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Não arranjar chatices*

9 Outubro, 2008

«A bomba agora está em pré-pagamento. Às vezes a gente confia e deixa que abasteçam antes de fazerem o pré-pagamento e depois acontece como no outro dia.” O que acontecera no outro dia era simples e conta-se depressa: ela vira chegar um carro com duas ocupantes para abastecerem e confiou. Deixou-as abastecer antes de fazerem o pré-pagamento. Quando o abastecimento já passava dos 90 euros “tive um pressentimento. Mas já era tarde. Elas arrancaram.” Sem pagar, claro. Mas alguém pagou. Mais precisamente pagou ela, que apesar de já não ser jovem veio dum qualquer algures no Brasil procurar melhor vida em Portugal: “Foram 97 euros. Até chorei!” Factos como este não entram nas estatísticas da criminalidade. Tal como também não entrou a tentativa de atropelamento feita pelas mesmas duas mulheres quando, dias depois de abastecerem sem pagar, foram reconhecidas por um dos trabalhadores da bomba de gasolina que correu atrás delas. Mas são factos como este, aparentemente tão insignificantes, que mais contribuem para criar um sentimento de insegurança. E muitos factos como este resultam dum esvaziamento da autoridade que está longe de se restringir às polícias propriamente ditas. Em inúmeros espaços públicos os funcionários desapareceram e com eles foi-se embora também uma presença muito mais do que simbólica. Quando se atravessam algumas estações de metropolitano ou de comboio percebe-se que além dos passageiros e das máquinas que nos cobram os bilhetes não existe mais funcionário algum. Alguém que, por exemplo, mande parar a criatura que vandaliza os equipamentos ou se distrai a incomodar aqueles com quem se cruza. O mesmo é válido para as escolas. Invariavelmente, em notícias como aquela que na passada semana dava conta da agressão a uma menina de seis anos por um grupo de rapazes, numa escola de Marco de Canavezes, somos confrontados com recreios sem vigilância, zonas semi-abandonadas e uma espécie de cultura de desresponsabilização que leva a que hoje os conselhos directivos chamem a PSP para resolver aquilo que há alguns anos qualquer funcionário ou professor resolvia. Nas imagens que chocaram o país duma aluna a bater numa professora o mais preocupante nem era esse facto em si mesmo. Pessoalmente parece-me que em qualquer escola aquilo pode acontecer. Anormal e sintomática da perversão instalada naquela escola era a reacção dos colegas que, ao contrário do que se esperaria, não procuravam pôr fim àquela triste cena e sobretudo o facto de, apesar de tamanha algazarra, não ter aparecido um único funcionário. Depois foi o que sabemos: soltaram-se gritos de horror, falou-se de polícias e tribunais. Esta criminalização dos pequenos incidentes do dia-a-dia é o reverso duma sociedade que oficialmente vive no melhor dos mundos possíveis mas onde na prática a vida está muito difícil. Tão difícil que gestos tais como repreender as criancinhas que escavacam o edifício escolar, chamar a atenção de quem vandaliza os telefones públicos ou simplesmente ajudar quem foi assaltado passou a designar-se como “arranjar chatices”. Ninguém quer “arranjar chatices”. E se por acaso “uma chatice” se perfila no horizonte” o primeiro que se ouve dizer é: “Chamem a polícia. Eu não sei de nada”.

*PÚBLICO

18 comentários leave one →
  1. pica dura's avatar
    pica dura permalink
    9 Outubro, 2008 09:17

    à saída da estação do metro colégio militar uma mulher pobremente vestida sofreu um esticão no saco de plástico e ficou sem o frango que lhe custara 3 euros. fui uma das pessoas que assistiu ao roubo.
    o sô zé chavez de magalhães passa o tempo a rir-se

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  2. Piscoiso's avatar
    9 Outubro, 2008 09:52

    A minha tia Purpurina, à saida da Papelaria Fernandes, foi abordada por um indivíduo de raça branca, que lhe gamou a bolsa, ficando sem um bloco de papel quadriculado, uma carga de esferográfica, um corta-unhas e um preservativo.

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  3. Jose Simoes's avatar
    Jose Simoes permalink
    9 Outubro, 2008 10:13

    Contar casos específicos é irrelevante se não se indicar a frequência desses comportamentos e comparar com valores de referência – outros países, uma década atrás, etc. Sem esquecer que há outros factores a ter em conta, senão ainda concluimos que a pedofilia aumento 1000% nos últimos 10 anos.

    E depois, toda a gente quer mais polícia e menos impostos.

    José Simões

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  4. Desconhecida's avatar
    Doe, J permalink
    9 Outubro, 2008 10:48

    Jose Simoes Diz:
    “E depois, toda a gente quer mais polícia e menos impostos.”

    E que tal mais policia, menos impostos e nenhum TGV ou auto-estradas paralelas? 🙂

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  5. Desconhecida's avatar
    Anónimo permalink
    9 Outubro, 2008 10:51

    Piscoiso Diz:
    9 Outubro, 2008 às 9:52 am

    A minha tia Purpurina, à saida da Papelaria Fernandes, foi abordada por um indivíduo de raça branca, que lhe gamou a bolsa, ficando sem um bloco de papel quadriculado, uma carga de esferográfica, um corta-unhas e um preservativo.

    E acrescentou, eu só assalto você por

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  6. Desconhecida's avatar
    Anónimo permalink
    9 Outubro, 2008 10:53

    Piscoiso Diz:
    9 Outubro, 2008 às 9:52 am

    A minha tia Purpurina, à saida da Papelaria Fernandes, foi abordada por um indivíduo de raça branca, que lhe gamou a bolsa, ficando sem um bloco de papel quadriculado, uma carga de esferográfica, um corta-unhas e um preservativo.

    E acrescentou, eu assalto-a não por causa dessas tretas, mas sim como castigo do seu sobrinho estar cada vez com menos graça.

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  7. Pi-Erre's avatar
    Pi-Erre permalink
    9 Outubro, 2008 11:25

    “…seu sobrinho estar cada vez com menos graça.”

    Impossível! Não pode ter menos graça quem não tem graça nenhuma.

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  8. Desconhecida's avatar
    9 Outubro, 2008 11:34

    Casos como este que a HM refere são muito frequentes em postos self service. E na maioria deles, são os revendedores que assumem o prejuízo, uma vez que é pouco ético responsabilizar o funcionário por uma ocorrência que ele não pode evitar.

    Na situação relatada, seria necessário vender cerca de 1500 litros de combustível sem lucro para repôr o prjuízo, sem contar com os impostos (iva, e tal…), que não é possível deduzi-los.

    Mais: partindo do princípio de que há câmaras de vigilância e é possível provar o assalto, o revendedor teria que pagar cerca de 150 euros para recuperar judicialmente os 97 euros às ditas mulheres, sem qualquer garantia de que a justiça realmente funcionasse.

    Um belo exemplo, portanto, de que, neste país, a lei está do lado dos criminosos. Diria, mesmo, que se institucionalizou o crime. “Cães e lobos comem todos”, lá diria a tia do Pico… 🙂

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  9. Desconhecida's avatar
    9 Outubro, 2008 11:35

    * …a tia do Piscoiso.
    🙂

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  10. Desconhecida's avatar
    José permalink
    9 Outubro, 2008 11:36

    O sô Zé, especializou-se em rábulas que começam por Oh sôr deputado! Oh sôr deputado!

    O seu ministro das polícias, em comentar as companhias da Bruni, em sottovoce, todo lampeiro no chiste e a citar frases lustrosas.

    O ministro das justiças, em afiambrar um ar de espantalho empalhado, a fazer lembrar o do feiticeiro de Oz, com a inteligência embotada.

    Claro que como anónimo, permito-me dizer estas coisas, a insultar esses nomes da política ( que não as pessoas).
    Mas é com uma profunda tristeza que o digo, por causa da amargura que isto provoca, a de não ver destino viável neste país, com estas pessoas que mandam agora.

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  11. Piscoiso's avatar
    9 Outubro, 2008 11:37

    Minha tia Purpurina já me tinha avisado que era perigoso dizer coisas sem graça.
    Graças a Deus não tenho graça.

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  12. pica dura's avatar
    pica dura permalink
    9 Outubro, 2008 11:50

    no burkina fasso há gente com mais nível
    que este bufos e comissários politicos
    do largo dos ratos

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  13. Desconhecida's avatar
    9 Outubro, 2008 11:52

    Penso que esse facto também terá a ver com a grande dose de egoismo que se instalou nos cidadãos, perante os problemas alheios.
    A permanente situação de crise financeira, sem solução à vista, em que vive um elevado número de cidadãos portugueses, é a razão principal da grande indiferença que hoje caracteriza o comportamento humano, nomeadamente no que à sociedade portuguesa diz respeito.

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  14. Desconhecida's avatar
    José permalink
    9 Outubro, 2008 11:55

    “Minha tia Purpurina já me tinha avisado que era perigoso dizer coisas sem graça.
    Graças a Deus não tenho graça.”

    Comentário engraçado.

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  15. lica's avatar
    lica permalink
    9 Outubro, 2008 12:03

    para o piscoiso a graça é de graça

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  16. Range-o-Dente's avatar
    9 Outubro, 2008 15:23

    Claro que, numa escola, ninguém está interessado em ver malta à pancada. Porque?

    http://range-o-dente.blogspot.com/2007/06/ensino-videovigilncia.html

    .

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  17. o sátiro's avatar
    9 Outubro, 2008 19:11

    Por falar em Zé Chavez de Magalhães, é frequente faltar electricidade na Venezuela, masi concretamente em Caracas.
    Caraças, com tanto petróleo e têm falta de energia?
    A estatal “Petróleos de Venezuela” deve ser um exemplo de eficácia!

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  18. o sátiro's avatar
    9 Outubro, 2008 19:13

    A frequ~encia com que esta pequena criminalidade ( sem contar com os calotes de confiança…) minam a autoridade do Estado e travam a economia.

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