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Belém, Constantinopla e o “pós-troika”*

25 Maio, 2013
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Em 1453, durante a tomada de Constantinopla (atual Istambul) pelos turcos otomanos, as autoridades religiosas cristãs estavam reunidas em concílio. Segundo os relatos, tratou-se de um conclave quase tão virulento e acalorado, em termos de discussões, como o cerco à cidade e a guerra que, fora de muros, se travaram. Com efeito, indiferentes à queda iminente do império bizantino, as referidas autoridades digladiavam-se entre si, discutindo questões teológicas supremas como, por exemplo, a de se saber se os anjos tinham, ou não, sexo. Ora, discutir, durante 7 horas, o futuro, ainda que previsivelmente próximo, quando temos dúvidas urgentes e existenciais sobre o presente, assemelha-se, à primeira vista, a uma espécie de exercício de retórica sobre, precisamente, o sexo dos anjos.

E foi assim, envolto numa bizantina névoa de inconsequência, que se desenrolou o último Conselho de Estado, convocado pelo Presidente da República, precisamente para, agora, discutir o “pós-troika”. Sempre tivemos uma tendência inata para nos entretermos com minudências que – parafraseando essa grande referência sociológica da nossa televisão que se chama Teresa Guilherme – “não interessam nada”! Assim, no meio de arrasadores problemas estruturais de desemprego galopante e em estado de pré-comoção política, empenhamo-nos (empenham-se e indignam-se algumas aspirantes a “virgens ofendidas”), na discussão das denominadas “causas fraturantes” (não, não me chamem homofóbico! não estou a pensar no casamento ou na adoção entre e por pessoas do mesmo sexo). “Causas fraturantes” como, por exemplo, saber se um deputado da Nação, pode ou não chamar aos benfiquistas, no rescaldo da 27ª vitória no campeonato do FC Porto, “magrebinos”… quando a expressão futebolística “mouros” é correntemente usada, sem grandes segundos sentidos ou indignações. Tal como, ao invés, a designação “Andrades”. Ou quando o presidente de uma empresa ainda participada pelo Estado, faz doutrina económica sobre o Benfica e o PIB nacional. Mas retornemos ao Conselho de Estado. As aparências poderão, talvez, dissimular preocupações Presidenciais relevantes. No fundo, discutir-se o “pós-Troika” poderá ser um sinal, para o Governo, de que o cheque-garantia passado por Cavaco Silva, no seu discurso do 25 de Abril,  não é definitivamente válido para toda a legislatura. Poderá caducar logo a partir do momento em que a “troika” nos deixe. Ou então, poderá significar que as bases da coligação governamental estarão seguras, mesmo, por um fio. Ou seja, pode colocar-se a hipótese de que na perspetiva de Belém, a prazo curto, tudo pode estar, afinal, em aberto…

* Grande Porto, semanário, 24.05.2013.

8 comentários leave one →
  1. politologo's avatar
    politologo permalink
    25 Maio, 2013 08:11

    “palhaçada” ?

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    • licas's avatar
      licas permalink
      25 Maio, 2013 17:49

      É capaz . . .
      Como o Arménio Carlos disferiu que do *arco do poder* só sai
      prejuízo para os camaradas, trabalhadores subsidiados e reformados,
      vamos ter uma hipótese para as Eleições que diz serem inadiáveis:
      O PCP + BE + PS irão acabar com a *palhaçada* (segundo afirma).
      VOZ AO POVO !

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  2. zé luís's avatar
    25 Maio, 2013 12:28

    O conclave podia ser de eminências, mas a queda da cidade era iminente…

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  3. Fincapé's avatar
    Fincapé permalink
    25 Maio, 2013 15:09

    Discutir o sexo dos anjos faz tanto sentido como discutir o sexo das anjas. O que se pode é tentar descobrir se também têm terceira via.
    ——–
    Chamar magrebinos aos portugueses do sul e a muitos do norte também não terá muita importância, a não ser que se precise dos seus votos. No entanto, Ricardo Araújo Pereira (RAP) disse ontem, no Governo Sombra, da TSF, que CAA tinha dito numa entrevista ao DN que considerava os “bonecos” de RAP insultuosos para as pessoas do norte. Ora, RAP faz “bonecos” de todo o o país, incluindo Almada, como ele próprio lembrou, e eu também me lembro. Bonecos que, aliás, todos os humoristas fazem. Criticar um humorista por fazer humor e tentar sê-lo sem grande jeito para isso, podendo necessitar dos votos dos “sujeitos” não é lá muito avisado. Não é que me incomode diretamente, só que….

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  4. Joaquim Carreira Tap's avatar
    Joaquim Carreira Tap permalink
    25 Maio, 2013 15:38

    Neste país, desde há muito, fala-se de mais e pensa-se de menos. Daí, estarmos onde estamos e a culpa ser sempre dos outros. Já era altura de mudar a rota.

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  5. licas's avatar
    licas permalink
    25 Maio, 2013 17:34

    Mouros , Magrebinos . . .
    Pinto da Costa é evidentemente um porco, na linguagem
    e no desportivismo de que deveria ser um dos principais
    cultores.
    Porém . .
    Foge-lhe o pé para a chinela, e quanto ao oportunismo de
    estar em sintonia com os mais extremistas *tifosi* é o que
    se vê . .
    GRANDE EDUCADOR DA CLASSE (DESPORTIVA) . . .

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  6. PMF's avatar
    25 Maio, 2013 19:47

    De facto, Caro Trap, “Neste país, desde há muito, fala-se de mais e pensa-se de menos”. E mal, acrescentaria.

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  7. Duarte de Aviz's avatar
    Duarte de Aviz permalink
    26 Maio, 2013 00:08

    Sobre as 7 horas do conselho de estado e o adjetivo usado pelo celta de gaia tenho a dizer o seguinte. Por acaso do destino trabalho regularmente com gente da peninsula arabica e verifiquei com surpresa a capacidade que as gentes daquelas bandas têm para entreter conversas de horas, precisamente sobre minudências que não interessam nada e tomarem-se de grandes emoções por isso. è bem certo que do Magreb à Arábia vai alguma distância mas a ver pelo rato parido pela montanha do conselho de estado, não será “Magrebinos” ou “Mouros” um qualificativo demasiado brando para a turma de matutos que polulam pela capital do império? Eu acho que são mesmo “Árabes”

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