Pré-compreensões de um debate
1. Eutanásia e ortotanásia não são conceitos idênticos;
2. É muito bonito, no sentido de dizer que fica sempre bem, questionar o modo como se alcança a morte de alguém que está em estado vegetativo, i.e. uma morte-viva – mas, então, como justificar os casos em que se desligam os suportes de vida a um doente irrecuperável? Situação, aliás, que acontece diariamente nos hospitais portugueses sem interferência dos tribunais ou o envolvimento de qualquer pressuposto jurídico (nem sequer para disfarçar)?
3. Ou seja, concluindo, o melhor é que as coisas aconteçam bem escondidinhas, resolvidas a preceito pelos médicos, de acordo com os protocolos hospitalares que só eles conhecem e que nem mesmo eles cumprem (e que variam de hospital para hospital, já agora)?

É suposto este texto justificar a opção por deixar morrer à fome e sede em vez de lhe dar uma injecção letal (opção que me parece defensável)?
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«É suposto este texto justificar a opção por deixar morrer à fome e sede em vez de lhe dar uma injecção letal »
Talvez não. Mas é suposto que quem se indigna com o que se passou em Itália tenha ataques de fúria com o que acontece todos os dias nos hospitais nacionais em que se desligam os suportes de vida a doentes irrecuperáveis? Diga-me lá qual é a diferença ética…
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“Diga-me lá qual é a diferença ética…”
Não conheço os detalhes técnicos/médicos desses casos. Digo apenas que, num doente sem poder manifestar a sua vontade, entre provocar uma morte à fome ou escolher um método “activo” mais rápido, suave e indolor, eu não tenho dúvidas. Se “desligar as máquinas” também provocar uma situação semelhante (não sei se é o caso ou não), também não tenho dúvidas em, por comparação, preferir o “método activo”. Por isso acho inacreditável que alguém defenda esta morte à fome, nem que seja “justificando-a” com outros casos supostamente semelhantes.
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Caro CAA,
Não tenho, por ausência de conhecimentos, uma teoria geral para situações similares.
No caso presente, a senhora estava em coma. O único aspecto «artificial» de manutenção da sua vida era a necessidade de ser alimentada por sistema intravenoso. O mesmo que sucede vulgarmente a qualquer um de nós quando operado/internado. De resto, todos os seus orgãos funcionavam autonomamente, sem necessidade de assistência externa. O seu corpo «acordava» e «dormia» regularmente, segundo os ciclos normais de sono. Era e estava viável (mesmo se porventura recuperasse a qualquer momento do coma).
Este último aspecto é, a meu ver, situação muito diferente de casos em que se mantêm alguém ligado a máquinas para funcionamento em substituição de funções de orgãos danificados, sem hipótese de regeneração. Casos esses em que não vejo obviamente problema no desligar. E que sim, seriam provavelmente casos de Ortotanásia. E sim, em que o paciente tem direito a morte digna, em que seria desumano o prolongamento artificial do seu estado.
O coma em si mesmo não é uma doença, mas um estado, terapeutico, julgo. Que pode ter grande amplitude de duração. Que pode mesmo ser induzido medicamente para efeitos de tratamento.
Neste caso concreto, ela de nada sofria, não estava doente. Estava em coma. Há muito tempo é certo. Na incerteza de se algum dia recuperava de tal estado ou não. Mas estava em boas condições de saúde e poderia hipoteticamente a qualquer momento recuperar tendo as necessárias condições de vida.
Não creio que em tal situação se deva aplicar qualquer pressuposto de vontade presumida de abreviação de vida, na medida em que nem existe, terapeuticamente falando, sofrimento, nem sobretudo qualquer artificialismo indigno na manutenção de vida.
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“…num doente sem poder manifestar a sua vontade…”
Porque não dizes logo: num doente que já está morto?
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Ok, percebi, navega-se em plena bizantinice…
Indigna-se com o caso de Eluana, emite-se juízos abstractos acerca da ‘boa morte’ politicamente correcta mas ignora-se olimpicamente aquilo que se passa entre nós sem qualquer supervisão, sem ser aferido por ninguém, sem que exista um controle mínimo para além dos que se arvoram em juízes (ou deuses) sem terem a preparação para o serem…
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O meu comentário nº 6 não se refere ao comentário nº 4 do Gabriel.
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perguntas (CAA) e bem «como justificar os casos em que se desligam os suportes de vida a um doente irrecuperável?»
Não sei se existe qualquer lei ou regulamento que indique em que casos tal seja possível.
A meu ver deveria existir . E deveria cobrir aquelas situações, que como atrás disse, em que há uma manutenção, por via artificial e substitutiva dos orgãos do corpo, sem possibilidade médica de recuperação. Espero que na ausência de regulamento, o bom senso esteja a ser aplicado, mas tens toda a razão na critica ao facto de as coisas se passarem na base do jeitinho e ás escondidas.
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“Porque não dizes logo: num doente que já está morto?”
Eventualmente sim, mas mesmo que não estivesse.
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Acha o CAA que eu deveria pronunciar-me sobre todo e qualquer tema eventualmente polémico, para dar a minha “sentença”, caso contrário perco legitimidade para opinar sobre um caso particular. Agradeço sensibilizado a consideração. 😉
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Questão bem pertinente.
Na realidade, como distinguir a decisão médica de “desligar a máquina” com o “deixar de alimentar e de dar líquidos” aos doentes?
o sátiro
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já agora, acrescento que também considero indignas, escandalosas e inaceitáveis certas declarações e acções levada a cabo pelo governo italiano durante o processo, especialmente nos últimos dias.
mas continuo a entender que a senhora não estava em caso algum a ser mantida viva de forma abusiva, nem indigna, que de acordo com o relatado, o seu corpo funcionava regularmente, que o coma, ainda que não se saiba como e se alguma vez saísse dele, sempre poderia suceder, e como tal ao decidir-se retirar a alimentação, foi de facto morta de forma voluntária e indigna.
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Boa tarde aos liberais:
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Acho a questão da “dignidade” completamente deslocada neste contexto: http://taf.net/opiniao/2005/04/indignidade.htm
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Ou melhor, deslocada quando aplicada à situação em que estava a pessoa. Concordo que o método de a deixar morrer foi indigno.
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E você gostava de ficar dezassete anos da sua (vida?) em estado vegetativo, sem liberdade de ao menos poder rogar mais dezassete dessa dádiva de alegria?
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E diante do altruísmo blasfemo por este caso, mal se entende a distância de tantos por cá, indiferentes que se viu às centenas de milhar de vidas ceifadas no Iraque a mero capricho de um busha doido e prepotente.
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Ya, “mas ignora-se olimpicamente aquilo que se passa entre nós” de injustas guerras e cruéis matanças.
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Está bem, aceito, mas esses estavam vivos, que é dizer, injustiçados, embora, e inocentes, mas completamente aptos a sofrer a injustiça da humilhação e do medo.
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Demais, sentenas de milhar, como nem disse, um mero número, sem nada que se compare a um ser humano, virgem pra mais, ao que se consta, e ocidental, que a Eluana era de Itália, italiana.
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Está bem, centenas…
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CAA, então se os equipamentos de apoio à vida existentes num hospital forem 20 e os doentes que necessitam deles 21? Como se faz? Envia-se para outro hospital e vai-se empurrando com a barriga até que os doentes sejam mais que os equipamentos existentes, o que acontecerá sempre ? É um falso problema!Alguem tem que tomar decisões e tem que ser quem lida com os problemas.Num quadro discutido e aceite e conecido por todos!
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“…então se os equipamentos de apoio à vida existentes num hospital forem 20 e os doentes que necessitam deles 21? Como se faz? Envia-se para outro hospital…”
Não, envia-se para o Vaticano (parte sempre muito interessada nestes casos) e os santos que façam milagres, que é para isso que eles existem.
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Acho que era melhor viverem esta realidade e depois falarem.
O meu Pai esteve vinte e tal dias nos Cuidados Intensivos e depois mesmo nestes num sítio isolado devido a uma bactéria que apanhou.
O pessoal daqueles serviços, (não vou dizer onde foi pois acredito que não querem reconhecimento público), foram absolutamente inexcedíveis em atenções em informações em acompanhamento.
É um hospital público.
Acabou por falecer sem eu nunca saber se me ouvia.
Não sei se teria sido melhor desligar a máquina ao quinto ao décimo ou seja lá em que dia for.
Um filho acredita, mesmo contra todas as evidências, que tudo pode mudar.
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Não será esta situação semelhante alguns autistas ou deficientes profundos por lesão cerebral ou bactéria, que perdem consciência da existência ou que nasceram sem ela e que têm que ser alimentados toda a vida por terceiros, gozando de boa saúde física?
Vamos deixar de lhes dar de comer?
Penso que a diferença entre a alimentação fornecida por uma máquina ou manualmente por um familiar ou funcionário pago para isso não é assim tanta. E há deficientes profundos que vivem bem mais de 17 anos.
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“Vamos deixar de lhes dar de comer?”
Precisamente.
Repito que neste caso me pareceu eventualmente defensável (mas não mais que isso) uma opção pela eutanásia. Contudo, o que eu discutia nem era isso (não tenho opinião formada e acho que cada caso é um caso). O que eu contesto, e não vejo com que base se pode defender o contrário, é que depois de ter decidido (bem ou mal) terminar a vida se escolha a morte à fome em vez de uma injecção letal.
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Talvez por a morte à fome ser um corte de uma dependência por um objector de consciência, direito que penso que assiste a qualquer cidadão, e a morte por injecção implicar um acto voluntário e premeditado de obter um resultado observável, punido por lei.
A morte à fome será crime por omissão e a morte por injecção crime por acção. Em qualquer dos casos, crime…
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No caso de uma pessoa sem qualquer possibilidade de se alimentar nem sequer de pedir ajuda, não há diferença (desse ponto de vista) em cortar a alimentação ou dar uma injecção letal. O resultado é garantidamente o mesmo. Quanto a ser crime ou não a eutanásia, eu não tenho uma posição tão definida, ou melhor, não acho que haja nenhuma regra geral aplicável e só estudando caso a caso. Correndo o risco de chocar muita gente com a comparação seguinte, o exemplo por que eu passei foi com uma minha gata que ficou extremamente debilitada por doença, praticamente sem consciência, e que eu optei por abater por me parecer a melhor opção _para_ela_. Quem tem animais domésticos que fazem mesmo parte da família (como é o meu caso 🙂 ), perceberá eventualmente que, havendo uma diferença de escala na importância dos valores em causa entre animais e humanos, não há contudo uma diferença estrutural (na minha modesta opinião).
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CAA,
Seria interessante saber quem estaria disposto a “executar” a acção de deslicar cabos que ligam e mantêm a vida, a dar uma injecção letal ou qualquer outro acto que resulte na morte.
Nuno
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E tambem é importante defenir as fronteiras do Quando, Como e Quem ?
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CAA
em cheio no porta aviões!
quase todos os dias à classe médica se coloca a necessidade de decidir quais os que morrem e quais os que podem sobreviver graças ao equipamento; na ausência de material suficiente, regra geral é o mais idoso o primeiro a disponibilizar a máquina! a pura substituição do velho pelo novo!
Cruel, sem decisão judicial… é assim!
Como diria um idoso conhecido: coisas da vida!
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“regra geral é o mais idoso o primeiro a disponibilizar a máquina! a pura substituição do velho pelo novo!
Cruel, sem decisão judicial… é assim!”
Não sera o que tem mais hipoteses de recuperação (medicamente falando)
E porque seria um juiz menos cruel? A decisao judicial é mais humana?
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Oh Miguel não entenda como um juízo de valor mas sim como mera constatação…
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Caro JCP,
Que eu saiba o que vale é o critério clínico e NÃO a idade. Lá por, em média, as pessoas mais velhas (idosas) estarem em piores condições que uma mais jovem, não implica que a descriminação seja feita pela idade.
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A morte de Eluana resultou do fim de 14 anos de obstinação e encarniçamento terapêutico face a uma doente com lesões irreversíveis, sem quaisquer hipóteses de cura ou reabilitação, numa estado de degradação física e em situação de estado vegetativo permanente.
A suspensão de tratamentos médicos excessivos ou de meios de suporte vital nestas circunstâncias é defensável de acordo com as regras da Bioética e mesmo da deontologia médica.
E parece-me evidente que uma alimentação por gastrostomia durante 14 anos, com todo o sofrimento e sequelas físicas que acarreta, no caso concrEto desta doente, é um meio excessivo de manutenção da vida.
Trata-se afinal de uma forma de distanásia, que consiste em atrasar o mais possível o momento da morte usando todos os meios para manter o doente vivo, ainda que não haja esperança alguma de cura e ainda que isso signifique infligir ao doente sofrimentos adicionais.
Outro elemento importante é a comum decisão da equipa médica e da família face à situação concreta, no sentido de suspender os meios de suspensão artificial da vida.
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“No caso de uma pessoa sem qualquer possibilidade de se alimentar nem sequer de pedir ajuda, não há diferença (desse ponto de vista) em cortar a alimentação ou dar uma injecção letal.”
HÁ UM DIFERENÇA SIGNIFICATIVA ENTRE PROVOCAR DIRECTAMENTE A MORTE OU USPENDER UM TRATAMENTO MÉDICO.
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Da mesma maneira que se alguém tiver um doença terminal, sem possibilidades de cura e recusar um tratamento que só lhe vai prolongar uma vida de má qualidade por um ou dois meses, não é suicidio.
O que penso que os médicos fazem e isso sim corresponde ao “tiro de misericórdia”, é não tratar um doente, prolongando-lhe uma vida de sofrimento e sem futuro e proporcionar-lhe uma boa morte que é também um direito. Penso que a isto se chama cuidados paliativos.
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