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A República, 100 anos depois.

5 Outubro, 2010
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(Tópicos abordados em Celorico de Basto, em 11 de Setembro de 2010, em mesa redonda subordinada ao tema “Regionalização”, no contexto da celebração dos 100 anos da República)

1. Porquê a República?

A principal justificação para a república, em contraposição com a monarquia, consiste no princípio da igualdade de direitos. Para além de quaisquer outras considerações, de tipo utilitarista ou de qualquer outro tipo, não é aceitável que existam uma ou mais pessoas com direitos acrescidos em comparação com as demais. Esse é o fundamento principal da república.

A república não se confunde necessariamente com a democracia. Nos E.U.A., país no qual teve origem o modelo que presentemente domina grande parte do mundo, os dois conceitos não são vistos como idênticos, daí a existência de um partido Democrático e de um partido Republicano. Historicamente, podemos pensar na democracia de Atenas e na República de Roma, regimes políticos com sortes muito diversas. No regime criado pelos founding fathers, contudo, a opção foi por um presidente (e não dois cônsules), tendo sido (re)introduzido o conceito de limitação de mandatos e tendo sido colocados limites à sua acção, sob a forma de uma Constituição (escrita) e de um Congresso.

A República é, antes de tudo o mais, uma questão de princípio. Não é razoável esperar que, com  a República,  os problemas e  defeitos de um país desapareçam como se de magia se tratasse. Da mesma forma, o sol e as praias não foram obra de monárquicos, nem de republicanos.

2. Regionalização.

No caso português, as crescentes disparidades regionais são motivo de preocupação, sobretudo porque o actual modelo de desenvolvimento do país parece estar a levá-lo para um “beco sem saída”. Parece, portanto, oportuno voltar a pensar na descentralização administrativa, uma vez que Portugal se conta entre os países com uma administração mais centralista da Europa, e é um dos mais pobres. A descentralização administrativa é, também, uma questão de princípio, sobretudo tendo em conta que o actual modelo se tem mostrado incapaz de se associar a um desenvolvimento harmonioso do país.

Podemos dizer que qualquer nova tentativa de regionalização deverá passar por um novo referendo, e forçoso será que o mapa das regiões se aproxime de cinco regiões, deixando portanto cair a proposta de criação de regiões interiores. Não será útil debater a bondade da criação destas regiões, uma vez que não se apresenta como de todo exequível tal desiderato – uma nova tentativa de referendo com um mapa semelhante ao proposto em 1998 estará, com toda a probabilidade, destinada ao (anunciado) fracasso.

O actual contexto económico de crise apresenta-se como desfavorável para a criação das regiões administrativas. Poderá ter interesse a criação de uma região-piloto, sobretudo no sentido de exorcizar muitos dos fantasmas que as pessoas com fortes interesses contrários à regionalização gostam de ostentar. Uma proposta com interesse consiste em fazer depender a criação de regiões da concomitante extinção de municípios.

Tão importante como a possibilidade de serem tomadas decisões mais próximo dos cidadãos é a questão da distribuição das verbas do Estado pelo território nacional. Se no que respeita a investimentos se pode defender que deverá ser privilegiada a parte do país menos desenvolvida, já no que respeita aos gastos correntes, e designadamente em sectores como a saúde ou a educação, é difícil defender que a distribuição dos gastos não seja minimamente proporcional ao número de pessoas em cada região. Existem indícios, contudo, que tal poderá não ser o caso no momento presente, pelo menos em alguns sectores. Esta é uma situação que deverá, de imediato, atrair a atenção dos media, da academia e de todos os cidadãos interessados no desenvolvimento harmonioso de Portugal.

O municipalismo deve ser apoiado, atento a grande contributo que as autarquias locais têm vindo a dar para o desenvolvimento do país. Também outras organizações estatais descentralizadas ou desconcentradas devem ser estimuladas. No que diz respeito à acumulação de serviços na capital, chama-se a atenção para o facto que a última pessoa que tentou retirar estruturas centrais de Lisboa foi rapidamente retirada do poder, após um coro (centralista) ensurdecedor e que envolveu pessoas colocadas, na ocasião e em momentos ulteriores, em alto nível. Tratamento desagradável foi também reservado para uma pessoa que, a uma escala diferente (ministerial), deu passos no mesmo sentido.

Enquanto não houver regiões (e dificilmente elas virão a existir num futuro imediato), a estratégia a seguir poderá consistir, portanto, em:

  1. Verificar a distribuição geográfica dos gastos e dos investimentos do estado.
  2. Apoiar a eventual criação de uma região-piloto.
  3. Cercar o centralismo de organizações descentralizadas e/ou desconcentradas (tal como, anteriormente, houve que “cercar o trono com instituições republicanas ”.

3. Endividamento.

Cem anos depois da república, o grande imperativo de princípio do início do século XXI em Portugal é resolver o problema do endividamento.

A dívida limita a república e a democracia – o poder sai das mãos dos cidadãos para as mãos dos credores. Trata-se, na verdade, de um estado de quase servidão a que o país se está a entregar voluntariamente – num certo sentido, a res torna-se menos pública. Independentemente da filiação filosófica/ ideológica de cada um, devemos convir na necessidade de eliminar o endividamento do Estado – não o fazer será trair a própria república, e pode condenar a democracia.

Essa será a luta pela sobrevivência da república e da democracia, algo que devemos aos que, antes de nós, por elas se bateram.

4. Conclusões.

Cem anos após o início do regime republicano em Portugal, o país sofreu um desenvolvimento notável. Parte importante desse desenvolvimento tem a ver com a entrada na União Europeia, e temos que reconhecer que se a U.E. se apresenta como uma república alargada, não deixa de ser constituída, quer por repúblicas, quer por monarquias. Por outras palavras, é indiferente, para efeitos de pertencer à U.E., se Portugal é república ou monarquia.

Portugal não se compara favoravelmente, em numerosos parâmetros, com a maioria dos países europeus. Se é injusto culpar o regime republicano, é com este regime que temos que levar o país para a frente. Precisamos de encontrar mecanismos que permitam manter a liberdade e a democracia, mas sem que a demagogia precipite o país no abismo.

José Pedro Lopes Nunes

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