é preciso mais uma vez serem os estrangeiros que vão meter o Poder em Portugal na ordem tal a arrogância e destempero dos que transitoriamente ocuparam totalitariamente o Poder em Portugal.
    .
    Boa Sorte. Nada de ódios. Isto é para se resolver.
    .

    .

    Gostar

  15. J.A. permalink
    21 Maio, 2010 14:58

    Bom artigo! Parabéns.

    Gostar

  16. 21 Maio, 2010 18:30

    Excelente como de costume.

    Gostar

  17. António Barreto permalink
    21 Maio, 2010 21:59

    Ora cá está uma das duas razões que aqui me traz de vez em quando: Helena Matos; gostei.

    Gostar

Indigne-se aqui.