Querida sarjeta*
Aí onde a vêem causou-me sérias irritações. Mas após vários anos de convívio percebi que a História recente do país é simbolizada por ela, a sarjeta da minha rua. Note-se que a sarjeta da minha rua começou por ser uma sarjeta como as outras. Um dia que não sei precisar mas que creio ter acontecido ainda no século passado a pedra da sarjeta deslocou-se. Coisa pouca e só perceptível a quem, como eu, todos os dias se cruza com ela. Pouco depois, talvez já no século XXI, a pedra partiu-se. Entretanto a calçada começou a esboroar-se. As suas pedras a cada dia mais soltas começaram a atulhar o espaço da antiga sarjeta. Pouco a pouco da amálgama de pedras e lama surgiu esta composição com um vago ar de megálito em ponto pequeno. Digamos que é uma pós-sarjeta. Um monumento da contemporaneidade e em que de repente descobri plasmada a explicação da actual crise.
A história da sarjeta da minha rua é afinal portuguesmente nossa: ao longo de todo o tempo em que esta sarjeta se ia esboroando a autarquia lisboeta responsável pelo seu arranjo, ou mais concretamente pelo seu não arranjo, conheceu quatro presidentes – António Costa, Carmona Rodrigues, Santana Lopes e João Soares. Todos eles disseram querer o melhor para a cidade. Na senda desse melhor prometeram dinamizar, salvar e modernizar Lisboa e consequentemente encomendaram projectos como o de Gehry para o Parque Mayer ou o do Vale de Santo António que nunca saíram do papel. Gastaram milhões e milhões de euros a adquirir edifícios, como o Banco Nacional Ultramarino na Rua Augusta, enquanto o imenso património da autarquia se degradava. (Simbolicamente o próprio edifício do ex-BNU agora Museu do Design parece ter incorporado este destino entre a megalomania do poder e a decadência da realidade pois no passado fim-de-semana um papelucho colado no que já foi uma porta monumental e limpa avisava que o museu estava fechado porque chovera lá dentro.) Patrocinaram festivais multiculturais e intergeracionais com muitos comissários disto e daquilo enquanto nos autocarros e carruagens de comboio cidadãos de todas as cores passaram a ter medo dos assaltos. Quiseram definir como deviam ser as nossas campas e acabaram a malbaratar milhões de euros num cemitério, o de Carnide, em que milhares de corpos não se decompõem. Acharam que a autarquia devia fazer cidade e não administrá-la, o que levou à multiplicação das empresas municipais que mesmo quando não fazem nada não se conseguem extinguir. Por isso teríamos inevitavelmente de acabar como acabámos: o município tem as suas verbas quase cativas só para suportar despesas de funcionamento e nas próximas eleições novos candidatos ou estes prometerão dar mais, organizar mais eventos, produzir mais diplomas para juntar aos cem que, segundo a Ordem dos Engenheiros, já são necessários para licenciar um edifício em Lisboa e que levam a que em tantos municípios de Portugal quem faz obras legais pague mais de taxas e de licenças que aquilo que gasta em pedreiros e tijolos.
E se da escala municipal passarmos para o país o que encontramos é exactamente o mesmo. Ou seja o Estado deixou de fazer o seu papel e propõe-se fazer tudo o que não lhe compete. Afecta recursos humanos e materiais a impedir que comamos bolas de Berlim nas praias enquanto se mostra incapaz de garantir a segurança nas mesmas. O Ministério da Educação que devia zelar pela qualidade do ensino ilude os resultados escolares para que não se perceba a degradação a que se chegou e depois oferece Magalhães como se a solução para tal descalabro passasse por mais tralha e não pela aposta no saber. Não consegue sequer colocar a máquina estatal a trabalhar como deve – será possível que com tanto jurista a trabalhar no Estado se recorra constantemente a estudos e pareceres externos? – mas aproveita todas as ocasiões para dificultar a actividade dos privados, sobretudo se estes não tiverem dimensão suficiente para serem considerados um parceiro de negócios… Os exemplos são imensos. Podem encher-se páginas e páginas com as inenarráveis opções que têm sido tomadas na hora de gastar o nosso dinheiro. Mas para lá deste desperdício que nos colocou na falência – em termos práticos a dívida soberana tornou-se a efectiva soberana do país – o que está em causa é o papel dos eleitos políticos. O que queremos que os políticos façam?
Mesmo que houvesse dinheiro para tal – e como vemos não há – um Estado que quer substituir-se aos indivíduos, às famílias e às empresas é um Estado que tenderá a ser cada vez menos democrático.
A sarjeta da minha rua é disso um exemplo: os moradores não a podem mandar arranjar pois isso é competência da autarquia. Todos os anos por aqui se paga taxa de esgotos, de saneamento variável e de saneamento fixo. Claro que também temos IMI e o Adicional C.M. Lisboa, seja isso o que for. Mas não há dinheiro para mandar arranjar a sarjeta.
Esta sarjeta não é um monumento menos digno que o “Portugal Piscina” de Joana Vasconcelos que está exposto no Terreiro do Paço. Esta sarjeta só aparentemente resulta de um desleixo de anos e anos. Ela é sim o produto eleboradíssimo do Estado promotor de mudanças de mentalidades, dinamizador de empregos, gerador de riqueza, agente cultural… Na sua aparente irrelevância a sarjeta da minha rua simboliza onde nos levou uma classe política que quis fazer de pai, empresário, padre, assistente social, arquitecto e animador de festas. Só não quis mesmo foi fazer aquilo que lhe compete. Ou seja, servir o povo.
*PÚBLICO

Bem visto, ó Helena!!!!!
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No meio do estoiro que foi esta treta do OE, espera-se que pelo menos haja o tacto estratégico para não autorizarem que Portugal substitua a Grécia como ‘bombo-da-festa’ na Imprensa e Meios Politicos Mundiais. Seria outro factor a agravar ainda mais a situação.
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Para tanto impõe-se que ainda este mês se antecipem e discretamente o FMI entre em Portugal. E ponto final nesta ‘peixeirada’.
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Copy and Past dum post de 26/10/10 num jornal sobre economia de cidadão desconhecido:
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“Aprove-se , Cábulas de Cima | 26/10/10 10:44
Esta discussão do OE é percebido pelo País inteiro como montagem de mais uma golpada no baú: visa provocar o adiantamento da vinda do FMI durante uns mesitos para terem tempo de assinarem os contratos TGV, Aeroporto, 3ª Ponte do Tejo, os grandes ‘saqus azulis’ agenciando interesses exportadores doutros dentro da UE. É da micro-minoria transversal que nem é Direita, Centro ou Esquerda nem deísta ou ateísta. O País já sabe que não resolve nada, nem pretende resolver nada presente ou futuro.”
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Caríssima Helena Matos,
Os moradores não podem mandar arranjar a sarjeta? Experimentem fazê-lo: duvido que venha alguém desfazer o trabalho…só que perdem o prazer auto-complacente da lamentação.
Tem toda a razão no que escreve sobre os poderes públicos; no entanto, lamentar-se, criticar o Estado e não agir é a única coisa que a maioria dos portugueses concebe fazer.
Se eu pensasse como a Helena Matos, ainda hoje tinha uma espécie de lixeira a 5 metros da porta: agora existe ali um canteiro com plantas.
Bom dia.
António
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A Dra. Helena Matos já telefonou para a Junta a avisar do estado da sarjeta?
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deu-lhe um grandessímo trabalho mas não muda o estado de coisas.
Eu sou do tempo em que mês a mês se lavavam as ruas com agulheta.
Hoje paga-se para cobrir o “deficit” do desemprego
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já telefonou para a Junta a avisar do estado da sarjeta? — JÁ. NÃO É COMPETÊNCIA DA JUNTA MAS SIM DA AUTARQUIA. OBVIAMENTE CONTACTEI O RESPECTIVO DEPARTAMENTO.
Os moradores não podem mandar arranjar a sarjeta? Experimentem fazê-lo – NÃO EXPERIMENTO NÃO SENHOR. UMA SARJETA IMPLICA A EXTRUTURA DO ESGOTO E NÃO SEI SE TEM NOÇÃO DA MULTA QUE A CML APLICARIA AOS DESGRAÇADOS QUE SE METESSEM A MEXER NA SARJETA. P
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O António, você tem que vir morar aqui para estes lados….
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JÁ. NÃO É COMPETÊNCIA DA JUNTA
Está aqui o problema.
A Junta de Freguesia de Benfica ocupa um sumptuoso edifício (foi aliás sede do Benfica)tem uma piscina subalugada um campo de hóquei subalugado um teatro onde passam umas coisinhas um centro de 3ª idade e deve ter para cima de quarenta funcionários.
Se não têm competência para reparar uma simples sarjeta não deviam sequer existir, tudo o que fazem pode ser feito pelos privados (algumas coisas até o são) mais barato.
Era isto que a Dra. Helena Matos podia explorar, ou seja ir à fonte do problema.
Já agora António Costa tem um projecto para reduzir as actuais freguesias a nove.
Alguém acredita que nos próximos quinhentos anos isso seja feito?
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«A Dra. Helena Matos já telefonou para a Junta a avisar do estado da sarjeta?»
Já há dias me pronunciei sobre isto: como um ‘pormenor’, um simples ‘pormenor’ , pode dar-nos uma eficaz imagem do regime. Neste caso do regime da capital do império.
Aliás o trecho da Helena, cabia perfeitamente num manual de sociologia: “Uma visão sociológica do desleixo»
Caso automóvel em ruínas, abandonado: Restelo.
Há um ano, mail para a CML.
Dias depois…foi encaminhado para a PM (polícia municipal).
Seis meses depois: mail para a CML, explicitando – se for para dar a resposta do antecedente,
não vale a penas maçarem-se.
Semanas depois…foi encaminhado para a PM.
Até hoje.
Há dias, dois cartazes afixados no automóvel:
“Vende-se”… telefone da CML…foto de António Costa;
“Uma equipa para limpar Lisboa” – Cartaz de propaganda eleitoral (AC e o seu nº2 na CML).
Aconteceu que as últimas chuvadas, fizeram desaparecer os cartazes.
Vale, que Lisboa é grande e AC o seu profeta, hoje.
Ontem, era Santana Lopes.
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Já reparou que a pedra da sarjeta, como tantas outras nesta Lisboa, foi, porventura, partida pela roda de um auto. É que os passeios desta capital são o maior parque de estacionamento da cidade.
Gineto
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Sou completamente a favor da existência das juntas. Agora os poderes que estão concentrados na câmara, deveriam estar dispersos por estas. Mais perto das pessoas e dos locais que devem servir. Claro que isso implicaria distribuir verbas e eliminar umas boas centenas de funcionários. Existe 1 funcionário na CML para cada habitante de Lisboa. Isto pura e simplesmente não tem cabimento.
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