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Sobre as indemnizações e flexibilidade laboral

30 Janeiro, 2011

Já aqui tinha dito que em Portugal quando as coisas não funcionam há sempre ideias paras as tornar piores. Nós temos um determinado mercado laboral com determinadas regras. As regras dificultam o despedimento individual, obrigam a uma determinada indemnização em caso de despedimento, proíbem contratos a prazo por mais de 3 anos consecutivos, impõem salário mínimo, limite de horas de trabalho etc. Como o capitalismo não dorme, existe toda uma indústria empenhada em contornar cada uma destas inflexibilidades baseada em trabalho temporário, trabalho independente, externalização de serviços, trabalho informal, horas extraordinárias não pagas, automatização de serviços, prémios de desempenho e salários mais baixos.

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Desde que o salário possa ser ajustado para baixo (ou o horário de trabalho para cima), todas as inflexibilidades são geriveis. As indemnizações em caso de despedimento são geriveis porque basta compensar no salário. A excepção são os trabalhadores que ganham salários próximos do mínimo. Nesse caso, a única forma de gerir é não contratar.

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As indemnizações são ainda uma componente natural de um mercado de trabalho flexível. Se não existissem, emergiriam naturalmente na economia pelo simples facto que são vantajosas para ambas as partes. As indemnizações reforçam as relações de confiança entre empregadores e empregados. Para os empregadores são uma boa forma de convencer o trabalhador que a relação de trabalho tem boas probabilidades de ser duradoura. Para o trabalhador sã o  uma garantia de que, caso a relação laboral não seja duradoura, haverá sempre uma compensação para o risco de assumir o contrato (abandonando eventualmente outro emprego). É, aliás, ridículo que se apresente a redução das indemnizações como uma forma de flexibilizar o mercado de trabalho. A redução das indemnizações torna mais arriscada qualquer mudança de emprego de uma empresa que se conhece bem para outra que se conhece mal. A indemnização é ainda uma alternativa muito mais flexível ao subsídio de desemprego. Em vez de ser reduzida devia ser aumentada substituindo completamente o subsídio de desemprego. Acresce a isto que a redução das indemnizações muda as regras sem mudar as percepções, o que implica que andará muita gente enganada e a negociar salários de forma errada durante muito tempo.

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Tendo em conta que a maior parte das inflexibilidades são geríveis, é um erro dizer-se que toda inflexibilidade causa desemprego. Umas causam, outras não. As que são geríveis não causam desemprego. Por exemplo, a proibição do despedimento individual não gera desemprego porque é gerível. Pode-se  compensar a essa inflexibilidade através da contratação a salários mais baixos ou através da subcontratação.  O que esta inflexibilidade gera é atrito na economia e segregação social. O atrito paga-se com salários mais baixos, a segregação gera uma sociedade de estáveis e flexíveis. Claro que as inflexibilidades que são muito difíceis de gerir, como o  salário mínimo obrigatório, geram desemprego. As indemnizações nem sequer são uma grande inflexibilidade, dado que são uma componente natural de um mercado flexibilizado. A única inflexibilidade está na fixação por decreto da relação entre o valor da indemnização e o salário mensal. Não é uma grande inflexibilidade porque o salário mensal é negociável.

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Algumas propostas de reforma do sistema actual devem ser vistas com desconfiança. Sobretudo se tivermos em conta que se realizaram milhões de contratos com base nas lei laborais em vigor. Se a alteração às indemnizações tivesse impacto nos contratos em vigor, isso implicaria uma alteração dos contratos de trabalho sem o consentimento das partes. Contratos que foram negociados tendo em conta preços de mercado que implicitamente reflectem indemnizações a 30 dias passariam a implicar o direito a indemnizações de apenas 15 dias.

 

16 comentários leave one →
  1. Bulimunda permalink
    30 Janeiro, 2011 13:46

    Basta este..

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  2. Bulimunda permalink
    30 Janeiro, 2011 13:47

    Porque a verdade…
    O motor principal e fundamental no homem, bem como nos animais, é o egoísmo, ou seja, o impulso à existência e ao bem-estar. […] Na verdade, tanto nos animais quanto nos seres humanos, o egoísmo chega a ser idêntico, pois em ambos une-se perfeitamente ao seu âmago e à sua essência.
    Desse modo, todas as acções dos homens e dos animais surgem, em regra, do egoísmo, e a ele também se atribui sempre a tentativa de explicar uma determinada acção. Nas suas acções baseia-se também, em geral, o cálculo de todos os meios pelos quais procura-se dirigir os seres humanos a um objectivo. Por natureza, o egoísmo é ilimitado: o homem quer conservar a sua existência utilizando qualquer meio ao seu alcance, quer ficar totalmente livre das dores que também incluem a falta e a privação, quer a maior quantidade possível de bem-estar e todo o prazer de que for capaz, e chega até mesmo a tentar desenvolver em si mesmo, quando possível, novas capacidades de deleite. Tudo o que se opõe ao ímpeto do seu egoísmo provoca o seu mau humor, a sua ira e o seu ódio: ele tentará aniquilá-lo como a um inimigo. Quer possivelmente desfrutar de tudo e possuir tudo; mas, como isso é impossível, quer, pelo menos, dominar tudo: “Tudo para mim e nada para os outros” é o seu lema. O egoísmo é gigantesco: ele rege o mundo.

    Arthur Schopenhauer

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  3. 30 Janeiro, 2011 14:16

    É como diz, João Miranda: há sempre maneira de pôr tudo pior do que está.
    Não tem sido outra, aliás, a “filosofia” do socretinismo. Com os resultados que se conhecem.

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  4. Ricciardi permalink
    30 Janeiro, 2011 15:30

    Concordo Bulimunda. O egoismo individual como um instinto que nos impele à sobrevivência, como os animais. No entanto, o ser humano é (ligeiramente diferente) dos animais. Desde logo por que tem consciencia de si próprio e dos seus actos. Congrega-se em sociedades que se regem por determinados principios ou valores. O egoísmo de que fala, em sociedade, foi limitado pela vivencia de uns com os outros e pelo principio acção vs reacçaõ e finalmente pelas leis que interpretam o modo de relacionamento entre todos inspirado na vivencia.
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    Ora, se na selva um leão expulsa um outro com a pata partida condenado-o inevitavelmente à morte por não servir à defesa do grupo, nas sociedades humanas os mais fracos não são de factro expulso ou mortos, pelo menos, enquanto os puristas liberais não tomarem as redeas do poder.
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    Isto significa que o ser humano tem uma coisa muito importante que os animais não tem, o bom senso. E o bom senso é tambem ter em conta, não só o nosso individualismo, mas tambem o respeito e consideração que os outros nos merecem.
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    Dir-me-á que o mundo é competitivo e não se compadesse com humanidades. Contra factos não há argumentos. Temos de saber viver. Mas saber viver é também alcançar mais longe o impacto de medidas que alguns só enxergam ao perto.
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    O modelo que tenho visto por aqui ser defendido, não é um modelo de desenvolvimento centrado no bem-estar futuro das pessoas. Não. É um modelo reactivo por imitição do que não é imitavel. Não nos podemos abstrair, quando pensamos em economia, que aquelas pessoas são o produto de uma cultura e educação ao longo de seculos. Isto não se muda de imediato como alguns Imitadores pretendem. Nem sei se é bom mudar algumas coisas.
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    No mundo, podemos arranjar exemplo de tudo e do seu contrario. O que funciona bem em Portugal, não funciona em Inglaterra e vice-versa.
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    A questão do salario minimo é uma discussão absurda. Absurda porque a esmagadora maioria dos paises o tem. E portanto, em concorrencia, não se pode dizer que a existencia de uma salario minimo aporte menos competitividade. Afinal de contas todos o tem. As condições são iguais a esse nivel. Talvez a China não tenha, nem o Paquistão, ou afeganistão…
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    Mais a mais sabendo-se que essas empresas que recorrem fortemente ao Salario Minimo não são empresas que nos interessem ter. Com esses salarios são necessariamente empresas que concorrem no preço. E nós precisamos é de concorrer no valor e na diferenciação.

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    RB

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  5. Ricciardi permalink
    30 Janeiro, 2011 15:40

    Mas tudo tem o seu tempo. Essas empresas acabarão por morrer. Não as podemos matar já porque muitos ainda dependem das migalhas que de lá pingam. Mal por mal, migalha a migalha, sempre deve dar para sobreviverem. Mas o tempo e uma politica que não motive industrias assentes no preço de mão-de-obra barata, com suavidade e bom senso, acabará por finalmente, mudar a mentalidade das pessoas em Portugal.
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    Perceber que a formação, a educação, a inovação constante nos negocios, a diferenciação nos produtos, o valor do conhecimento, a marca, são pontos que não se compadessem com politicas que apostem e fomentem o baixo custo salarial.
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    A unica questão que merece ser discutida com seriedade é a do despedimento. Devia ser mais flexivel. Com cautelas, mas mais flexivel. Não é possivel recuperar uma empresa se não podemos reduzir alguns custos.
    .
    RB

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  6. António Parente permalink
    30 Janeiro, 2011 15:43

    O despedimento individual não é proibido. O actual código do trabalho permite-o em três situações: por inadaptação, por extinção do posto de trabalho e por justa causa. Neste último caso estão contempladas todas as possíveis situações que deterioram a relação entre empregado e empregador. O que não está previsto no actual código de trabalho é o célebre “you are fired” dos filmes e séries americanas.
    Em Portugal, as mudanças das leis laborais têm de ser antecedidas por uma revolução das mentalidades. Sem isso, podem ter efeitos perversos como por exemplo aumentar os fluxos migratórios: com leis laborais iguais e livre circulação de trabalhadores é preferível trabalhar num país como a Finlândia e ter um salário muito superior do que trabalhar em Portugal. Se agora são as novas gerações que vão embora depois os mais velhos acompanham-nos porque noutros países não existe a barreira cultural de julgar velhos os que têm mais de 35 anos. O João Miranda arrisca-se, com a mudança das leis laborais, a internacionalizar o seu blog: os leitores passarão a vir de toda a Europa e uma minoria de Portugal.

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  7. Ricciardi permalink
    30 Janeiro, 2011 15:51

    Da mesma forma que não é admissivel não poder substituir um funcionario negligente por outro mais competente e empenhado provavelmente no desemprego. A meritocracia tem muito a ver com a questão do despedimento. No entanto é necessario precaver os abusos (que derivam do tal egoismo que se falava). Quando há muito desemprego ou procuradores de trabalho, estes, enfim, sujeitam-se a quase tudo para obter um trabalho. É natural que os empresarios, nessas alturas, pensem em trocar pessoal por outros mais baratos. Mesmo em profissoes mais tecnicas isso já acontece. Os bancarios com salarios mais altos estão a ser substituidos lapidarmente por pessoas doutoradas ou mestres que se sujeitam a ganhar metade. A sobevivencia a isso obriga. Compreendo todas as partes, e é dificil resolver isto, no entanto o estado deve regular estes assuntos com bom senso se perceber que o que está em causa nas trocas de trabalhadores não é o mérito mas antes a oportunidade da crise que gerou uma oferta de trabalhadores superior à procura.
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    E nestas ocasiões o estado deve, além do que atras disse, fomentar o empreendedorismo privado, nomeadamente na fiscalidade, pois só assim poderá novamente equilibrar a oferta e procura no mercado de trabalho.
    .
    RB

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  8. Jofre permalink
    30 Janeiro, 2011 16:11

    Para o pensador:
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    Quem são as partes interessadas na nova modalidade de indemnização? Os socretinos…?
    Vá dar banho ao cachorro!

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  9. PMP permalink
    30 Janeiro, 2011 16:23

    Concordo com muito do que está escrito neste artigo, excepto a afirmação de que a existência deste valor de salário mínimo provoca desemprego com valor significativo a médio e longo prazo.
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    A razão da existência de elevado desemprego prende-se com a incapacidade da nossa economia em exportar ou diminuir as importações.
    Neste momento os sectores financeiro, imobiliário, comercio e serviços não podem criar emprego devido a que o consumo interno está estagnado.
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    Verifica-se que as empresas exportadoras continuam em agregado a destruir emprego.
    Não existem nenhuns indicadores que mostrem que as empresas exportadoras não contratam devido ao valor do salário mínimo, até porque algumas delas dizem que não encontram trabalhadores disponiveis, pagando um pouco acima do salário minimo.
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  10. 30 Janeiro, 2011 18:13

    Ok, Jofre, eu vou dar banho ao cachorro e você vai comer onde comem as galinhas, como é seu costume, pelos vistos.

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  11. Fincapé permalink
    30 Janeiro, 2011 18:30

    João Miranda costuma demonstrar muita lucidez e normalmente aprecio o que escreve. Mesmo quando discordo vejo nos seus textos a seriedade que não encontro noutros.
    Este texto é um bom exemplo daquilo que acabo de dizer.

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  12. Jofre permalink
    30 Janeiro, 2011 18:46

    Pró Pensador:
    Você fala na comida que é do seu agrado.
    Que lhe faça bom proveito!

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  13. 30 Janeiro, 2011 19:45

    Pois, diz-me dessas…

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  14. J. Alves permalink
    30 Janeiro, 2011 21:20

    Um mecanismo de gestão, que JM não referiu, para a inflexibilidade Salario Minimo, é a contratação a (alegado) tempo parcial, com salário abaixo do SMN, amplamente usada por ex. em alguns grupos empresariais de distribuição alimentar …

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  15. Manuel Campos permalink
    30 Janeiro, 2011 23:40

    Uma das postas mais interessantes dos últimos tempos

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  16. Lima permalink
    1 Fevereiro, 2011 20:24

    Estas indemnizações e flexibilidade vão funcionar para os funconários publicos? Se vão começe-mos já pelos deputados , funcionários da justiça …….e afins.
    Basta o poder economico abrir os cordões á bolsa para as campanhas politicas e as seus pedidos são aceites……..Quanto mamou o PSD e o PS com as estas presidênciais? e quanto vai mamar quando a lei for aplicada? ………Coelho para o poleiro……..faz favor.

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