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Ver para crer*

26 Março, 2008

O cemitério de Carnide é um bom exemplo de como se decide e não se apuram responsabilidades em Portugal. Nos anos 80 a autarquia liboeta resolveu construir um novo cemitério. Tendo em conta a idade provecta dos outros cemitérios da capital, pela primeira vez podia contar-se com tecnologia avançada quer para escolher o melhor local quer para construir o cemitério. O resultado foi absolutamente grotesco: os terrenos onde foi construído não decompõem os corpos. Nunca tal tinha acontecido em Lisboa.Contudo até agora não se conseguiu que a CML explique como é que os seus serviços podem ter falhado tão clamorosamente quer na escolha do local quer na própria concepção do cemitério. Curiosamente apesar da CML ter sido incapaz de cumprir o seu dever – escolher terrenos adequados e ver se o modelo de cemitério era o mais apropriado para aquele local – o que preocupou a autarquia foi impor aos lisboetas padrões estéticos sobre as campas que ali poderiam ser feitas. Acabavam-se as lápides e toda aquela parafrenália ornamental. Relva e mais relva iriam imperar em Carnide. Um vereador à data da construção do cemitério garantia eufórico que os lisboetas iriam passear no cemitério de Carnide  como não o faziam então nem fazem agora nos sempre pouco frequentados jardins da capital.Desgraçadamente a obsessão autárquica com a relva agravou ainda mais as já de si más condições do cemitério de Carnide pois a relva, ao contrário  das lápides, obriga a regas contínuas.

Neste momento, a mesma câmara responsável por este desastre pondera enormes operações de transferências de solos, a construção de novos sistemas de drenagem e claro a exumação de milhares de cadáveres. Só resta saber se os responsáveis pela solução são os mesmos que criaram o problema. Mas isso creio que nunca o saberemos.

*PÚBLICO, 26 de Março

16 comentários leave one →
  1. Desconhecida's avatar
    Anónimo permalink
    26 Março, 2008 11:22

    Todos os cemitérios deviam ser assim. Os egipcios tinham aquele trabalho todo para produzir as múmias. No cemitério de Carnide, nao dá trabalho nenhum. É fantástico.

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  2. Desconhecida's avatar
    Anónimo permalink
    26 Março, 2008 11:24

    Ainda nao entendi qual é na verdade o problema. Nao decompoe os corpos? Olha, que sorte. Sao todos santos!

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  3. balde-de-cal's avatar
    balde-de-cal permalink
    26 Março, 2008 11:35

    os politicos portugueses estão mais macabros e sinistros cada dia que passa
    quero que vão barda

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  4. zedeportugal's avatar
    26 Março, 2008 12:03

    A incompetência dos serviços públicos fica muito cara ao país – leia-se aos cidadãos contribuintes. Contribuintes? Talvez fosse mais aplicável o termo espoliados? Quanto ao apuramento de responsabilidades e a decorrente reposição/punição pelos prejuízos causados, os portugueses parecem ainda não saber muito bem como fazer. A maior parte das pessoas ainda acha que o Estado é uma pessoa de bem. Há poucos anos atrás estive durante algum tempo na Dinamarca e achei fantástica a forma como os cidadãos se organizam em grupos de interesses para impugnarem judicialmente as decisões dos órgãos do poder. Constatei que os poderes públicos têm sempre um enorme cuidado na tomada de decisões, fartam-se de promover a discussão pública, porque TEMEM a reacção dos cidadãos.
    A propósito de incompetência e irresponsabilidade dos decisores, não deixem de ler este postal:

    http://umjardimnodeserto.nireblog.com/post/2008/03/26/a-destruicao-do-ambiente-continua-impunemente

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  5. Xico's avatar
    Xico permalink
    26 Março, 2008 12:14

    Digam antes a incompetência dos políticos. Os serviços públicos estão fartos de apanharem com as culpas pelas más decisões dos poderes políticos.
    Os antigos cemitérios, que decompõem os corpos, foram feitos e projectados pelos serviços públicos. Aliás havia serviços públicos que projectavam imensas coisas. Agora há assessores e serviços de consultadoria. Tudo gente externa aos serviços públicos. Fazem as asneiras e depois os serviços públicos ficam com as culpas.

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  6. lica's avatar
    lica permalink
    26 Março, 2008 12:20

    agora eram os projectistas que deveriam ser descompostos.

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  7. piscoiso's avatar
    piscoiso permalink
    26 Março, 2008 12:27

    Se calhar a relva andava a ser mal regada.

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  8. frei de jesus's avatar
    frei de jesus permalink
    26 Março, 2008 12:31

    A cremação devia ser obrigatória.

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  9. Luis Moreira's avatar
    Luis Moreira permalink
    26 Março, 2008 16:54

    Helena há coisas tão más como essa. Na piscina do Casal Vistoso (junto do Areeiro) que custou centenas de milhares de contos, já por várias vezes defecaram dentro do tanque e ninguem viu! É a maneira da piscina fechar e os funcionários terem férias!

    Já avisei a CML há cerca de um mês e nada!Vou pedir a palavra na próxima AM!

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  10. Pedro Gomes's avatar
    26 Março, 2008 17:57

    Este é um assunto bastante caro para mim, uma vez que um dos estágios curriculares que realizei durante o curso foi precisamente no Cemitério de Carnide, para a Divisão de Gestão Cemiterial da C.M.L. em 2004. A reportagem está boa, embora um pouco simplista.

    Este cemitério foi introduzido em Portugal sob um conceito inovador, que incluia a abundância de espaços verdes e um design “à americana”. Contudo, este conceito traz consigo um problema: é necessário consumir água de rega em quantidades significativas.

    Uma das tarefas que me atribuíram foi a avaliação da aptidão do aquífero subterrâneo localizado neste local para a rega dos espaços verdes, não só como forma de poupar água, mas também para mitigar o excessivo teor de água presente nas áreas de inumação (que na altura se pensava ser proveniente do elevado nível freático do aquífero) que em conjunto com o teor argiloso dos solos, contribuíam decisivamente para a não decomposição dos corpos.

    O desenvolvimento dos trabalhos acabou por contrariar esta intenção, pois o excesso de água não provinha da subida do nível freático do aquífero. Pelo contrário, eram as próprias práticas de rega levadas a cabo no cemitério, conjuntamente com a baixa permeabilidade dos solos locais, que levavam à existência de uma excessiva quantidade de água nos terrenos. Esta água nem sequer chegava ao nível do sistema de drenagem profunda que era suposto fazer o escoamento até aos colectores municipais de águas pluviais (que apenas encaminhavam a água proveniente do lago central que se vê na reportagem).

    O carácter argiloso dos solos era portanto um factor muito mais problemático do que o aquífero, como pude constatar in loco aquando da abertura de uma vala. A descontinuidade no terreno assim originada conduzia a que a água tivesse naturalmente tendência para ocupar estes espaços e a se manter por lá durante meses, como se estivesse dentro de um copo.

    Para a resolução deste problema concluiu-se que seria necessário considerar outro tipo de soluções, como por exemplo, um sistema de drenagem superficial constituído por canais entre as campas, preenchidos com material poroso (por exemplo, brita). Quando terminei o estágio, já tinha sido transportada para o cemitério uma grande quantidade de brita, e previam-se para breve as obras de construção do sistema de drenagem. Quando lá voltei passado alguns meses, o monte de brita ainda se encontrava no mesmo local. Fico com a sensação que, se lá voltar, provavelmente ainda irei deparar-me com ele.

    Parece que os técnicos do LNEC chegaram à conclusão que não se vai lá com operações cosméticas e intervenções pontuais, e que o problema de fundo só fica resolvido com a substituição do solo argiloso que actualmente existe, por terrenos mais arenosos e porosos. Obviamente que isto implica a exumação dos 7 mil corpos que estão actualmente lá enterrados, com custos monetários e sociais que não são de desprezar e que se adicionam aos 10 milhões de € que a obra custou inicialmente.

    O que é curioso é que nem sequer se ouve uma palavra da C.M.L. acerca das responsabilidades do construtor da obra… O que será que mantém a Câmara de Lisboa tão circunspecta sobre este assunto? Achará que todo este imbróglio não é motivo para uma indemnização?

    A Câmara tinha conhecimento que os terrenos eram impróprios, bem como o construtor que na altura se comprometeu a transferir para o local terrenos mais arenosos provenientes da zona de Almada, para aumentar a porosidade da mistura.

    Resta saber porque é que isto não foi efectivamente levado a cabo. Mais mais não posso dizer…

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  11. Fado Alexandrino's avatar
    26 Março, 2008 22:12

    Pedro Gomes Diz:
    26 Março, 2008 às 5:57 pm

    Segundo parece da sua resposta os estudos foram feitos depois de o cemitério já estar construído.
    Li mal?

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  12. Pedro Gomes's avatar
    27 Março, 2008 10:31

    Os estudos prévios que incluíam, entre outras coisas, a análise acerca da composição dos solos foram feitos aquando do projecto de execução, ou seja antes da obra arrancar. A Helena Matos afirma que os serviços camarários falharam na escolha do local, mas tal facto não é inteiramente verdadeiro: na altura foi o local disponível disponível, pois nos melhores terrenos ninguém (até dentro da CML) aceita ter um cemitério por perto, mesmo que este seja um jardim. Sabia-se na altura que a composição granulométrica dos solos teria de ser alterada para uma mistura mais arenosa capaz de por um lado suportar o coberto vegetal e por outro permitir uma boa percolação da água. Por alguma razão (contenção de custos, talvez) a mistura não foi efectuada correctamente, daí o problema do excesso de água nas zonas de inumação.

    Mesmo a própria CML, aquando dos primeiros sintomas de que algo estava mal (em 2001) acreditava que o problema provinha do elevado nível freático do local e não da excessiva impermeabilidade dos solos e de práticas de rega pouco cuidadas. Mais tarde percebeu-se que a água em excesso não vinha de baixo, mas sim de cima e por lá se mantinha…

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  13. Fado Alexandrino's avatar
    27 Março, 2008 14:51

    Pedro Gomes Diz:
    27 Março, 2008 às 10:31 am

    Por favor, não escreva mais post nenhum.
    Cada um é uma pázada de terra em cima do projecto

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  14. Pedro Gomes's avatar
    27 Março, 2008 16:10

    Mas qual projecto? Sinceramente não percebi a sua observação. Quanto a não escrever mais nada, penso que sou livre de dar a minha opinião: o projecto tal como está é uma valente merda, e a responsabilidade deve ser repartida entre CML (por falta de fiscalização e acompanhamento capaz da obra) e construtor (pela evidente falta de cumprimento do projecto de execução).

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  15. Fado Alexandrino's avatar
    27 Março, 2008 18:30

    Os estudos prévios que incluíam, entre outras coisas, a análise acerca
    e
    a própria CML, aquando dos primeiros sintomas de que algo estava mal (em 2001) acreditava que o problema provinha do elevado nível freático do local

    Eu também acredito na Nossa Senhora de Fátima.
    Se eu fosse o director do Público colocava na primeira página uma foto do cemitério com a legendia Dia-1 e depois iniciava as pesquisas até saber o nome dos responsáveis colocando sempre na capa a mesma foto aumentando os dias.
    Alguém havia de sair da toca.

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