Saltar para o conteúdo

Fintar a Morte *

11 Abril, 2008

Juan e o seu amigo Diego, ambos doentes renais, iam viajar de comboio. Mas atrasaram-se e não embarcaram. No dia seguinte, Juan ouviu a notícia do acidente daquele comboio em que morreram 19 pessoas. Telefonou a Diego e soube que este tinha falecido nessa noite – a espera sem fim por um transplante ajudou a Morte a cumprir o seu calendário.
Como naquela lenda oriental em que um sultão viu a Morte atrás de si e fugiu espavorido. Rebentou com várias montadas até chegar a Samarcanda. Aí, deitou-se no chão, exausto. A Morte sentou-se ao seu lado: “Estás aqui, ainda bem”, disse-lhe, “fiquei pasmada quando te vi tão longe, há uma semana, porque tínhamos um encontro hoje em Samarcanda…”
Juan contou isto na rádio e Gregória ouviu, por acaso. Casada, com 60 anos, resolveu ofertar um rim a Juan que nunca tinha visto. A intervenção é hoje. (**) Espero que este gesto sublime iluda a Morte.

* Correio da Manhã, 10.IV.2008

** Já depois de ter escrito este texto soube que o transplante foi adiado: ver aqui, aqui, aqui e aqui. A Morte não é fácil de enganar…

14 comentários leave one →
  1. balde-de-cal permalink
    11 Abril, 2008 09:07

    em portugal socialisticamente correcto
    nada de positivo há de concreto.
    estamos “fudidos”.
    o monstro devora os cão-tribuintes. a cara do conde drácula do fisco é o espelho do socialismo

    Gostar

  2. Anónimo permalink
    11 Abril, 2008 09:27

    nem este poste o balde de cal respeita
    tristeza

    Gostar

  3. Luís Lavoura permalink
    11 Abril, 2008 09:42

    Estes problemas resolver-se-iam, em grande parte, se fosse permitida a venda de órgãos, em particular rins, em vez de condenar os doentes a esperarem por uma oferta.

    A proibição da venda de órgãos, além de condenar ao sofrimento e à dependência de hemodiálises regulares milhares de pessoas por esse mundo fora, gera aquilo que se esperava: um lucrativo e desumano mercado negro de órgãos humanos – muitas vezes extraídos à força.

    O liberalismo e as suas vantagens são difíceis de aceitar pelas mentes conservadoras dos legisladores.

    Gostar

  4. 11 Abril, 2008 09:54

    «O liberalismo e as suas vantagens são difíceis de aceitar pelas mentes conservadoras dos legisladores.»

    Foi mesmo o Luís Lavoura que escreveu isto???

    Gostar

  5. Luís Lavoura permalink
    11 Abril, 2008 10:49

    Fui eu sim, CAA.

    Você certamente sabe que sou membro do Movimento Liberal Social.

    Gostar

  6. 11 Abril, 2008 11:30

    Falando em liberalismo e em rins, lembrei-me agora que, quando andava na Faculdade, tínhamos no nosso grupo de amigos uma fervorosa comunista. Entre outras e muitas pérolas, recordo-me de uma conversa em que a propósito de tudo e de nada se falava em doar um rim ao pai ou à mãe. A menina tratou logo de dizer que, posta nessa contingência, não doaria o seu precioso órgão, porquanto os pais até já tinham uma idade e ela ainda tinha a vida toda pela frente para viver.

    Era uma das que mais enchiam a boca com a solidariedade, a generosidade e a família. Fiquei a pensar no desgosto que eu teria se um dia soubesse que um filho meu dizia coisa semelhante daquela forma crua.

    Então o compadre não sabe que o comunismo é só para os burros?

    Gostar

  7. Lololinhazinha permalink
    11 Abril, 2008 11:44

    Luís Lavoura,

    Deixe os rins fora do comércio. No dia em que pudessem ser livremente vendidos haveria muita gente que de tão pobre não se poderia dar ao luxo de ter os dois rins.
    É um pensamento horrível. Nunca numa sociedade dita civilizada legislador algum deve permitir a venda de órgãos.

    Gostar

  8. Nuspirit permalink
    11 Abril, 2008 12:10

    Mas por que razão deverão estar as pessoas impedidas de voluntariamente venderem a sua própria carne e que outras a possam comprar por um preço acordado?

    Gostar

  9. Lololinhazinha permalink
    11 Abril, 2008 12:49

    Nusprit,

    Porque manda o respeito pela dignidade humana que nem sequer se abra essa janela à miséria, à pobreza, à ganância ou à falta de consciência. Os bens pessoais são indisponíveis e as pessoas devem ser protegidas – mesmo contra a sua vontade – do seu próprio desespero. Vender ou comprar órgãos não é uma solução que se aceite numa sociedade que dá primazia aos direitos humanos.

    Gostar

  10. 11 Abril, 2008 12:58

    Lololinhazinha,

    «Vender ou comprar órgãos não é uma solução que se aceite numa sociedade que dá primazia aos direitos humanos»

    Atrevo-me a antecipar que essa lógica, ainda hoje prevalecente, está datada. E condenada.

    E acresce que a ‘primazia aos direitos humanos’ não acontece nem frutifica deixando morrer milhares e milhares de pessoas à míngua de órgãos que não podem adquirir por razões de dogma.

    Gostar

  11. Pi-Erre permalink
    11 Abril, 2008 14:01

    Isto até parece conversa de magarefe. Safa!…

    Gostar

  12. Luís Lavoura permalink
    11 Abril, 2008 14:43

    “No dia em que pudessem ser livremente vendidos haveria muita gente que de tão pobre não se poderia dar ao luxo de ter os dois rins.
    É um pensamento horrível.”

    Pode ser horrível, Lololinhazinha, mas sabe, ter dois rins é mesmo um luxo, uma vez que uma pessoa normal vive perfeitissimamente só com um. Não há, para uma pessoa normal e saudável, qualquer contra-indicação médica à doação ou venda de um dos seus rins. Aliás, é precisamente por isso que a doação de rins é permitida…

    Gostar

  13. Pi-Erre permalink
    11 Abril, 2008 15:05

    Ainda vou abrir um talho de carne para canibais. Parece-me bom negócio.

    Gostar

  14. Lololinhazinha permalink
    11 Abril, 2008 16:28

    “E acresce que a ‘primazia aos direitos humanos’ não acontece nem frutifica deixando morrer milhares e milhares de pessoas à míngua de órgãos que não podem adquirir por razões de dogma.”

    CAA,
    A dignidade humana, mesmo quando contrariada pelas conveniências do mercado, não é um dogma.

    Gostar

Indigne-se aqui.