Saltar para o conteúdo

Abriu a caça aos ricos. Suspeito que os pobres é que vão sofrer

2 Setembro, 2011
by

É fácil, é popular e, dizem, dá milhões. Há crise? Paguem os ricos. Durante dias a fio fomos ouvindo a cantilena – aumente-se a taxa de IRS paga pelos mais ricos, como em França; aumente-se o IRC para quem tem milhões de lucro; exproprie-se uma parte das grandes fortunas; taxem-se as heranças e as deduções – e tudo ficará mais fácil para os pobres. Ou até para os remediados.

Anteontem o governo fez parcialmente a vontade a este coro de carpideiras. E se em França o imposto pago pelos ricos deles (mais de 500 mil euros/ano) passou de 41 para 44 por cento, em Portugal os nossos “ricos” (mais de 150 mil euros/ano) terão de pagar 49 por cento. Pior: os rendimentos acima dos 50 mil euros/ano serão todos penalizados com uma taxa de 2,5 por cento. Mesmo assim este “imposto de solidariedade” não renderá mais do que uns meros 100 milhões de euros, uma pequena gota no oceano dos quase 10 mil milhões que vale o IRS.

Seria irónico se não fosse trágico: mesmo penalizando fortemente muitos portugueses que só por ironia podem ser considerados “ricos” – todos os que têm rendimentos acima dos 50 mil euros –, o que se consegue de receita fiscal não dá para a cova de um dente. Os cálculos existentes relativamente às outras propostas destinadas a fazerem “os ricos pagarem a crise” produziriam receitas igualmente pífias, o que nos conduz a uma inevitável conclusão: num país pobre de gente remediada, se faltam magnates na indústria ou nos serviços e se rareiam as grandes empresas, os impostos lixam sempre o mexilhão. Por isso, quando se pede ao Estado para não aumentar o número de crianças nas creches, ou para não deixar 37 mil professores sem colocação, ou para não prolongar o congelamento salarial na Função Pública, ou para dar aos polícias as carreiras que eles querem, ou para subsidiar mais os passes nos transportes públicos, está-se sempre a querer carregar no bolso dos mesmos: os remediados que asseguram o grosso das receitas fiscais. Porque, é bom não esquecer, não há dinheiro público, há apenas dinheiro dos contribuintes.

 

Dir-se-á: mas carregar um pouco nos desafogados, nos quase-ricos e nos super-ricos é uma forma de equidade fiscal. Duvido. E duvido porque mesmo antes destas mudanças o nosso sistema fiscal já era altamente progressivo. Em Portugal apenas cinco por cento dos contribuintes pagam 60 por cento do IRS. Teríamos um sistema mais equitativo se estes passarem a pagar 63 ou 64 por cento? Não, seria antes triste consolo próprio de um país atrasado e pouco ambicioso.

Taxar os mais ricos tem, contudo, uma vantagem: cria a ilusão de de que se castigam os poderosos. Isto é, cumpre um objectivo político. Aplaca a ira dos deserdados que exigem ver algumas vítimas atiradas à arena. É por isso que oposição, Governo e Presidente rivalizam nas suas propostas anti-ricos.

Contudo taxar os ricos tem muitos inconvenientes. O primeiro e mais importante de todos é que cria a ilusão de que o Estado pode continuar a viver acima das suas possibilidades se for buscar os tais impostos extra que “é justo” ir buscar. Ora é tempo de perceber que cada euro a mais que se cobra em impostos tende a ser um euro a menos na economia produtiva, e que mais do que taxar os ricos, o desejável é que os ricos criem mais riqueza, invistam em novos negócios e em mais empregos, sejam capazes de criar produtor inovadores e concorrenciais. É para isso que queremos os ricos, e felizmente é isso que a maior parte deles fazem.

Alguns dos novos impostos que têm vindo a ser propostos poderiam mesmo ter um efeito contraproducente. O país – e não só o Estado – está literalmente sem dinheiro. Algumas das famílias que aparecem nas listas das mais ricas já estão a hipotecar o seu património pessoal porque as hipotecas das acções das suas empresas deixaram de cobrir os empréstimos que pediram para investimentos em curso. Entre os “super-ricos” há quem esteja mais próximo da falência do que da glória. É também por isso que as próximas privatizações deverão ir todas para estrangeiros, porque em Portugal falta liquidez. Neste ambiente agravar os impostos sobre o capital, taxar os patrimónios (e não apenas os rendimentos) e desincentivar a poupança que se passa de pais para filhos não é apenas mesquinho: é suicidário.

 

Claro que há ainda outra perspectiva: a de que os ricos são, por natureza, usurpadores. Que, por regra, fazem batota. E que só são ricos porque exploram os pobres, roubam o Estado e usurpam recursos públicos. Não são, numa palavra, pessoas honestas.

Esta forma de pensar tem uma falácia por trás, como nos explicou o filósofo inglês Roger Scruton em As Vantagens do Pessimismo. É a “falácia da soma zero”, a ideia de que “todos os ganhos são pagos pelos seus perdedores”, isto é, a ideia de que a sociedade é “um jogo de base zero em que os custos e os benefícios se equilibram e em que o triunfo dos vencedores provoca a perda dos vencidos”. É uma ideia que vem de Saint-Simon e Marx e que se alimenta do ressentimento contra os mais fortes, mas é uma ideia errada.

O que permitiu o sucesso das sociedades afluentes foi um processo de “somas positivas” em que, através da inovação, da concorrência e da chamada “destruição criativa”, essas sociedades acrescentaram valor, criando uma riqueza antes inimaginável. Quando Steve Jobs estudava, uma máquina de calcular custava o equivalente a meio salário. Quando criou a Apple um computador custava o preço de um pequeno automóvel. Quando inventou o iPod (há apenas dez anos) o conceito de um iPad era ficção científica. Este processo ilustra como uma sociedade aberta à inovação e ao empreendorismo evoluiu, e como alguém, ao torna-se super-rico, fez de todos nós consumidores um pouco mais ricos por termos acesso a bens antes inacessíveis. Mais: os lucros fabulosos que a sua firma consegue a vender iPhones não resultam de mais-valias extraídas aos operários das fábricas chinesas onde esses telemóveis são montados: resulta da atractividade do conceito inovador e de, pelo caminho, ter dado encomendas a fábricas cujos trabalhadores também viram melhorar a sua qualificação e o seu nível de vida.

É por estas e por outras que, quando começo a ouvir muita gente a pedir mais impostos sobre os ricos começo a temer pelo futuro dos pobres…

Público, 2 de Setembro de 2011

22 comentários leave one →
  1. J.J.Pereira permalink
    2 Setembro, 2011 23:50

    Não suspeite – tenha a pleníssima certeza…

    Gostar

  2. Euro2cent permalink
    2 Setembro, 2011 23:52

    E mesmo isso não são os ricos que pagam, são meros assalariados um pouco melhor pagos.
    .
    Os ricos verdadeiros têm advogados e contabilistas, e políticos no bolso, e só pagam o que querem.

    Gostar

  3. 2 Setembro, 2011 23:57

    Continua a caça aos pobres, temo que os ricos sabem que, mais tarde ou mais cedo vão pagar, de uma ou outra maneira!

    Gostar

  4. Portela Menos 1 permalink
    3 Setembro, 2011 00:07

    (…) Claro que há ainda outra perspectiva: a de que os ricos são, por natureza, usurpadores. Que, por regra, fazem batota. E que só são ricos porque exploram os pobres, roubam o Estado e usurpam recursos públicos. Não são, numa palavra, pessoas honestas. (…)
    .
    no caso de Portugal esta perspectiva aplica-se quase a 100%.

    Gostar

  5. Portela Menos 1 permalink
    3 Setembro, 2011 00:23

    Manuela Ferreira Leite faz uma crítica duríssima à política fiscal do Governo, que, na sua opinião, “de justiça tem pouco e de eficácia nada”. Na sua habitual coluna na Economia do Expresso, a ex-ministra das Finanças e ex-líder do PSD avisa que o fim das deduções na Saúde, na Educação e nas rendas de casa vai ressuscitar a prática dos preços ‘com recibo’ e ‘sem recibo’.
    in expresso

    Gostar

  6. Zegna permalink
    3 Setembro, 2011 00:24

    Existe alguem que queira declarar que ganha 150.000 eur/ano? estes politicos são crentes………..mas a culpa não deles , é do povo que escolhe o do povo que não escolhe………..

    Gostar

  7. Arlindo da Costa permalink
    3 Setembro, 2011 00:28

    Vamos assistir à debanda e fuga de capitais e principalmente de muitos «ricos» que vão domiciliar as suas poupanças e rendimentos no exterior, só comparável à que se asssistiu durante o PREC de Vasco Gonçalves.

    Gostar

  8. 3 Setembro, 2011 00:36

    O mais extranho é que no dia a dia (fora dos Media) ninguem assume que votou neste governo. Extranho, muito estranho…!

    Gostar

  9. Arlindo da Costa permalink
    3 Setembro, 2011 00:55

    Os juros da Grécia já roçam os 50%!…
    As mesmas medidas draconianas (que também tiveram origem na Grécia!) estão a ser aplicadas em Portugal.
    Quem puder sair do país , que não espere para o mês que vem!

    Gostar

  10. anti-comuna permalink
    3 Setembro, 2011 01:31

    Sugestão de leitura ao JMF:

    http://balancedscorecard.blogspot.com/

    Gostar

  11. anti-comuna permalink
    3 Setembro, 2011 01:33

    E sugestão de leitura aos que não gostam de blogues, de onde cheguei a isto:
    .

    Click to access 676_dp854.pdf

    .
    .
    Há uma revolução económica em Portugal e a generalidade dos opinion makers estão a passar ao largo do que está a mudar em Portugal. Interessante, na verdade.

    Gostar

  12. Map permalink
    3 Setembro, 2011 04:10

    Falácia, falácia,. Sr.Estão a ser TAXADOS os Rikinhos, os RICOS, ora essa… era o k + faltava, já agora,homessa!

    Gostar

  13. 3 Setembro, 2011 04:48

    Entretanto, num puro exercício de estupidez e suicidio políticos para o PSD/JSD, M. Soares foi á Universidade de verão da JSD mostrar aquilo que já se sabe há muitos anos:
    UM VERDADEIRO ANALFABETO EM TERMOS DE ECONOMIA.
    E acusar os outros daquilo que ele fez ( copiando uma das regras básicas do leninismo…): andar de chapéu na mão a pedir dinheiro.
    Pois foi isso q ele fez em 1977 ( por causa do 25 de Abril de 74) e em 1983 ( por causa da crise do petróleo).
    Alguém pode explicar a esse analfabeto, e a outros como ele, que os juros do empréstimo da Tróika são de 3,5%…….e que os outros empréstimos semanais para tapar a bancarrota xuxa chegam aos 20%………..?
    E não é que os jotinhas mostraram a sua estupidez e analfabetismo e paranóia cantando ….”Soares é fixe”……?

    Assim se compreende as asneiras grossas que os jotinhas fizeram na Câmara de Lisboa no tempo de Santana e Carmona, nas freguesias….e já vão fazendo em alguns gabinetes deste governo….

    Mas quem foram os grunhos que se lembraram de levar Soares a Castelo de Vide debitar atoardas?

    Gostar

  14. Pi-Erre permalink
    3 Setembro, 2011 09:14

    “Os ricos verdadeiros têm advogados e contabilistas, e políticos no bolso, e só pagam o que querem.”
    .
    Não são ricos verdadeiros. São produtos do crony capitalismo em que se transformou a economia portuguesa.

    Gostar

  15. tina permalink
    3 Setembro, 2011 09:14

    Considerando que este aumento é apenas temporário, acho que não há motivo para tanto alarme.

    Gostar

  16. 3 Setembro, 2011 10:51

    Quando é preciso dinheiro,
    vai-se buscar onde o há.
    O resto é nomenclatura.

    Gostar

  17. Eleitor permalink
    3 Setembro, 2011 11:09

    Graças a este governo fiquei a saber que sou rico.

    Gostar

  18. lucklucky permalink
    3 Setembro, 2011 17:18

    A primeira razão para ser contra o imposto especial aos ricos é que é imoral.
    .
    E a primeira razão é porque não foram os ricos que votaram e elegeram os Governos que tivemos e temos que se dedicam a destruir a economia por via do soci@lismo.
    Os Pobres, a Classe Média etc etc… foram quem votou e elegeu os Guterres, os Durões , Sampaios, Sócrates, Cavacos, Passos.
    Foram eles os maiores responsáveis pelo estado do país.

    Gostar

  19. Fincapé permalink
    3 Setembro, 2011 18:34

    “Abriu a caça aos ricos. Suspeito que os pobres é que vão sofrer”.
    Acabar o eterno defeso? Huuuummmm! Os combustíveis para iates vão ficar ao preço dos outros? Os carros de alta cilindrada e os perfumes chaneis vão ter impostos mais altos? O imposto sobre o caviar vai subir? A pegada ecológica vai passar a ter imposto? Não creio.

    Gostar

  20. Renato permalink
    28 Setembro, 2011 03:30

    quem paga mais impostos o que tem renda ou que tem fortuna ? (é crise esperamos que passe)

    Gostar

  21. Renato permalink
    28 Setembro, 2011 03:37

    nao venham colocar culpa na POVÃO uma populaçao bem educada dificilmente fica desempregada, e tambem as populaçoes mais educadas, com Perspectiva de melhores condiçoes de vida possui um bom planejamento familiar e baixa taxa de natalidade

    Gostar

Trackbacks

  1. Ah, temos de fazer sacrifícios. | vida breve

Indigne-se aqui.