Saltar para o conteúdo

Cavaco Silva: o candidato que só pode ser derrotado por ele próprio*

17 Dezembro, 2010

Desta vez Cavaco Silva candidata-se sobretudo contra si mesmo.  Com a campanha de Alegre transformada numa tragicomédia, a comissão política de Cavaco pode descansar em relação às estratégias dos outros quatro candidatos oficialmente existentes nesta campanha e dedicar-se ao sexto e mais perigoso adversário de Cavaco Silva nesta campanha, ou seja, ele mesmo. Porque aquilo que vai dar a medida da vitória de Cavaco é não tanto o número de votos que a 23 de Janeiro de 2011 terá a mais sobre Manuel Alegre, Francisco Lopes, Fernando Nobre ou Defensor Moura mas sim o número de votos a mais ou a menos que em Janeiro de 2011 obterá em relação aos 2.773.431 que ele mesmo conseguiu em 2006.
O grande desafio de Cavaco Silva nesta campanha é portanto certificar-se a si próprio e provar aos outros que a ele o poder não o desgasta na Presidência da República tal com não o desgastou  na chefia do Governo e que antes pelo contrário o reforça: de 1985 a 1991, o PSD liderado por Cavaco Silva foi governo. Nesse período o país foi três vezes a eleições e o PSD passou de 1.732.288 votos para 2.902.351. Na história da democracia portuguesa só um outro primeiro-ministro, Sá Carneiro, viu crescer o seu eleitorado duma eleição para a outra, mas não só o aumento do número de votos foi nesse caso bem menos expressivo como a segunda eleição ganha por Sá Carneiro, que teve lugar em Outubro de 1980, cavalgou a onda de vitória da primeira, que acontecera escassos meses antes, em Dezembro de 1979. Cavaco Silva, que é emocionalmente a antítese de Sá Carneiro, transformou enquanto líder do PSD as vitórias numa rotina laboriosa e com datas certas. Agora, enquanto recandidato presidencial, tem de provar novamente que esta sua estratégia ou mais correctamente esta sua maneira de ser permite continuar a ganhar eleições.
Mas este é um exercício arriscado e provavelmente o que de mais arriscado espera Cavaco Silva nestas eleições. Em primeiro lugar porque estamos num clima de crise. E se a crise não predispõe os cautelosos portugueses a arriscarem votar em candidatos que surgem como menos preparados, como são os casos de Manuel Alegre e de Fernando Nobre, também pode ser mais do que q.b. para fazer aumentar o número dos que não votam. E para azar de Cavaco Silva o espectro dos abstencionistas paira sobre a reeleição presidencial desde aqueles terríficos 50,29% de abstenção registados em 2001 na reeleição de Jorge Sampaio e que terão contribuído para que o antecessor de Cavaco Silva em Belém tenha sido até agora o único Presidente da República da democracia a ter perdido votos na reeleição: eleito em 1996 com 3.035.056 votos, Sampaio só obteria 2.401.015 em 2001. (Note-se que tal não sucedera com Ramalho Eanes, que foi eleito em 1976 com 2.967.137 e reeleito em 1980 com 3.262.520 votos, e muito menos com Mário Soares, que chegou a Belém em 1986 com 3.010.756 e que conseguiu na sua reeleição, em 1990, uma espécie de entronização ao obter 3.459.521 votos.) Perder votos na reeleição, como aconteceu a Jorge Sampaio, é algo que o orgulhoso Cavaco Silva não gostará que lhe aconteça, tanto mais que sabe que tal não deixará de lhe ser lembrado por aqueles que começaram por considerá-lo um forasteiro na política e que viram na sua entrada em Belém uma espécie de afronta pessoal.
À partida Cavaco sabe que o seu nome é suficiente para que pelo menos dois milhões e meio de portugueses saiam de casa para votar nele. Porquê dois milhões e meio? Porque foi esse o número de votos que teve da primeira vez que se candidatou à Presidência da República, nesse já longínquo ano de 1996. E em que perdeu. É preciso ter em conta que em Cavaco não há excessos: na sua maior derrota teve 2.595.131 votos. Na sua vitória mais importante,  a sua eleição como Presidente da República em 2006, teve pouco mais: 2.773.431. Foi por uma unha negra, dizem. Mas é não só arriscar na unha negra mas acertar com ela que em política distingue os líderes dos outros. E Cavaco Silva que é provavelmente um dos mais hábeis dos políticos portugueses das últimas décadas arriscou a sua unha negra sempre que foi necessário.
Estudar o percurso de Cavaco Silva é essencial para quem queira fazer política em Portugal. Aliás se os seus detractores o tivessem valorizado mais talvez não o tivessem ajudado tanto. Afinal, a fiarmo-nos nos jornais e em boa parte da opinião produzida, “o Cavaco” não tinha jeito para a política, nunca fez um discurso brilhante e também não há registo que tenha derrotado os adversários nos debates. Muito menos se consegue encontrar uma decisão sua que no momento em que foi tomada tivesse colhido grande simpatia.
Durante anos, Cavaco foi apresentado como o homem que a rodagem de um carro tornara uma espécie de líder acidental e sem pedigree. No início este retrato diminutivo e depreciativo das suas capacidades políticas serviu aos seus opositores para o diminuírem. Mas Cavaco soube tirar partido deste estereótipo sobranceiro da sua pessoa e ao acrescentar-lhe os detalhes da infância modesta, da competência técnica e duma honestidade proverbial criou um imaginário em torno de si a que politicamente os portugueses não só aderem como se tornou imune ao que dele dizem. E isso numa campanha eleitoral não é suficiente para ganhar mas é uma enorme ajuda.

*PÚBLICO (adaptado)

17 comentários leave one →
  1. Pi-Erre permalink
    17 Dezembro, 2010 10:52

    “E se a crise não predispõe os cautelosos portugueses a arriscarem votar em candidatos que surgem como menos preparados…”

    .
    Quem melhor explica estes fenómenos é o psicólogo Daniel Kahneman (prémio Nobel de Economia (!) em 2002)

    Gostar

  2. 17 Dezembro, 2010 11:49

    Quem vota Cavaco, que se aqueça com ele.

    Gostar

  3. 17 Dezembro, 2010 12:23

    “Durante anos, Cavaco foi apresentado como o homem que a rodagem de um carro tornara uma espécie de líder acidental e sem pedigree.”

    A mim dá-me a ideia que é exactamente o oposto – o Cavaco e os seus apoiantes é que cultivaram a imagem de um politico acidental, e os seus detractores é que diziam que ele era tão politico como os outros e que essa história da rodagem do carro e afins era tudo encenação.

    Gostar

  4. 17 Dezembro, 2010 12:27

    E, já agora, porque é que o filho de um dos principais empresários da sua zona (o Teodoro Silva, além de dono de uma bomba de gasolina e de uma fábrica de frutos secos, era um dos principais comerciantes de frutos secos do barrocal algarvio) é constantemente referido como tendo uma “infância humilde”?

    Gostar

  5. certo permalink
    17 Dezembro, 2010 12:51

    Só ele próprio, diz bem, porém, é certo que condecorou uns pides.

    Gostar

  6. ti miguel antonio permalink
    17 Dezembro, 2010 12:58

    como social-democrata, católico e português produtivo vou votar anulando a meu boletim de voto com a seguinte inscrição “é tempo de escolher outro regime; a monarquia”
    o senhor silva é só o maior hipócrita politico das ultimas décadas em conjunto com os ex.presidentes.

    Gostar

  7. Carlos Dias permalink
    17 Dezembro, 2010 16:51

    Presidente da República?
    Para quê?
    Para influênciar, dar recados ao governo,etc? Temos a União Europeia.
    Que pelos vistos funciona melhor.

    Gostar

  8. FGCosta permalink
    17 Dezembro, 2010 17:30

    Ontem, por distracção minha, ouvi um bocadinho de um programa de TV em que estavam a falar o Dr Manuel Alegre e, soube pela jornalista, o Dr. Defensor de Moura.
    Não sei se mais alguém viu o tal programa, mas nos 2 ou 3 minutos em que olhei para lá, ouvi uma afirmação esclarecedora do Manuel Alegre: “votei sempre contra todas as revisões constitucionais”.
    Quer dizer: se daqui a 5 anos Manuel Alegre fosse eleito PR, teríamos um presidente a jurar uma constituição contra a qual votou, e que, pela lógica, defenderia o que estava escrito na primeira constituição após o 25 de Abril, por exemplo:

    ARTIGO 1.°
    (República Portuguesa)

    Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na sua transformação numa sociedade sem classes.
    ARTIGO 2.°
    (Estado democrático e transição para o socialismo)

    A República Portuguesa é um Estado democrático, ….., que tem por objectivo assegurar a transição para o socialismo mediante a criação de condições para o exercício democrático do poder pelas classes trabalhadoras.
    ARTIGO 3.°
    (Soberania e legalidade)


    2. O Movimento das Forças Armadas, como garante das conquistas democráticas e do processo revolucionário, participa, em aliança com o povo, no exercício da soberania, nos termos da Constituição.

    ARTIGO 9.°
    (Tarefas fundamentais do Estado)

    São tarefas fundamentais do Estado:

    c) Socializar os meios de produção e a riqueza, através de formas adequadas às características do presente período histórico, criar as condições que permitam promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo, especialmente das classes trabalhadoras, e abolir a exploração e a opressão do homem pelo homem.
    ARTIGO 10.°
    (Processo revolucionário)

    1. A aliança entre o Movimento das Forças Armadas e os partidos e organizações democráticos assegura o desenvolvimento pacífico do processo revolucionário.
    2. O desenvolvimento do processo revolucionário impõe, no plano económico, a apropriação colectiva dos principais meios de produção.

    Fernando Gomes da Costa

    Gostar

  9. aix permalink
    17 Dezembro, 2010 17:35

    Já em 1978 o Nobel de Economia fora atribuido ao Psicólogo Herbert Simon. Assim os psicólogos têm agora um amplo campo de estudo dos comportamentos (des)humanos das crises provocadas e sofridas. O Cavaco que se rodeie.

    Gostar

  10. licas permalink
    17 Dezembro, 2010 17:51

    Ó FGCosta ACORDA PÁ: ESSAS COISATAS era quando o Mestre Cunhal punha o
    boneco articulado do Vasco Gonçalves a esbracejar e o Gonçalvismo levava tudo
    AVANTE, CAMARADA. Vai muito tempo já: ainda não tinha morrido o STALINISMO
    na Europa do Leste. O QUE TU FOSTE BUSCAR ,
    ACORDAS MESMO?!!!

    Gostar

  11. Arlindo da Costa permalink
    17 Dezembro, 2010 21:00

    A REELEIÇÃO DE CAVACO SERÁ UMA TRAGÉDIA PARA A dIREITA PORTUGUESA.

    Gostar

  12. Zegna permalink
    17 Dezembro, 2010 23:57

    Todos os candidatos são lixo organico.
    VOTAR EM BRANCO é simplesmente a eficacia democrática.
    VOTA EM BRANCO.

    Gostar

  13. Portela Menos 1 permalink
    18 Dezembro, 2010 01:09

    Jerónimo Martins distribui 131,9 milhões de euros por accionistas
    A Jerónimo Martins, de cujo Conselho de Administração fazem parte o director de campanha de Cavaco Silva e o antigo vice-presidente do PSD, distribui este ano 131,9 milhões de euros pelos seus accionistas, fugindo assim às regras de tributação que entram em vigor em 2011.

    Gostar

  14. Nuno permalink
    18 Dezembro, 2010 03:34

    Gostaria de ouvir o funcionário público mais bem pago, aquele que é um bimbo do Algarve e dali de Boliqueime – dizem que é professor universitário de economia e finanças – e que exerce, nem mais, o cargo de presidente desta republiqueta, goataria de o ouvir explicar o que aconreceria assim tão mau se não se tivesse aprovado o “orçamento” que tanto se discutiu e que não vale um peido…

    Gostar

  15. 18 Dezembro, 2010 11:33

    Achei piada ao “estereótipo sobranceiro”, como se neste caso, houvesse algum estereótipo. O homem sempre fez política sorrateira, encheu o aparelho de Estado com o lixo que lhe anda sempre apenso e é por isso mesmo, detestável. Má política, mau exemplo. Quanto ao imaginário das tais proverbiais coisas de que a Helena fala, não passa disso mesmo: imaginário.
    Por isso mesmo, sendo inimigo da república e querendo vê-la rapidamente extinta, não voto. Mais de 51% de abstenções seria o suficiente contentar a minha insignificância. “Isto” não é a Sérvia, pois ali, nos Balcãs, o quorum eleitoral deve ser sempre superior aos 50%+1, caso contrário, a eleição é inválida. Por cá, ainda verei o “grande homem” da “4ª república” eleito por si, pela Dona Doutora Maria, pela menina Patrícia, menino Cavaco Júnior, loureiors e Comp. e pelos circundantes lambe-botas da blogosfera, quiçá à espera de uma acessória assessoria.

    Gostar

  16. J. Madeira permalink
    18 Dezembro, 2010 17:53

    Quem viu a dificuldade de Cavaco Silva face a Fernando Nobre, entendeu o desperdício que é
    fazer eleições directas para a eleição do P.R. e mais, é urgente mudar o regime!
    Talvez um Presidente saido da sociedade cívil, tenha uma interpretação diferente dos poderes
    do P.R. e, chegada a altura, dê um murro na mesa, dissolva a A.R., faça um referendo a nova
    Constituição, e inaugure a IV República!

    Gostar

  17. POLITÓLOGO permalink
    18 Dezembro, 2010 18:18

    Ao contrário do que aqui parece ser dito , o problema de C.S. é ter ou não ter mais votos do que o total de votos dos restantes 4 candidatos. Por exemplo,
    com 6(M.A.)+5(F.L.)+4(F.N.)+1(D.M.)+brancos+nulos = 16
    e C.S. com 17 ou mais , C.S. ganha à 1ª volta .
    Diferente é apesar de ter mais votos do que qualquer candidato , não obstante , não ganhar à 1ª volta …Por exemplo , com 6(M.A.)+5(F.L.)+4(F.N.)+1(D.M.)+
    brancos+nulos=16 , C.S. com 7 , não obstante , não ganha à 1ª volta , e vai à 2º volta com M.A. .
    Assim é a “matemática” eleitoral…
    Também não parece que o problema seja C.S. ter mais ou menos votos do que aqueles que C.S. teve em 2006 , seja 2.773.431 , onde aliás apenas ganhou por uma “unha negra” logo à 1ª volta !…
    Não sabemos se ganharia numa 2ª volta … Aquilo seria parcialmente
    verdade se a abstenção fosse agora a mesma quer em numero quer em conteudo (38,47%) o que é pouco provável .
    Pode até ter mais votos do que em 2006 e não ganhar à 1ª volta …E na 2ª volta logo se verá …
    Ao contrário do que aqui parece ser dito , C.S. ficou desgastado com a sua “desgovernação” .
    Aliás , pessima governação para os iluminados . Para o comum dos “mortais” padecidos de iliteracia económico-financeira e congénita alergia a “numeros”,
    C.S. é um MITO , não obstante , filho de capitalista , mas humilde povo… ; ar de honesto com titubeante dialogo desonesto ; alardear competência quando
    alguns iluminados dizem o contrário . Um Mito sem duvida , como todos os mitos , dificil de vencer … E desgastado , sim , dai em 1996 ter sido logo derrotado à 1ª volta por
    Jorge Sampaio com 3.035.056 votos e C.S. apenas com
    2.595.131 votos e onde a abstenção foi apenas de 33,71%
    o que significa menos abstenção não é garantia de vitória para C.S. .
    E C.S. só não ficou desgastado durante o periodo
    em que criminosamente convenceu os portugueses de que eram ricos.
    O resultado está à vista e ninguem lhe pede “contas” !…
    Será que os portugueses têm medo dos “cangalheiros” ? Para o funeral só nos falta um “padre” …
    Podem verificar-se os seguintes pressupostos , com desvios pouco significativos .
    CDS+PSD = (C.S.) ; BE+PS = (M.A.) ; PC = (F.L.)
    Descontentes(C.S.+M.A.) = (F.N.) ?
    Qual ABSTENÇÃO ? Votos C.S. 1996 33,71 % 2.595.131 46,09 %
    2006 38,47 % 2.773.431 50,50 %
    1996 …………. Maioria Esquerda 53,91 %
    2006 …………. Maioria Esquerda 49,50 %
    Tudo depende não só do numero e conteudo da abstenção como também do total de votos brancos e nulos. E numa possivel hipotese de uma 2ª volta, o PC estará de novo disposto a engolir o sapo ?
    Enfim , C.S. poderá provar que em Portugal já não existe uma “esquerda” significativa ? Mas os conselheiros de C.S. sabem que mais de metade dos portugueses não está com C.S. . Será que estes também vão engolir o sapo ?
    Mas também parecer um absurdo a “esquerda” não querer M.A. !!! Para “malhar” , não tendo “ferro” , preferem “madeira” mesmo em “cavacos” …
    http://sites.google.com/site/cavaquismolusitano/

    vd. Anexos

    Gostar

Indigne-se aqui.