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“Rôba, mas tem obra”!*

19 Maio, 2013
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Em 2010, estive no Sul do Brasil, durante a campanha eleitoral para as “Gerais” – ou seja, para as eleições que, nesse ano, se realizaram para seis tipos de cargos/órgãos eletivos, a saber, Presidente da República, Governadores dos Estados, dois Senadores, Deputados Federais e Estaduais. Durante algumas incursões nos arredores de Florianópolis, pude verificar uma intensa, espontânea e muito original campanha comunicacional. Um vivo exercício de “marketing” político: candidatos locais, provavelmente sem meios financeiros para campanhas mais ortodoxas (cartazes e “spots” nas rádios e televisões), entretinham-se a colorir as vias públicas com mensagens políticas, simultaneamente imaginosas, impressivas (ou não fossem elas pintadas nos muros e sobrepostas, frequentemente, em cartazes de publicidade comercial corrente) e, por vezes, “artísticas”. Recordo-me de uma sucessão de “graffiti” de campanha que começava por “Vote em Florival. É da nossa gente!”, sublinhando, seguidamente, que o candidato tinha “Obra feita”, acabando com uma réplica de alguém que, no fim daquela sequência, pintou, a letras garrafais, que Florival “Rôba, mas faz obra!” (sic).

Esta frase-chavão do “rouba, mas faz obra” reflete uma cosmovisão, por vezes, enraizada e profundamente errada, da vida e da atividade política: por um lado, parece que só se pode fazer uma coisa de cada vez. Mas pior: por outro lado, aceita-se que tudo o que eventualmente se faça de bom, justifica os excessos e/ou as condutas impróprias – mesmo que sejam “rôbar” ao erário público, para proveito próprio, como se insinuava, naquelas paredes do Sul do Brasil, em relação ao  Florival. Uma ideia minimalista e desresponsabilizante; uma espécie de justificação complacente da vida, tipo “porque todas as rosas têm os seus espinhos”! Claro que se pode – e deve – fazer obra, sem “roubar”. É evidente que os fins não podem justificar todos os meios. Por outro lado, também é possível, desejável ou mesmo exigível, fazer mais do que uma coisa de cada vez! A habilidade – na política, como na vida – reside aí: na nossa capacidade para conciliarmos e prosseguirmos objetivos que até poderão ser, aparentemente, divergentes!

Ora, idem, idem, quando se contrapõe a austeridade orçamental, ao crescimento económico. Mal de nós se não os prosseguimos a ambos. Até porque a equação não deverá ser posta assim. A austeridade – rigor – não será, sequer, uma opção; deveria ser um método inultrapassável, no que respeita à gestão da despesa e à contracção de dívida públicas.  Não será difícil, no limite, “cortar” sem mais, nem porquê. Apesar de  “em casa em que não há pão (não há dinheiro), todos ralham sem razão”, o que importará é ter mesmo uma política de crescimento, com austeridade (leia-se, com rigor). Esse é que será (deverá ser) o resultado final do nosso “ajustamento”!

E sublinho a “política”, frequentemente esquecida no meio da “austeridade” (leia-se, agora,“cortes”).

* Adaptação de “Austeridade vs. Crescimento”, semanário Grande Porto, ed. 17.05.2013.

15 comentários leave one →
  1. Monti's avatar
    Monti permalink
    19 Maio, 2013 10:22

    Não foi só no Brasil.
    Nem em Oeiras.
    Que têm feito, há décadas, os partidos políticos (todos) do regime,
    com relevo para os três do arco governativo?
    No Correio da Manhã de hoje,
    lá estão apontados as 402 mulas do regime, reformas vitais.
    Cortemos pois os pensionistas,
    A bem da mula que preside na AR, por ex.

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  2. balde-de-cal's avatar
    balde-de-cal permalink
    19 Maio, 2013 10:27

    nos anos 50 o slogan de Ademar de Barros era
    ‘Ádêmar rôba, mas constrôe’.
    ‘-nos meus bolsos só tem dinheiro honesto
    -Ádêmar tem calças novas`

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  3. Joaquim Carreira Tap's avatar
    Joaquim Carreira Tap permalink
    19 Maio, 2013 11:09

    Naturalmente quando se perdem os valores e se vive só para viver tudo serve para ultrapassar barreiras. Falta repensar, a alguns, se é para roubar e fazer, que os governantes são eleitos. Talvez se possa fazer sem roubar e viver de consciência tranquila e, ao mesmo tempo, não dar maus exemplos. Mas isto são caminhos que só os tontos defendem porque os espertos sabem que não há amanhã.

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  4. Luis Moreira's avatar
    Luis Moreira permalink
    19 Maio, 2013 11:45

    Mas há quem não roube e até tenha avisado :http://bandalargablogue.blogs.sapo.pt/376313.html

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    • A C da Silveira's avatar
      A C da Silveira permalink
      19 Maio, 2013 13:23

      Muito a propósito. É pena não ter posto aqui o que na altura o PS e os media diziam destes avisos. Não foi apenas o PS que não aprendeu, os media também não!

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    • manuel's avatar
      manuel permalink
      19 Maio, 2013 14:02

      Votei 2 vezes em Rui Rio e estou satisfeito . A cidade do porto recupera de uma forma sustentada o seu imobiliário ,tem muito turismo de qualidade ,externo e interno . Recomendo uma visita à baixa e uma volta no autocarro pela cidade. O hotel das cardosas trouxe vitalidade e fiquei encantado no domingo passado,por ver juventude e idosos a andar a pé ,voltam velhos hábitos e seria bom que se fruisse a beleza e a qualidade do ar da nossa cidade em toda a sua plenitude . Andar num centro comercial não compara com o atrás descrito.

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  5. FilipeBS's avatar
    FilipeBS permalink
    19 Maio, 2013 12:05

    100% de acordo com esta entrada. Se virmos austeridade como sinónimo de rigor (e concordo com esta equiparação), então realmente pode haver austeridade com crescimento. Com dinheiro público tem de haver austeridade/rigor. Dinheiro público é o dinheiro de todos nós gerido por alguns. Portanto todos temos de exigir o máximo rigor e a mínima bandalheira. Infelizmente vivemos em bandalheira há décadas. Criou-se uma economia falsa, baseada no crédito e num estado sobredimensionado devido aos empréstimos. Agora que temos de ajustar, é óbvio que há recessão. Não podia ser de outro modo…

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  6. YHWH's avatar
    YHWH permalink
    19 Maio, 2013 12:15

    Por cá nem isso…

    «Vídeo da Manchete 00:59
    Marques Mendes diz que Governo está paralisado e em fim de ciclo (SIC)

    Marques Mendes considera que o Governo está paralisado e em fim de ciclo. Para o comentador da SIC, os conselhos de ministros servem apenas para decidir medidas de gestão corrente.»

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  7. YHWH's avatar
    YHWH permalink
    19 Maio, 2013 12:23

    O pais neste lamentável estado e ouvindo-se a acta do último conselho de ministros não se acredita:

    – Estabelecimento do protocolo A…

    – Implementação do estudo B…

    – Autorização a para a indexação estatutária C…

    Uma tragi-comédia sem mais.

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  8. Gol(pada)'s avatar
    19 Maio, 2013 13:04

    Os sinistros senhores da Goldman & Sachs
    Moedas e Borges ? os infiltrados
    Não são opiniões. São factos. Eles explicam a Crise e as cumplicidades (os esquemas) dos governos. O nosso incluído. Moedas e Borges, esses arautos da Austeridade e da Transparência, têm um papel sinistro no meio disto tudo.Depois, não se diga que ninguém avisou. Que não se sabia de nada.
    Depois de ler, há duas atitudes:
    a) Encolher os ombros;
    b) Denunciar. Avisar a malta.
    Sabem mesmo quem é Carlos Moedas?
    Os arautos da transparência…

    Os arautos da transparência, têm como exemplo disso mesmo (transparência) o adjunto do primeiro-ministro, o senhor Carlos Moedas, que, veio agora a saber-se, tem 3 empresas ligadas às Finanças, aos Seguros e à Imagem e Comunicação. Como sócios, teve os senhores Pais do Amaral, Alexandre Relvas e Filipe de Button, a quem comprou todas as quotas em Dezembro passado. Como clientes, tem a Ren, a EDP, o IAPMEI, a ANA, a Liberty Seguros, entre outros. Nada obsceno, para quem é adjunto de Pedro Passos Coelho! E não é que o bom do Moedas até comprou as participações dos ex-sócios para “oferecer” o bolo inteiro à mulher?! (Disse-o ele à Sábado). Não esquecer ainda que Carlos Moedas é um dos homens de confiança do Goldman Sachs, a cabeça do Polvo Financeiro Mundial, onde estava a trabalhar antes de vir para o Governo. Também António Borges é outro ex-dirigente do Goldman, e que está agora a orientar(!?) as Privatizações da TAP, ANA, GALP, Águas de Portugal, etc. Adoráveis, estes liberais de trazer por casa, dependentes do Estado, quer para um emprego, quer para os seus negócios. Vale a pena lembrar uma vez mais que o Goldman and Sachs, o Citygroup, o Wells Fargo, etc., apostaram biliões de dólares na implosão da moeda única. Na sequência dos avultadíssimos lucros obtidos durante a crise financeira de 2008 e das suspeitas de manipulação de mercado que recaíam sobre estas entidades, o Senado Norte Americano levantou um inquérito que resultou na condenação dos seus gestores.

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  9. Fincapé's avatar
    Fincapé permalink
    19 Maio, 2013 16:00

    Os seus posts, de tanta razoabilidade até custam a comentar. Então, que dizer, pois? Olhe, tem toda a razão. Mas, como sabe, a estupidez humana não tem limites, como Einstein dizia.

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  10. Algarvio's avatar
    Algarvio permalink
    19 Maio, 2013 16:41

    Pois com sócrates também foi o mesmo rouba ou tem comissões mas fez obra pensar em pagar é que já não é com ele.

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  11. Joaquim Amado Lopes's avatar
    Joaquim Amado Lopes permalink
    19 Maio, 2013 19:05

    Infelizmente, muitos confundem “políticas de crescimento” com “investimento público”.
    .
    As políticas de crescimento sustentado (o que realmente interessa) são as que contribuem para melhorar as condições de investimento e têm a ver com regulação (p.e. fim de monopólios), emprego (facilitar a contratação mais do que impedir o despedimento), fiscalidade (estabilidade fiscal e incentivo à poupança e ao investimento) e justiça (celeridade, isenção e previsibilidade), não com obras públicas.
    Um Governo que queira verdadeiramente promover o crescimento económico sustentado faz por tirar às empresas, investidores e famílias tão pouco dinheiro quanto possível, no imediato e para o futuro. Isso implica não fazer obras só “para inaugurar” (quantos equipamentos municipais só foram importantes até à data da inauguração?) e garantir o dinheiro para pagar as que valerem a pena fazer ANTES de as fazer.

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  12. Joaquim Amado Lopes's avatar
    Joaquim Amado Lopes permalink
    19 Maio, 2013 19:06

    “Rôba, mas faz obra!” não é uma insinuação, é uma afirmação.

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  13. João Lisboa's avatar
    19 Maio, 2013 19:31

    Post assaz inovador… já esqueci a 1ª vez que, EM PORTUGAL, ouvi o célebre “rouba mas faz”… oh well…

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