Academia — espaço livre de praxe
Tendo em conta o início do novo ano escolar, publica-se novamente este texto, originalmente publicado no jornal Expresso, em 4 Abril 2009.
Academia — espaço livre de praxe.
Duas alunas encontram-se nas proximidades do recinto académico. Uma encontra-se de joelhos no chão. A outra dá instruções à primeira sobre os movimentos que deve fazer. Noutro momento, um conjunto de alunos do primeiro ano janta na companhia de alguns alunos mais velhos, em ambiente de camaradagem. Estas duas situações demonstram, como muitas outras o poderiam fazer, o tipo de interacções que podem ocorrer na Academia, envolvendo os alunos recém-chegados e os alunos mais antigos. Actos de humilhação/domínio e momentos de camaradagem podem coexistir, e a avaliação que cada um possa fazer da sua própria experiência poderá ser de natureza diversa.
Se aceitarmos, como conceito geral, que “a liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo que não prejudica outra parte: desta forma, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem como limites outros que não sejam os que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo desses mesmos direitos. Estes limites não podem ser determinados por outra forma que não seja a Lei” (D.D.H.C., 1789), então reconheceremos que a interacção entre dois alunos, desde que não contenda com os limites da lei, diz respeito aos próprios, excepto se estiver verificado o caso de existir prejuízo para uma terceira parte.
Essa terceira parte poderá ser a Academia. Salvo melhor opinião, a Academia deverá transmitir a imagem de defender um conjunto de princípios, os quais incluem a promoção do enriquecimento pessoal através do estudo e a procura de novos conhecimentos. Contudo, o respeito pelo próximo deverá ser parte integrante dos princípios que norteiam a Academia. Não se concebe que, sem este último conceito, profissões como a advocacia, a medicina clínica ou o ensino sejam desempenhadas de forma adequada — profissões que exigem uma passagem prolongada pela Academia.
Não é de aceitar que gestos de humilhação que possam integrar a ‘praxe’ sejam praticados dentro dos recintos académicos, uma vez que resulta prejudicada a imagem da Academia e, por extensão, a imagem de todos os seus membros.
Sou de parecer, na sequência do atrás exposto, que deve a Academia — todas as Academias — ser declarada um espaço livre de praxe. Uma atitude proibicionista poderia levar a consequências distintas das pretendidas, pelo que, mais do que proibir, interessará estimular o convívio entre alunos mais novos e mais velhos. Tal desiderato deverá ser atingido através da institucionalização desse mesmo convívio, no interior e sob os auspícios da Academia, dedicando a esse efeito alguns dias das primeiras semanas de cada ano lectivo — devendo a escola empenhar-se nesse objectivo.
Promover o respeito pelo próximo, promovendo o convívio entre alunos no ambiente da escola — uma escola que não poderá ser de humilhação, nem tão pouco de compadrio ou de nepotismo, mas antes baseada no mérito e na promoção da igualdade de oportunidades — eis um desafio a que urge dar resposta.
Não esqueçamos as palavras de Wiesel, a propósito do nazismo: “talvez a educação superior tenha colocado demasiada ênfase em ideias abstractas e pouca ênfase na humanidade”.
José Pedro Lopes Nunes

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