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Andar a pé, missão impossível

29 Outubro, 2008

Clique-se aqui enquanto se lê  este texto de José Vítor Malheiros  de ontem: «O risco de andar distraído nos passeios de Lisboa: Não sei exactamente há quanto tempo, mas já foi há anos a primeira vez que um automobilista me buzinou, a mim, peão, para que eu me afastasse do lugar onde estava (de pé no passeio, na Praça do Areeiro, em Lisboa) porque ele, automobilista, queria estacionar o seu carro ali, onde eu estava parado, no passeio. Eu estava no caminho, a atrapalhar, e ele deu um toquezinho de buzina, só para me avisar que ele queria ir para ali, precisamente para aquele sítio onde eu, peão, estava, no passeio, a atrapalhar.
A partir daí, as coisas não pararam de… como dizer?… de “evoluir”?
Os carros foram invadindo os nossos passeios, em geral estreitos, em geral esburacados, já ocupados selvaticamente por sinais de trânsito, caixas da EDP, semáforos, postes de electricidade, candeeiros públicos, sinalizações diversas, caixotes de lixo, parquímetros, etc.
A esmagadora maioria dos nossos políticos nunca deu por isto – incluindo os presidentes das câmaras – porque há muitos anos que não anda a pé. Têm motoristas com ordens para não respeitar os limites de velocidade porque eles estão a tratar de coisas importantes que não podem esperar. Andar a pé é para os pobres e eles, graças a Deus, não são pobres. Ou já não são – graças a Deus. Fica bem dizer na televisão que vão “devolver os passeios aos peões” mas no fundo nem sequer percebem qual a necessidade, porque afinal os peões conseguem contornar os carros ou ir para a estrada se for preciso, não é? É verdade que os velhos têm menos mobilidade, mas mesmo esses até ficam mais bem servidos (os políticos dizem “melhor servidos” porque já não são pobres mas a educação nem sempre fica muito bem colada às meninges) se andarem na estrada pois toda a gente sabe que a calçada “portuguesa” se gasta e fica escorregadia.
Devíamos estabelecer, como parte obrigatória de todas as campanhas autárquicas, percursos que calcorreassem a cidade, a ser realizados por todos os candidatos, em três modalidades: a) a empurrar um carrinho de bebé, b) com dois sacos de compras e um guarda-chuva nas mãos e c) em cadeira de rodas. Não para os castigar, mas para que aprendessem. Trata-se de situações que muitos milhares de cidadãos experimentam todos os dias.
A “evolução” dos carros no passeio levou a que, há dias, um amigo meu tenha sido atropelado. Atropelado por uma camioneta quando estava… no passeio.
A camioneta estava estacionada no passeio (parece que era um sítio mesmo bom, à sombra e tudo), decidiu fazer uma manobra e zás, atropelou o meu amigo, que teve de receber tratamento no hospital.
Há vários pormenores picantes: um deles foi o comentário de um dos ocupantes do camião, que disse ao atropelado que a culpa tinha sido dele porque estava distraído no passeio (de facto, estava a tirar uma fotografia). O outro é o facto de a camioneta, de uma empresa privada, estar ao serviço da Câmara Municipal de Lisboa quando teve lugar o acidente. A mesma que é presidida pelo presidente que garantiu (9.ª das dez promessas de António Costa) que haveria “Tolerância Zero para o estacionamento em cima do passeio ou em segunda fila”.
O estacionamento em cima do passeio é causa não apenas de um enorme incómodo mas de perigo. Quando se estaciona em cima do passeio (explico para benefício de presidentes de câmara), isso significa que se sobe para o passeio, que se desce do passeio e que, muitas vezes, se fazem manobras em cima do passeio (há desenhos que ilustram a versão on-line deste texto para mais fácil compreensão). E é, para além disso, um sinal de desrespeito dos outros e da lei. Quem estaciona no passeio acha que a lei pode ser ignorada, que a polícia pode ser gozada e que um presidente da câmara não sabe contar até nove. Sabe? »

11 comentários leave one →
  1. Piscoiso's avatar
    29 Outubro, 2008 07:51

    O mais gritante são mesmo os carrinhos de bébé que deixaram de poder circular nesses passeios.
    É mesmo ridículo continuar a chamar passeios a esses parques de estacionamento.
    Passear por lá, só com muita atenção àqueles laterais espelhos retrovisores, não vá uma pessoa partir um braço.

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  2. fado alexandrino's avatar
    29 Outubro, 2008 08:41

    Helena Roseta na campanha para a Câmara atou uma venda e andou pela Rua de São José a fingir de cega.
    Mas parece que não recuperou a visão depois de entrar para a Câmara e agora já ser vereadora.

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  3. Jota's avatar
    Jota permalink
    29 Outubro, 2008 10:15

    Lisboa ficou feita para os carros, tudo o que se faz na cidade é pensado para os veículos, os peões são uma espécie a abater

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  4. Desconhecida's avatar
    Anónimo permalink
    29 Outubro, 2008 10:58

    Não percebo por que é que não se pode estacionar em cima do passeio. É pecado?

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  5. C. Medina Ribeiro's avatar
    29 Outubro, 2008 12:43

    A propósito de carros em cima do passeio, ver o prémio oferecido [aqui] a quem conseguir fotografar um carro – um único! – a ser rebocado (ou mesmo bloqueado) num determinado local das Avenidas Novas.

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  6. m&m's avatar
    29 Outubro, 2008 12:44

    toda a gente sabe que promessas eleitorais são apenas isso: promessas.

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  7. JP Ribeiro's avatar
    JP Ribeiro permalink
    29 Outubro, 2008 12:45

    Fado Alexandrino (2): eles depois de agarrarem o tacho ficam todos aleijados. Alguns deles da mão. Na Roseta foi apenas cegueira. Vá lá.

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  8. André's avatar
    André permalink
    29 Outubro, 2008 14:30

    E podiam também estabelecer horas para cargas e descargas, na capital. É que a determinadas horas do dia não faz sentido nenhum ter camiões em cima do passeio, ou parados em segunda fila.

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  9. C. Medina Ribeiro's avatar
    29 Outubro, 2008 16:47

    Contactei, hoje mesmo, alguns moradores das avenidas novas (vítimas desta vergonha do estacionamento selvagem), e eles estão dispostos a oferecer prémios pecuniários (de valores que vão até aos €100) a quem conseguir fotografar alguém da EMEL, da PM ou da PSP a bloquear (ou a rebocar) carros em determinadas zonas da cidade.
    A iniciativa terá, muito justamente, o nome «Grande Prémio António Costa».

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  10. fado alexandrino's avatar
    29 Outubro, 2008 18:47

    E podiam também estabelecer horas para cargas e descargas, na capital.

    O regulamento já ameaçou entrar em funções umas cem vezes.
    Foi idealizado pelo guru da questão.
    Acho que se chama José Viegas e trabalha no Técnico.
    Incluía telemóveis, antenas. lugares marcados, pórticos tudo simplex.
    Fez-se uma experiência.
    Não funcionou.

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