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Coup de Grâce no ensino estatal?

31 Março, 2008
by

We don’t need no education We dont need no thought control No dark sarcasm in the classroom Teachers leave them kids alone” Pink Floyd, The Wall (1979).

País que chegou relativamente tarde à Democracia, pelo menos no contexto da Europa ocidental, em Portugal foi após a revolução de 1974 que se verificou uma acentuada mudança no sector de educação. Anteriormente a 1974, o contexto autoritário do regime político vigente repercutia-se no ensino. Após a revolução, a queda do autoritarismo nas escolas terá sido vista por muitos como parte da necessária mudança de mentalidades. 

O ensino superior sofreu acentuadas convulsões no período revolucionário. Contudo, a Universidade, uma instituição com raízes medievais, não careceu de muito tempo para normalizar o seu funcionamento, estabelecendo-se as maiores alterações no plano dos órgãos de gestão – sua estrutura, escolha dos seus membros e respectivas actividades. As raízes medievais poderão ter falado mais alto – para o melhor e para o pior. 

Já o ensino pré-universitário passou a estar sob a influência de filosofias profundamente diferentes relativamente ao enquadramento anterior a 1974. Todo o sistema de ensino sofreu um fenómeno de aumento acentuado do número de alunos, com particular relevo para o ensino universitário.  

No ensino pré-universitário, e ao contrário do que ocorreu com o ensino universitário, o ensino estatal suportou relativamente mal a existência de concorrência por parte do ensino não estatal. Este último, menos sujeito às filosofias predominantes no sector estatal, e apesar de ser, pelo menos em muitos casos, pago pelo interessado ou seus familiares, ao contrário do ensino estatal, revelou notável capacidade para atrair e formar alunos capazes de obter classificações elevadas. 

O advento da tecnologia permitindo a divulgação de imagens colhidas no interior de salas de aula, aliado ao fenómeno da Internet, levou a que a opinião pública portuguesa tenha tomado consciência, em especial num passado recente, de acentuados fenómenos de indisciplina em diversas escolas.  

Ora a indisciplina, que não deve ser confundida com outros fenómenos, como agressões ou injúrias, deveria encontrar no seio do próprio sistema de ensino os mecanismos para a sua resolução. Vêm estas considerações a propósito da eventual transformação da indisciplina, de mero problema académico, em problema judicial.  

Esta possibilidade acarreta graves consequências para o sistema de ensino, em particular para o ensino estatal, uma vez que é aí que sucedem parte importante dos problemas. De facto, o mesmo Estado que criou e mantém um conjunto de escolas no qual os fenómenos de indisciplina se repetem, poderia interpretar os actos de indisciplina como sendo passíveis de acção judicial. 

Este poderá ser o coup de grâce que os defensores de um sistema baseado na liberdade de escolha esperavam. A gota de água que poderá levar a que a opinião pública em geral, e muitos pais em particular, tenham dificuldade em entregar os seus filhos a um sistema que, para além de problemas de aproveitamento escolar, de problemas de insegurança e de outros problemas já anteriormente existentes, junta mais um problema – a possibilidade de um aluno, apenas por estar presente numa sala onde outros estão indisciplinados, porventura em virtude de não terem sido concedidos aos professores os meios necessários para manter a disciplina, possa incorrer em problemas com a justiça. 

José Pedro Lopes Nunes 

11 comentários leave one →
  1. nacionalistas's avatar
    31 Março, 2008 08:43

    …Ora a indisciplina, que não deve ser confundida com outros fenómenos, como agressões ou injúrias, deveria encontrar no seio do próprio sistema de ensino os mecanismos para a sua resolução. Vêm estas considerações a propósito da eventual transformação da indisciplina, de mero problema académico, em problema judicial…

    Tudo dito. Fundamental é ter a coragem de assumir que os professores são também eles parte do problema. Não culpem cinicamente agora, só pais e alunos. É o Sistema. Todo ele.

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  2. Desconhecida's avatar
    Espada permalink
    31 Março, 2008 09:06

    Já chegou a democracia?! Finalmente! Já estava a ficar farto do regabofe!

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  3. Desconhecida's avatar
    José permalink
    31 Março, 2008 09:13

    Subscrevo inteiramente este postal. Considero ainda que é uma das primeiras abordagens, adiantando um motivo concreto , para o descalabro e que vai um pouco mais além do paleio cripto-eduquês.

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  4. Desconhecida's avatar
    José permalink
    31 Março, 2008 09:15

    È por isso que centrar o problema no aspecto meramente disciplinar, com exigências absurdas de rigor e castigo exemplar, para os alunos, é tapar o sol com uma peneira. Muito ao sabor de quem não pretende colocar em crise o que tem de ser colocado: o sistema todo de ensino, no seu conjunto e que resulta nisto que todos vêem, menos os Valter Lemos e Lurdes Rodrigues.

    Estes não vêem, porque não percebem a enormidade do descalabro e aceitam a filosofia que o suporta.

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  5. Desconhecida's avatar
    Anónimo permalink
    31 Março, 2008 10:19

    Essa é uma cançao lendária. Representa um tipo de educaçao que se espera que nunca mais volte.

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  6. PMF's avatar
    31 Março, 2008 10:38

    Boa análise. Concordo inteiramente com o post!

    E, além do mais, é fundamental começar a discutir este assunto de forma mais serena, racional e menos empurrados pela pressão mediática……

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  7. Desconhecida's avatar
    Pelo Rei e pela Grei! permalink
    31 Março, 2008 11:49

    Tudo isto se resume a um ponto:
    A “rapaziada de Abril”, que tomou as escolas e universidades de assalto, que insultou e expulsou professores, que fez e desfez programas escolares em nome de “amanhãs que cantam”, que fez doutoramentos com júris “populares”, que invadiu e destruiu embaixadas, que abandonou o Império à sua triste sorte, etc., etc., envelheceu! Tem hoje filhos e filhas que frequentam as Escolas portuguesas… E o resultado é este!
    Para haver democracia não era preciso isto!

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  8. justiça de fafe's avatar
    justiça de fafe permalink
    31 Março, 2008 14:48

    Acabou o autoritarismo, passou-se para a ileteracia, a bagunça, a irresponsabilidade, a bandalheira e tudo semelhante que vem no dicionário…

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  9. Desconhecida's avatar
    Anónimo permalink
    31 Março, 2008 15:25

    Boa análise! Concordo inteiramente.

    CAA

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  10. Desconhecida's avatar
    tribunus permalink
    31 Março, 2008 17:05

    Acabe-se de imediato, com o actual estatuto do aluno! querem algo mais vergonhoso, para a educação?

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  11. Desconhecida's avatar
    José permalink
    31 Março, 2008 21:18

    “Acabou o autoritarismo, passou-se para a ileteracia, a bagunça, a irresponsabilidade, a bandalheira e tudo semelhante que vem no dicionário…”

    Nem imaginas como tens razão!

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