Joaquim Pinto de Andrade
Ferreira Fernandes sobre Joaquim Pinto de Andrade:
Ontem, ao fim do dia, eu estava a escrever essa crónica. Telefonaram-me: “Morreu o Joaquim.” Morreu Joaquim Pinto de Andrade. No meio da crónica. Da sua crónica. Vão dizer: ele era angolano. E era-o. Ninguém conheci, dos pais da nacionalidade angolana, que pudesse dizer o mesmo que ele: não feri o meu país. Ele foi a coragem serena que lhe valeu prisões durante a Angola colonial, ele foi a fraternidade angolana quando o país se dilacerou em guerras civis, ele foi a honestidade quando Angola se ofuscou de falsa riqueza. Ele foi o angolano perfeito em tempos terríveis. E eu sei porquê: ele era um meteco. Um cidadão do mundo.
Eu era um adolescente e o Joaquim Pinto de Andrade era um padre exilado, colocado sob vigilância em Vila Nova de Gaia. No Verão, o pobre diabo da PIDE, de fato escuro, seguia-nos até aos areais da praia e tentava ouvir-nos as conversas. O Joaquim falava de Camilo ou de Ramalho, dos “portugueses de língua tersa”, que ele aprendera quando era menino em Ambaca. O português PIDE perceberia a admiração daquele “terrorista” (então, presidente de honra do MPLA) por escritores portugueses? O Joaquim falava de Roma, onde estudara, e encarreirava-me para escritores de liberdade: Ignazio Silone, Italo Calvino Falava-me de Paris, onde estivera no primeiro congresso de escritores e artistas africanos (com o seu irmão Mário) e metia, no meio da conversa, a necessidade de ouvir Brel.
Há quase 40 anos, em Setembro de 1969, eu saí de Portugal com uma carta de Joaquim Pinto de Andrade no bolso. Isso, escondido. Nos olhos eu levava a vontade de ver que o homem a quem mais devo me emprestou.

Até admira o gajo não ter morrida cá, e cá estar a viver.Tinha pelos vistos mais vergonha do que outros…
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conheci-o. era diferente da canalha que temos de ver diariamente. o lixo humano tomou conta do país. sente proprietários de tudo e acham pouco
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nasceu no Golungo Alto. conheci o Mário apenas por este nome. no ano lectivo de 1971 em Paris comprei no Boul’mich um volume de poesia. na contra capa tinha a foto. só então associei os manos.
felizmente não foram os únicos angolanos de excepção. conheci vários em coimbra e na avenida de Roma no snack-bar branco e negro (década de 6o), espécie de sede do MPLA onde se falava do António e poucos sabiam ser o Agostinho Neto.
“mudam-se os tempos” mudam-se as verdade, as vaidades e as incapacidades
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Lamento a morte de quem quer que seja e peço a sua salvação.
Porém, concretamente, parece ter sido um dos gajómetros que lixou Portugal e a própria Angola que queria promover.
RIP.
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Excelente texto do Ferreira Fernandes. Só os que viveram experiências limite sabem transmitir, sem lamechices, os seus sentimentos.
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Fez bem em publicar esta citação, JM.
Ficámos a saber que tem emoções e é diferente do Venusiano Mr. Spock.
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um padre exilado, colocado sob vigilância em Vila Nova de Gaia.
Também lá esteve o Nino Vieira.
Começo a não gostar do raio da terra!
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