Um imenso Freeport*
“Aquelas casas! Que horror!” – assim comentava, nos bastidores dum debate, alguém da área do PS a traça das casas cujos projectos José Sócrates garante ter assinado, embora os respectivos proprietários digam não ser ele o autor dos projectos. O tom desta frase estava algures num lugar indefinível entre o sarcasmo e a complacência. O sarcasmo nascia naturalmente da convicção enraízada no meu interlocutor de que os processos de licenciamento deveriam funcionar como uma espécie de comissão de bom gosto que tornasse pelo menos esteticamente inócuas as casinhas do povo. Afinal não há nada que irrite tanto as elites de cada época quanto a arquitectura popular sua contemporânea. Já a complacência resultava não tanto da atitude do meu interlocutor perante os actos e as opções de José Sócrates mas sobretudo perante si mesmo.
O meu interlocutor era e é o que se pode designar como um socialista histórico. Fazia parte daquele grupo que se fizera adulto nas crises académicas dos anos 60 e 70, reforçara, depois de 74, os seus pergaminhos democráticos combatendo as tentações totalitárias dos comunistas e, durante o cavaquismo, integrara a corte de Soares em Belém. Foram mais de vinte anos a ver-se, ele e todo o seu grupo, como infinitamente cultos e superiores nas mesas espelhadas dos gabinetes. E são eles que agora têm pela frente, como seu líder, um homem que noutro contexto teriam literalmente arrasado. Por elitismo intelectual. Mas não só.
O que em Portugal distingue os socialistas das outras famílias políticas não são os seus actos. É sim a complacência perante alguns desses actos. Complacência que por razões históricas era maior no PS que nos outros partidos – no pós 25 de Abril, o PS emerge como partido e líder inevitável num país a precisar de esquecer o passado. Mas histórias recentes elevaram essa complacência para níveis preocupantes. Essas histórias têm nome. Chamam-se Casa Pia e José Sócrates. O PS terá um dia de fazer o balanço destes dois episódios distintos da sua vida, episódios em que aquele partido reagiu de igual modo perante acusações de natureza absolutamente diversa aos seus dirigentes: nos dois casos, importantes dirigentes socialistas alegaram que foram vítimas de cabalas.
Que o maior partido português, o PS, defenda que em Portugal, ou seja o mesmo país que o PS tem governado várias vezes, investigadores policiais devidamente articulados com a comunicação social e instituições da República conspiram contra os seus líderes é um caso que nos devia fazer reflectir. Porque sendo isso verdade é gravíssimo. E não o sendo também é. Porque um partido democrático, com responsabilidades de governo, não pode levantar levianamente suspeitas que descredibilizam as instituições. Esta atitude dúbia do PS, que num dia se diz vítima de cabalas e no outro quer encerrar rapidamente o assunto, conduziu os portugueses, socialistas ou não, a um pântano, no sentido guterriano do termo, mas com a assinalável diferença em relação ao autor do termo que aos restantes portugueses ninguém os convida ou coloca em cargos internacionais. Logo só podemos ficar aqui encalhados e a considerar normal hoje aquilo que na véspera designávamos como crime. E sabendo antecipadamente que amanhã flexibilizaremos ainda um pouco mais a nossa escala de valores.
Mas se do processo Casa Pia, até pela natureza dos factos, nos resta sobretudo esperar que o tempo, ainda mais do que a justiça, traga a distância que torna mais nítidas as motivações humanas, sobretudo as menos confessáveis, já quanto às suspeitas que envolvem José Sócrates é possível e desejável que se discutam algumas coisas. Até porque José Sócrates tem razão num ponto: no caso Freeport tal como nas casinhas da Guarda estamos provavelmente perante situações legais ou mais propriamente situações cuja ilegalidade não se consegue provar. E se tudo isto poderia ter acontecido com outro primeiro-ministro socialista ou não (sendo certo que se não fosse socialista a onda de indignação teria neste momento proporções bíblicas) a verdade é que casos como o Freeport tenderão a banalizar-se porque a concepção de José Sócrates do seu governo como uma equipa negocial de luxo a isso nos levará, sem apelo nem agravo, sobretudo quando os negócios falharem.
José Sócrates entende o aparelho de Estado como uma imensa empresa. A empresa-Estado escolhe, como no caso do Magalhães, os seus parceiros de negócios e cria legislação especial para que esses parceiros não sejam tolhidos nos seus projectos pelos mesmos entraves que se colocam ao cidadão comum. Como bem frisou Pedro Almeida Vieira no blogue estragodanacao.blogspot.com hoje o processo de licenciamento do Freeport já nem se colocaria nos mesmos moldes porque seria projecto PIN, ou seja teria uma espécie de via verde no labirinto da burocracia e da legislação onde se desgastam todos os outros.
O que os promotores do Freeport conseguiram foi logo à partida aquilo que cada um de nós teria o direito de esperar em igual circunstância: que a decisão fosse rápida. A mim não me choca a celeridade do processo. O que me choca é a lentidão com que são tratados os outros. Muito provavelmente o Freeport nem representa uma degradação ambiental em relação à situação anterior. O que é preocupante é vermos a legislação ambiental transformada num regresso ao condicionamento industrial do salazarismo com a consequente protecção de determinados grupos económicos. Muitos dos terrenos ambientalmente protegidos funcionam como uma território em pousio donde o poder político faz desafectações quando entende e a favor de quem entende, baseando-se em critérios que valem tanto quanto o seu contrário.
Em todas as possibilidades de escolha, da banca às escolas, da administração interna aos bolos que comemos na praia, o governo de Sócrates tirou sempre poder aos cidadãos e reforçou a intervenção do Estado. E esse Estado que não cumpre as suas funções inalienáveis como desgraçadamente se vê na Justiça ou na incapacidade de fiscalização do Banco de Portugal, reforça-se pela mão de José Sócrates como a grande empresa nacional. José Sócrates não vê problema algum no caso Freeport. Nem pode ver. O poder para ele é isso: gerir uma equipa negocial de luxo.
*PÚBLICO

o pm e o monstruário da periferia portuguesa.
esta não é geográfica.
é cultural, ética, cívica, técnica ´
e por aí fora
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Helena Matos,
Já vi casos de corrupção e enrequecimento ilícito, e não tomei nenhuma atitude, pois não acredito na justiça deste país. É esse o grande “PROBLEMA” neste rectângulo. A falta de vergonha, que os nossos políticos, e não só, têm, só com uma revolução séria, se poderá um dia vivermos numa sociedade mais justa. Isto chegou a um ponto, que não há partido político que não esteja chamuscado, mas este PS, é uma corja nojenta, que tem que ser apeada do poder. O problema é que o povo português, na sua generalidade, é estúpido, pois quem vota em pessoas acusadas de crimes graves, pessoas que fogem do país e voltam sem nada lhes acontecer, exemplos de Fátima Felgueiras, Valentim Loureiro, Isaltino etc., o que se passa, como bem disse na Casa Pia, deixa-me sem vontade de cá viver. O caso Freeport, é mais um entre tantos, em que a culpa ( havendo-a ), morre solteira. É fartar vilanagem!
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A presunção de inocência é um valor absoluto, sem o qual retrocederemos ao período pré-revolução francesa. Penso que aqui estaremos todos de acordo. Por isso, pelo menos a nivel politico, não é curial, nem importante discutir a que título está envolvido o PM se é que está envolvido no caso Free-port.
O que na realidade é fundamental discutirmos é a forma como no caso, e nos casos, o pm reage às suspeições. Não pode José Sócrates, nem deve a primeira figura de um orgão de soberania colocar sob supeita outro orgão de soberania. Mesmo que, esteja acossado, ou mesmo inocente. Deve, isso sim, qualquer que seja o primeiro ministro, em situações análogas, lutar pelo seu bom nome, mas em sede própria.
Ora, o que o senhor Pm fez aponta num sentido contrário, lançou a suspeição sobre o poder judicial e sobre alguma comunicação social. Isto não só não é sério, como também é lançar a dúvida sobre funcionamento da Democracia.
Assim, o verdadeiro julgamento será o sufrágio eleitoral. Oxalá os portuguses sejam “Juízes” à altura.
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Helena o PM pode dizer o que disse porque está Á vista de toda a gente. Podem estrebuchar à vontade, podem negar, podem dizer que não… mas basta ter meio neuronio, não se fazer de parvo para ver.
A Helena Matos costuma vir aqui no seu blog criticar titulos, criticar os jornalistas da palestina e de israel, os franceses e os dos bascos quando fazem trocas de palavras. e não é minimamente capaz de ter sentido critico no que respeita ao que se passa. Toda a gente pode ver a campanha que existe para convencer toda a gente que o PM é um mentiroso, um safado, um corrupto e que está a ser investigado pelos ingleses que já o consideram culpadíssimo e que sabem tudo e eles é que estão certso.
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Não tarda nada que o grande protagonista do Freeport, depois dos coelhos que tem feito sair da cartola em sua desesperada defesa, saque de algum contentor (onde tem estado escondido) o coelhão-mór, o Jorge.
Esse, sim, atestará definitivamente o impoluto comportamento do dono da cartola.
Esperemos, portanto.
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Excelente análise!
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Se fosse um imenso freeport já não havia fábrica de pneus a poluir.
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A campanha negra das forças ocultas caro anónimo 4 não considera em absoluto o seu ídolo com culpado de ser sujeito passivo de corrupção.
É disso precisamente que HM fala neste post, mas tão só de como no caso vertente o PS e nomeadamente o seu expoente maximo nos ultimos anos entendem o poder.
Aliás é referenciado nele aquilo que foi alterado para quem está no poder “não sofrer” tanto como nos caso do Freeport.
Dessa “experiência dolorosa” (presumo que doutras também) se chegou aos Projectos de Interesse Nacional.
Pode até ser uma campanha negra esta dos “malditos jornalistas” mas nada tira as forças ocultas que promovem legislações que dão a possibilidade de dar o “grande salto em frente”
E o pior é que no caso da Casa Pia, sem que as pessoas tomassem consciência, foi mudada a legislação de forma a que se pudesse dar o “grande salto atrás” na possível condenação dos ainda alegados autores.
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O Troglodita
Tens bom remédio. Vai-te embora pois não fazes cá falta nenhuma. Volta para as cavernas. Estamos fartos de trogloditas
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Primeiro-ministro assinou nos anos 80 vários projectos feitos por colegas seus
Inquérito a “casas” de Sócrates na Guarda não ouviu ninguém e ignorou autoria
http://www.ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1357948
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Para as casas do Sócrates e os textos da Helena, um fator comum: o autoclismo.
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Anónimo 9,
Pertences à corja, estão a acabar os teus dias de impunidade, portanto tem cuidado….
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O Troglodita
“Pertences à corja, estão a acabar os teus dias de impunidade”
Isso não me diz respeito, pois não pertenço a qualquer corja. Talvez tu pertenças á corja de Nehendertal. Quem não deve não teme. É o meu caso.
Eu apenas dou réplica aqueles que deveriam ser mais comedidos na linguagem porca que utilizam.
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Bem apanhado Helena Matos .
Meta ASAE, mais “certificados de eficiência energética ” , e outras “certificações e acreditações ” obrigatórias , mais alvaras dispersos , taxas disto e daquilo e dá num belo caldo de cultura .
A Democracia segue dentro de momentos.
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Anónimo (4):
“Helena o PM pode dizer o que disse porque está Á vista de toda a gente. Podem estrebuchar à vontade, podem negar, podem dizer que não… mas basta ter meio neuronio, não se fazer de parvo para ver.”
Tem toda a razão. Só quem nem meio neurónio tem pode negar que há todas as razões e mais algumas para suspeitar da forma como o Freeport foi licenciado.
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“sendo certo que se não fosse socialista a onda de indignação teria neste momento proporções bíblicas”
Muito bem apanhado.
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Com a desfaçatez, com que o Jorge se move no lodaçal, socialista, tem alguma duvida de que o Socrates, não se aproveitou da situação? claro que è burro, porque muitas impressões das mãos sujas deixaram marcas e muita gente a bufar ao mesmo tampo dá contradições, que explicam os factos.
No tempo do fascismo, nunca houve estorias, como a abrilada produziu em 34 anos! havia mais decencia, mesmo que houvesse uma lei de condicionamento industrial, que produziu, muita da industria, que os abrilistas encontraram e foi pela pia abaixo
com as nacioanlizações! è duro, mas è a verdade crua……
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