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“O modelo que nos trouxe até aqui” *

27 Junho, 2011
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No caso do CEJ, o malefício maior não decorre da constatação do «copianço» mas do modo tragicamente sintomático como a instituição quis aguar o problema: desobrigando os prevaricadores, embranquecendo a transgressão, sancionando frouxa e indevidamente «a eito», oferecendo um exemplo cabal daquilo que nunca deveria ser decidido por um organismo devotado ao ensino da aplicação da Justiça. Pior: a forma aligeirada como os seus responsáveis vieram a público defender a asneira que tinham perpetrado mostra bem como estão enfarinhados no pior do nosso tempo e transborda aquilo que o Direito qualifica como uma irrecuperável «falta de consciência da ilicitude» – a que só a intensa pressão da opinião pública conseguiu pôr algum travão.”

 

O modelo que nos trouxe até aqui

Rompeu uma enorme polémica acerca das suspeitas de «copianço» num exame no Centro de Estudos Judiciários (CEJ) que foi superiormente sancionada (?!) com a nota dez igualitariamente aspergida por todos os alunos.

As instituições de ensino, de qualquer espécie, têm de criar mecanismos aptos a mitigar os esforços de trapaça, mostrando-se implacáveis quando os conseguem desvendar. E é precisamente nesse aspecto que o sistema de ensino, em bloco, tem revelado maiores equívocos – o espírito laxista do tempo em que estamos, em casório feliz com o nosso proverbial «nacional-porreirismo», praticamente aboliu os exames dignos desse nome (aparentemente, os futuros magistrados acareavam-se com um teste de cruzinhas – esperemos que não venham a emitir sentenças através de método semelhante) e enlevou a doce compreensão típica do «eduquês» perante a descoberta de fraudes.

No caso do CEJ, o malefício maior não decorre da constatação do «copianço» mas do modo tragicamente sintomático como a instituição quis aguar o problema: desobrigando os prevaricadores, embranquecendo a transgressão, sancionando frouxa e indevidamente «a eito», oferecendo um exemplo cabal daquilo que nunca deveria ser decidido por um organismo devotado ao ensino da aplicação da Justiça. Pior: a forma aligeirada como os seus responsáveis vieram a público defender a asneira que tinham perpetrado mostra bem como estão enfarinhados no pior do nosso tempo e transborda aquilo que o Direito qualifica como uma irrecuperável «falta de consciência da ilicitude» – a que só a intensa pressão da opinião pública conseguiu pôr algum travão.

Pertenço ao número dos que pressentem que há muito de errado na formação dos nossos magistrados: um modelo esgotado, deslocado, ilusório e cujos resultados desagradam praticamente a todos os que se defrontam com o sistema de justiça – excepto aos que por lá se geraram. Este lamentável episódio apenas serviu para que mais alguns possam aferir a quase nudez real da coisa…

 

Nuno Gomes tinha razão

Algumas das mais notáveis pérolas do pensamento contemporâneo surgiram a propósito do futebol. Normalmente são expressões de uma obviedade gritante, redundantes e pleonásticas, que adquirem encanto especial por serem proferidas com a pomposa sisudez de quem descobriu uma verdade até aí insuspeitada e irrefutável pelo resto da humanidade. Uma das minhas preferidas é da autoria de Nuno Gomes e já tem alguns anos: após uma exibição medíocre da sua equipa no estádio da Luz, automaticamente brindada com um enorme coro de assobios por parte dos adeptos, o antigo capitão benfiquista justificou-se exemplarmente perante as câmaras de televisão: «Os sócios têm de perceber que os futebolistas também são seres humanos como as pessoas». Qualquer que seja a hermenêutica aplicável, Nuno Gomes terá sempre razão, convenhamos.

Muitas das considerações sobre o caso do CEJ têm-se esmerado acerca da suposta questão ética relativa à conduta dos futuros magistrados. A minha experiência de duas décadas de ensino leva-me a concluir que a vertente ética do problema existe mas, em concreto, traduz-se numa irrelevância dificilmente superável. Os auditores de Justiça do CEJ, por mais que se queiram somar encómios ao seu status, são estudantes de uma instituição onde se confere a aprendizagem necessária a um exercício profissional. São alunos, portanto – e onde existem educandos sujeitos a provas de exame, quer se goste ou não, persistirão tentativas de fraude. Quer se trate de futuros magistrados, médicos, engenheiros ou padres! Parafraseando Nuno Gomes, «os portugueses têm de perceber que mesmo os que estudam para magistrados também são alunos como os outros estudantes».

* Notícias Sábado, 24.VI.2011

6 comentários leave one →
  1. DG's avatar
    27 Junho, 2011 12:26

    Eu só queria perguntar ao CAA o que é que pensa fazer como deputado quanto ao facto de, a partir de agora, eu, cidadão e contribuinte escrupuloso, não poder saber quem pediu subsídio vitalício, subsídio de reintegração e outras mordomias e prebendas que pago aos senhores deputados. Acha bem, sr deputado CAA? A bem da transparência e da palavra dada o que é que me responde, sr deputado?

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  2. afédoshomens's avatar
    afédoshomens permalink
    27 Junho, 2011 12:29

    …parece que o caa ainda não pegou ao serviço…trabalho?…

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  3. trill's avatar
    trill permalink
    27 Junho, 2011 13:01

    O modelo que nos trouxe até aqui foi o modelo que destruiu a tão falada “competitividade” do país, para a próxima década, pelo menos. É o modelo do ensino básico que favorece a mediocridade, o chico-espertismo, os mafiosos e os chantagistas. Não sei, não sei mesmo, como portugal se vai desenvencilhar. Vai ser preciso força… Muita força. http://psicanalises.blogspot.com/

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  4. Piscoiso's avatar
    27 Junho, 2011 13:30

    O corporativismo por essa área profissional
    está bem patente na composição do actual governo.
    É um plantel de fitas encarnadas.

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  5. Arlindo da Costa's avatar
    Arlindo da Costa permalink
    27 Junho, 2011 16:16

    Está à vista de todos que o país não funciona, não necessáriamente por causa dos partidos que ora governam, mas sim e principalmente por causa das corporações e grupos profissionais enquistados e protegidos dentro do Estado.
    É o pessoal da «justiça». É o pessoal das «universidades». É o pessoal dos «impostos». É o pessoal da «saúde». São os «professores», etc,etc.
    Os governantes vão e vêm, mas estes (os funcionários e os dignatários da administraçãio pública) continuam sempre lá a rasteirar todos os governantes que chegam.
    Sócrates estava d’olho neles, mas os lobis da administração pública e da chulança pública são muito poderosos!…

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  6. silva's avatar
    silva permalink
    6 Setembro, 2011 12:06

    “O irregular e promíscuo funcionamento dos poderes públicos é a causa primeira de todas as outras desordens que assolam o país.
    A DGERT tem por missão apoiar a concepção das políticas relativas ao emprego e formação profissional e às relações profissionais, incluindo as condições de trabalho e de segurança saúde e bem-estar no trabalho, cabendo-lhe ainda o acompanhamento e fomento da contratação colectiva e da prevenção de conflitos colectivos de trabalho e promover a acreditação das entidades formadoras.
    Tudo uma grande mentira, as provas são dadas com o despedimento colectivo de 112 pessoas do CASINO ESTORIL
    “Para Os Trabalhadores da empresa casino estoril no final se fará justiça, reconhecendo a insustentabilidade de um despedimento Colectivo oportunista promovido por uma empresa que, para além do incumprimento de diversas disposições legais, apresenta elevados lucros e que declara querer substituir os trabalhadores que despede por outros contratados em regime de outsoursing”.
    Independentemente do valor dos homens e das suas intenções, os partidos, as facções e os grupos políticos supõem ser, por direito, os representantes da democracia. Exercendo de facto a soberania nacional, simultaneamente conspiram e criam entre si estranhas alianças de que apenas os beneficiários são os seus militantes mais activos.
    CASINO ESTORIL
    Quem investiga esta triste noticia para o Concelho de Cascais. Porque é que o estado não quer saber que a empresa Estoril-Sol despediu ilegalmente 112 funcionários do Casino Estoril em substituição de precários o que significa mais desempregados e desempregadas e postos de trabalho perdidos no Concelho de Cascais. Já não basta haver milhares de desempregados e desempregadas no nosso concelho agora vão juntar-se a este drama mais 112 trabalhadores.
    A comissão de trabalhadores diz que a Estoril-Sol já fechou ao longo dos últimos 6 anos um total de 681 postos de trabalho. Muitas empresas em nome do lucro e camufladas pela crise vão despedindo indiscriminadamente não querendo saber das suas responsabilidades sociais.
    A Presidência da Republica não tem força nem estabilidade.
    CASINO ESTORIL
    Despedimento colectivo de 112 trabalhadores no Casino Estoril
    Nestas condições não constituirá um escândalo e uma imoralidade proceder-se à destruição da expectativa de vida de tanta gente ? Para mais quando a média de idades das mulheres e homens despedidos se situa nos 49,7 anos ?
    Infelizmente, a notícia de mais um despedimento colectivo tem-se vindo a tornar no nosso país numa situação de banalidade, à qual os órgãos de comunicação social atribuem cada vez menos relevância, deixando por isso escondidos os verdadeiros dramas humanos que sempre estão associados à perda do ganha-pão de um homem, de uma mulher ou de uma família.
    Mas, para além do quase silêncio da comunicação social, o que mais choca os cidadãos atingidos por este flagelo é a impassibilidade do Estado a quem compete, através dos organismos criados para o efeito, vigiar e fazer cumprir os imperativos Constitucionais e legais de protecção ao emprego.
    E o que mais choca ainda é a própria participação do Estado, quer por omissão do cumprimento de deveres quer, sobretudo, por cumplicidade activa no cometimento de actos que objectivamente favorecem o despedimento de trabalhadores.
    Referimo-nos, Senhores Deputados da República, à impassibilidade de organismos como a ACT-Autoridade para as Condições do Trabalho e DGERT (serviço específico do Ministério do Trabalho) que, solicitados a fiscalizar as condições substantivas do despedimento, nada fizeram mediante as provas que presenciaram.
    Não gosto de ver o caos em que puseram este país, por irresponsabilidade, por falta de respeito, pelo cidadão nos casos da justiça que a civilização criou como valores para a igualdade.
    Muitas das vezes, os nossos governantes não têm a capacidade de perceber para onde nos estão a conduzir ou não têm a coragem de assumir. Isso custa-me, porque há vítimas que estão a sofrer imenso.
    Por má gestão, por causa de carreiras meteóricas.
    Não posso deixar de condenar, todo o governante ou político, que pôs o seu trajecto individual e social acima do trajecto colectivo.
    Podem não se importar com as palavras, mas o certo é que não deixa de ser egoísmo, egocentrismo, quase tirania.
    Quem com responsabilidades está por detrás deste despedimento ilegal, que leva o estado a suportar o subsidio destes 112 trabalhadores.
    O Parlamento oferece constantemente o espectáculo do desacordo, do tumulto, da incapacidade legislativa ou do obstrucionismo, escandalizando o país com o seu procedimento e, a inferior qualidade do seu trabalho.
    Aos Ministérios falta coesão, autoridade e uma linha de rumo, não podendo assim governar, mesmo que alguns mais bem-intencionados o pretendam fazer.
    A Administração pública, incluindo as autarquias, em vez de representar a unidade, a acção progressiva do estado e a vontade popular é um símbolo vivo da falta de colaboração geral, da irregularidade, da desorganização e do despesismo que gera, até nos melhores espíritos o cepticismo, a indiferença e o pessimismo.
    A corrupção não existe, agora chama-se: Ciência Politica Utilitária
    Directamente ligada a esta desordem instalada, a desordem financeira e económica agrava a desordem Política, num ciclo vicioso de males nacionais. Ambas as situações somadas conduziram fatalmente à corrupção generalizada que se instalou…”
    A sociedade está podre, mas a esperança de que o povo acorde de vez sem medo de olhar para o empresário ou politico e dizer-lhes a vida neste planeta a todos pertence.
    A maior pobreza existe no meio dos empresários e políticos que massacram um povo em prol de uns míseros euros que não são eternos pois todos morremos e os euros para além da morte não fazem falta.
    POR MAIS QUE OS TUBARÕES TENTEM ABAFAR O CASO DO DESPEDIMENTO COLECTIVO DO CASINO ESTORIL EU IREI SEMPRE LEMBRAR A TODOS QUE SOU ALÉRGICO A INJUSTIÇAS E CORRUPÇÃO.

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