Os livros do poder*
“O socialismo que Portugal elabora progressivamente enquadrar-se-á na tendência universal: efectivamente, a conjuntura mundial é a tendência para o socialismo. Mas Portugal seguirá por uma via diferenciada: é precisamente a sua originalidade que traz ao socialismo universal um factor novo de valorização no combate comum à exploração do capitalismo.” – ao contrário do que possa parecer este parágrafo não foi retirado dum “Avante” de 1975 mas muito prosaicamente dum manual escolar de História, editado pela ASA, nesse mesmo ano.
Da autoria de A. do Carmo Reis este livro não só garantia que “o mundo socialista alarga-se, chamando à causa da liberdade os trabalhadores de todo o Mundo, mobilizando-os contra a exploração do capitalismo” como tratava de apagar quaisquer dúvidas que surgissem em alguma tresmalhada mente sobre a vida nas democracias parlamentares. Estas últimas são designadas por Carmo Reis como demotecnocracias e apresentadas como coisa definitivamente ultrapassada. Quanto ao seu aparente sucesso económico também ele tinha uma explicação à luz da luta de classes: “Neste sistema de governo predominam os especialistas de gabinete. Eram regimes assentes na colaboração de classes, na harmonia entre o patronato e o operariado, e que, de facto, obtiveram êxito económico graças à manipulação proveitosa de um tipo de exploração que hoje tende a desaparecer: o colonialismo.”
Dir-se-á que se estava em 1975, em pleno PREC e que as derivas autoritárias são terreno ideal para estes proselitismos. Sendo isso verdade é apenas uma parte da verdade. Os manuais escolares são das publicações mais atentas às alterações no poder.
Antes de os novos governantes se ajeitarem na cadeira do poder e pronunciarem sobre o seu conteúdo já os autores dos manuais escolares, sobretudo nas disciplinas de História e Português, trocam pressurosamente as páginas onde tinham feito a propaganda do regime anterior por outras ainda mais servis, agora para com os novos senhores. Foi assim com os manuais escolares que estavam em vigor em 1926 e cujos autores, ao perceberem que aquele golpe não era apenas mais uma data na longa lista de conspirações e revoltas militares, expurgaram os manuais de então dos textos de óbvia influência maçónica, substituindo-os por outros onde se descreviam as qualidades morais de Salazar, a beleza do presépio e o papel das cantinas escolares.
Em 1974 a mesma transfiguração ocorreu. Assim enquanto autores como A. do Carmo Reis preparavam as suas novas edições de conteúdo claramente marxista, os autores que já estavam no mercado procediam a algumas correcções editoriais que, acreditavam, prolongariam mais alguns anos a vida do seu manual. Em alguns casos o resultado consegue surpreender mesmo aqueles que estão habituados a súbitos volte-face. Pegue-se, por exemplo, no “Compêndio de História”, da autoria de Alves Grandinho que, no ano lectivo 1973/1974, escrevia sobre Salazar: “Graças ao esforço e inteligência do homem que nos comandou, Portugal é hoje citado como exemplo digno de ser imitado. Negá-lo, seria negar o calor ao Sol.” E compare-se com a edição de 1976 deste mesmo compêndio. A conclusão inevitável é que o Sol deve ter gelado. Na nova edição não só desapareceram os elogios a Salazar como o autor, num novo capítulo intitulado “Decadência do regime”, invoca agora “o nosso isolamento em relação ao restante mundo” como um dos factores que provocou um rápido “descontentamento no povo português” contra os governos de Salazar e Caetano. Na sua nova leitura dos factos, o autor até conseguiu, na edição de 1976, descortinar “princípios socializantes altamente avançados para a época e susceptíveis de atrair em sua defesa representantes de todas as classes sociais, à excepção da grande burguesia” no programa da I República que, na edição de 1973, só lhe merecera condenações.
Podíamos continuar a dar exemplos de como os manuais escolares adaptam o discurso do poder. E isso, ao contrário do que se gosta de acreditar, não acontece apenas nas ditaduras. Recentemente a revista Sábado abriu alguns dos manuais actualmente em vigor em Portugal na disciplina de História, e o resultado foi descobrir-se que aos nossos filhos o comunismo é contado com uma extraordinária benevolência. (Valha a verdade que o próprio ministério da Educação tem o cuidado de não incluir os regimes comunistas nas ditaduras como bem se percebeu no enunciado de exame de História do 12º ano, no ano lectivo de 2005/2006.) Infelizmente o proselitismo dos manuais não só não se extingue nas democracias como também não se esgota nas disciplinas tradicionalmente afectas à propaganda como a História. Os manuais de disciplinas como a Geografia e as Ciências têm-se tornado cada vez mais o pretexto para umas arengas de tom apocalíptico contra a tecnologia, a globalização, a indústria e o mundo ocidental em particular.
Com a substituição de disciplinas em que se transmitiam conhecimentos, como era o caso da Química, por actividades sem programa como acontece com a Área de Projecto, é cada vez maior o tempo afectado na escola à transmissão de atitudes e não de saberes. As criancinhas podem não saber descrever os climas ou fazer contas com fusos horários mas sabem, garantidamente sabido, que a Terra está à beira do fim por causa do aquecimento global e que há que fazer uma cruzada para salvar o planeta.
Seria excelente que enquanto se fazem as contas ao quanto se pagou mais uma vez pelos manuais escolares – e bem menos se poderia pagar caso estes fossem reutilizados! – se aproveitasse para ver o que lá vem escrito. Assim talvez já ninguém se admirasse tanto com as prosas de Carmo Reis e Domingos Grandinho.
*PÚBLICO, 30 de Setembro

O que vale é qeu agora as ccriancinhas possuem professores para lhes explicar os livros e ainda possuem toda a internet para ver o mundo e além do mais existem pais e jornalistas e tv. O que importa o raio de uns livros que já estão extintos.
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Li. Curiosamente tinha postado sobre o assunto porque 75 já lá vai mas a asneira continua.
Se puder passe aqui.
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Devo ter-me explicado mal pois o que procuro mostrar no texto é que se lêssemos os livros usados actualmente depararíamos com proselitismos vários.
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Os manuais escolares estavam em vigor desde 1926????
Estou espantado por tanta ignorância.
Então não sabe que ao longo de quase cinquenta anos houve várias mudanças de manuais, desde logo por volta de 1933 -34?
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Se chamasse “ditaduras” aos regimes comunistas não estaria também a fazer proselitismo? Claro que estava.
E que dizer do episódia em que D. João II apunhala o Duque de Aveiro?
E como classificar a acção política do Sebastião José?
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O problema destes livros oficiais, é que normalizam um discurso. Que é o discurso da situação, do poder situado num dado momento.
O actual poder situado, é já uma influência do ensino e do pathos geral, destes últimos trinta anos.
E não é famoso, em termos de valores, princípios e regras éticas.
E se formos a ver bem, a questão das casas da CML é apenas um epifenómeno e nem sequer o mais preocupante.
Denota uma deliquescência da ética com uma novidade agora tornada visível: a esquerda no poder, preocupa-se também com a vidinha, tal como a dita direita que ninguém sabe exactamente o que será, mas que se convenciona acantonar naqueles que têm bens e são ricos.
Esta esquerda que á autora dos livros de texto destes últimos trinta anos, apresenta esta ética à vista de todos: “venha a nós o vosso que é de todos”.
No fundo, é uma mentalidade que aceita a existência de datchas, para os representantes do povo, como um privilégio aceitável e normal.
Ou de carros de luxo para alguns, enquanto o poviléu se contataria com Trabants.
É uma ética esquisita, mas existe. E o PCP não se entende com isto.
Por isso é que gostaria de ler o António VIlarigues, um tipo de comunista mais liberal…
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Como tenho uma filha em idade escolar e que entrou no secundário, o ano passado dei-me ao cuidado de ler o livro de História ( nem sei se assim se chama), sobre o Estado Novo e o 25 de Abril.
Curiosamente, achei-o equilibrado e pouco tendencioso, no sentido que a Helena Matos aqui refere. Foi uma surpresa, porque estava à espera de um adjectivos politicamente correctos e encontrei uma versão da História contemporânea, com algum equilíbrio e sem os clichés dos habituais antifassistas.
Pareceu-me um pogresso, perdão, um progresso.
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aluno da escola D. Pedro IV durante o prec esqueceu um s ao transcrever a constituição
«a caminho do socialismo e da sociedade sem classe»
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Neste sistema de governo predominam os especialistas de gabinete. Eram regimes assentes na colaboração de classes, na harmonia entre o patronato e o operariado, e que, de facto, obtiveram êxito económico graças à manipulação proveitosa de um tipo de exploração que hoje tende a desaparecer: o colonialismo.”
Mas reparem como o colonialismo branco era mau e agora o colonialismo preto é bom.No primeiro “explorav-se o preto”, no segundo “explora-se o branco”… e sendo assim é perfeitamente justo.
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4- os manuais escolares que estavam em vigor em 1926 mantêm-se até à entrada em vigor do Livro Único mas nesses 12 a 14 anos que medeiam entre o golpe a chegada dos livros únicos sofrem as alterações que refer: «expurgaram os manuais de então dos textos de óbvia influência maçónica, substituindo-os por outros onde se descreviam as qualidades morais de Salazar, a beleza do presépio e o papel das cantinas escolares.»
5 – pode pensar o que quiser dos regimes totalitários. Pode até adorá-los mas isso não faz com que os totalitarismos deixem de existir
7 – essa é exactamente umas das características dos actuais manuais e do ensino: o proselitismo está cada vez mais presente em disciplinas como a Geografia e nas novas disciplinas como a Área de Projecto
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Imaginem a área do projecto com proselitismo só porque convida a defender a natureza às tantas. Isto é mesmo.
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Mestre-Escola….Para nao fazer proselitismos, diga la que raio de regime é que reina nos paises comunistas. Segundo a sua cabeça, democratico certamente.
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11- imagino, imagino. Nem imagina as sandices que se propõem nessas aulas a troco de salvar o planeta, promover uma vida saudável e outros excelentes propósitos.
A isto junta-se que as criancinhas vão à escola. Não à catequese. Na escola deve ensinar-se a conhecer a Natureza.
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Isto é giro. Ler livros antíquissimos na net cheios de plantas
http://bibdigital.bot.uc.pt/
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Se calhar são sandices para a Helena Matos. Se calhar Helan matos queria um ensino à medida do seu pensamento ou um ensino completamente estéril.
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.. tipo química, que não dá para discutir nada.
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A Química não dá para discutir nada? E que tal a discussão sobre a matéria e a sua origem, com respectivos compostos?
E que tal explicar a grande interrogação, antes do Big-Bang?
A Química é o que nos compõe. A discussão sobre isso, é o que alimenta quasae todas as ideologias.
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“Para nao fazer proselitismos, diga la que raio de regime é que reina nos paises comunistas. Segundo a sua cabeça, democratico certamente.”
Não fazer proselitismo é ser rigoroso e objectivo, enquadrando a História no seu contexto mais lato.
Fazer proselitismo é resvalar para o adjectivo fácil e não deixar o leitor pensar pela sua própria cabeça, porque na interpretação científica não há uma única verdade absoluta ditada do alto da cátedra e todos as grandes questões são polémicas.
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ó José mas essa parte tinha de ser excluída como é óbvio. Seria proseletismo estar q querer ensinar coisas que podem ser duvidosas. Podiam estar a ensinar mal as criancinhas. Só podem ensinar o H2O e já é muito. Tudo o resto pode dar discussão política e como tal pode fazer mal às criancinhas.
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Este tema abordado por helenafmatos é muito importante. Para todos.
Há nestes últimos anos, especialmente notório nestes 3, uma deriva de cariz tendenciosa muito grave e nociva em manuais escolares, provas de aferição e em exames.
Seria bom apurarmos a verdadeira dimensão do problema.
A não ser travado, é algo mesmo muito grave.
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ó Anabela, diga lá mal dos professores que fizeram esses livros e dos professores das escolas que os escolheram. Os professores são de facto pe´ssimos. Safa que é só malucos, sempre a dizer mal dos professores.
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Porcaria de professores que fazem livros e os escolhem para as escolas. Despeçam esses professores já! Perguntem á Anabela que ela sabe como tais livros são perniciosos. Principlamente os dos ultimos 3 anos. Esses então é a desgraça! E se não forem travados é uma coisa muito má. Coitadinhas das criancinhas que mal fizeram para merecer tais professores!
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Os jornais desde há anos nos têm nos ensinado que Pinochet é/foi o “Ditador Chileno” e Fidel Castro é/foi o “Líder Cubano”.
O “Ditador” vs “Líder”
É essa a cultura das nossas escolinhas.
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Acabem lá com isso. Pomham as coisas no sitio a “SAGRADA ALIANÇA SOCIALISMO/CAPITALISMO SELVAGEM” ou como um dos ilustres comentaristas desta autêntico Clube de Ideias, modernamente adaptado á Internet, chamou também “SOCIALISMO/Liberalismo (Mafia)”, Liberalismo (Mafia) que não é LIBERALISMO.
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E explore, esqueceram-se arrogantemente que o Mundo não acaba nos “Urais”. Há tanto mundo para lá. E potentissimo. Isto para não falar aí por uns ultimatos etc ……
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No nosso País “as elites FUNDAMETALISTAS que vem do sec XIX” está perfeitamente à deriva. Abram a porta para os que sabem os safar.
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21 e 22,
Já compreendi o seu problema. É igual ao da Ma(r)ia e do So(i)crates. Infâncias terríveis. Invejavam os brinquedos da criançada cujos papás tinham guita para lhes comprar brinquedos.Mas isso foi nas V/ infâncias. Supõe-se que agora já são crescidos. Adultos. Vá lá, já passou. Pronto.
Agora “isto” não é para brincar…É um material de trabalho escolar. Ok?
O vídeo do cagalhães, perdão, do magalhães.
http://www.exameinformatica.clix.pt/noticias/hardware/998428.html
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Uma anedota!!! – Bem a propósito do Dia Mundial da Música
Imagem do Kaos ( Madre Maria de Lurdes Rodrigues)
Alunos no chão é «muito grave», diz ministra
«Vou ver o que é que se passa. O que vou fazer é mandar averiguar , porque pode haver um problema de má gestão de recursos públicos»»
“(…) cerca de 45 alunos da Escola de Música do Conservatório Nacional não têm mesas nem cadeiras e assistem às aulas sentados no chão.
(…) O conservatório pediu ajuda à Direcção Regional de Educação de Lisboa e Vale do Tejo a 29 de Maio para resolver este problema (…)” (Redacção, Portugal Diário)
Ver
http://www.sinistraministra.blogspot.com/2008/10/uma-anedota.html
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Enquadremos entao a História no seu contexto mais lato… Se nos anos 30 a Russia nao vivia sob uma ditadura, em qualquer outro lugar do mundo, e durente esse periodo, tal regime nunca existiu realmente.
Sem querer ser polemico.
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Sobre este tema decerto muitos professores de carreira podem testemunhar com exemplos concretos. Se helenafmatos quiser aprofundar esta temática tão importante…
Basta lançar-lhe o desafio. É muito muito muito grave na minha opinião esta questão.
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corrijo: basta lançar-lhes o desafio
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