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perceber o que nos aconteceu

27 Fevereiro, 2014
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José Manuel Moreira escreveu um brilhante artigo, hoje publicado no Diário Económico, que, para além da excelente qualidade a que sempre nos habituou, tem o mérito de tornar definitivamente clara a natureza do sistema económico que produziu a crise com que hoje nos confrontamos. Mas a importância deste texto não se esgota na sua utilidade pedagógica. Ele deveria servir para, de uma vez por todas, os políticos porem de lado a ladainha desresponsabilizadora contra algo que nunca existiu nos países agora em crise – o modelo económico capitalista/liberal e a economia de mercado não intervencionada – e enfrentarem as verdadeiras causas dos problemas, das quais não estão obviamente isentos. A insistência em encontrar culpados onde eles não existem, que sobretudo a esquerda tem procurado, é uma táctica política de fuga legítima, mas que só agravará os problemas do país e das pessoas, se mantida como orientação política de um futuro governo, porque fugirá à realidade das coisas e procurará soluções a partir de um diagnóstico errado, ou terá como consequência um agravamento da já enorme descrença popular em relação aos políticos e à política, se só servir como tema de campanha e for abandonada mal se assumam responsabilidades de governo, como sucedeu recentemente na França socialista do senhor Hollande, quando confrontado com a realidade. Por ser fundamental para todos percebermos o que nos aconteceu e não nos deixarmos cair em demagogias baratas, o artigo de José Manuel Moreira é de leitura mais do que obrigatória.

9 comentários leave one →
  1. Fincapé's avatar
    Fincapé permalink
    27 Fevereiro, 2014 16:23

    “Mises costumava dizer que é necessário distinguir entre capitalismo puro e capitalismo intervencionado. Em ambos existe propriedade privada, mas enquanto no primeiro há lugar para a concorrência privada entre empresários, no segundo a concorrência concentra-se no âmbito político, ou na ideia de obter uma série de privilégios da parte do Estado para evitar justamente a concorrência económica.”
    Há uma outra espécie de capitalismo. Aquele que é puro até estar em apuros e passa a ser intervencionado depois de aventuras que chegam à ilegalidade e atropelam todos os princípios éticos. Foi o que aconteceu nos EUA. Por fim, aconteceu que o Estado teve de salvar grandes empresas e parte das verbas da “salvação” foi direitinha para o bolso de administrações e acionistas porque o Estado não pôde intervir nessa imoralidade. Deveria ser crime, mas não é porque as leis tratam de salvaguardar o verdadeiro poder, o do dinheiro, porque as leis são impostas por eles. Os lóbis são um verdadeiro cancro social e económico.
    Acontece que, ainda não percebi porquê, mas é positivo, que, apesar de certos comportamentos do capitalismo puro e praticamente sem regras, esses grandes donos do mercado, de vez em quando (aconteceu após a crise de 2007/2008), são obrigadas a pagar indemnizações de milhares de milhões de dólares em processos cíveis (dos criminais livram-se os administradores, mas nem sempre os da plataforma seguinte). Mas isto acontece porque alguns dos prejudicados também detêm algum poder. Financeiro, é claro. O mexilhão continua a ser esmagado.
    Por isso, o capitalismo sem regras tem crises cíclicas graves em que, em vez de produzir emprego, bem-estar social, crescimento, produz pobres. E adivinham-se novas crises. Esta de 2007/2008 vi a sua previsão num livro de 2000. E não era um livro “marxista”. Porque quando não há leis, manda sempre um outro poder. A fonte de poder com maior torrente é sem dúvida o dinheiro. As outras, como a força, está neutralizada pelas leis (e ainda bem), a informação (o conhecimento) pertence ao sistema financeiro ou a outros grupos de interesse poderosos.
    O mais é nada.

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    • vitorcunha's avatar
      vitorcunha permalink*
      27 Fevereiro, 2014 17:56

      O Fincapé não vê a contradição desta sua afirmação?

      Por fim, aconteceu que o Estado teve de salvar grandes empresas e parte das verbas da “salvação” foi direitinha para o bolso de administrações e acionistas porque o Estado não pôde intervir nessa imoralidade.

      Dizer que o estado teve que salvar empresas chamando-lhe “capitalismo puro” é algo não consigo compreender. “Salvar” (ou promover, exterminar, favorecer, atribuir monopólio, encerrar…) empresas é estatismo puro.

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      • Fincapé's avatar
        Fincapé permalink
        27 Fevereiro, 2014 18:34

        Não há contradição nenhuma, Vítor. Essas empresas vivem em “capitalismo puro”. Os contribuintes e a generalidade dos cidadãos assim pensam. Os administradores estão blindados e sacam bónus que não correspondem minimamente ao seu trabalho. Muitas vezes os lucros de um ano são manipulações e é daí que sacam os bónus. Quando tudo se desmorona deveriam devolver o que levaram, mas retiram quantias da mesma ordem ou maiores. Pagam impostos inferiores às empregadas domésticas, quando pagam, porque o sistema é montado para os evitarem. Recusa(va)m regulações. “Capitalismo puro”. Só no momento da queda é que surge o “socialismo” a salvar o “capitalismo puro”. “Socialismo” que é recusado ao cidadão que não tem possibilidades de ir ao médico.
        Quer dizer, os governos, amigos do capitalismo puro, interveem apenas num exato momento, traindo a generalidade dos cidadãos e os contribuintes.
        A contradição é dos governos amigos que nunca se afirmam “socialistas” para o poderoso capital, permanecendo liberais para os cidadãos e para a economia desses cidadãos.

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      • vitorcunha's avatar
        vitorcunha permalink*
        27 Fevereiro, 2014 18:37

        Leu o artigo, Fincapé?
        Deixo o link novamente, já que me parece que responde a todas as questões que levanta: Capitalismo em apuros.

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      • Fincapé's avatar
        Fincapé permalink
        27 Fevereiro, 2014 20:27

        Li, sim, Vítor. Leio quase sempre os links dos posts que comento. No primeiro comentário, transcrevi uma parte para iniciar o texto. Não me pareceu que respondesse, mas respeito a sua opinião.

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  2. jo's avatar
    27 Fevereiro, 2014 19:30

    Afirmam que a crise só se deu porque não deixaram o capitalismo puro desenvolver-se.
    O capitalismo puro de que estão a falar não existe. Existiria no mundo perfeito onde os capitalistas também seriam perfeitos e todos cumpririam as regras.
    No fundo é o mesmo tipo de raciocínio dos que defendem o comunismo. O falhanço das economias planificadas deu-se porque os comunistas não foram perfeitos.
    Quando começamos a entrar em dogmas de fé a discussão é inútil.

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  3. @!@'s avatar
    @!@ permalink
    27 Fevereiro, 2014 21:56

    Os liberais querem ou não estado? Não o podem querer. Se prezam a liberdade, a iniciativa individual de todos os indivíduos isso significa que não pode haver supremacia entre os mesmos para que se evita a ideia/espirito de qualquer tipo de organização/estado. O que quer dizer que os liberais pregam a igualdade negando-a.
    Não querendo a formação de organizações estão a promover o anarquismo em que cada um é responsável por si e pelo outro.
    Clientelismo é o que todos os ditos liberais promovem. Sem uma carteira de clientes estão feitos ao bife. Não arranjam trabalho nem conseguem despachar os produtos que produzem. Entre as chamadas empresas privadas há uma série de actividades que são contratadas exteriormente que gera uma rede de interesses muito semelhantes aos do estado pelo que devem ser controlados para evitar perdas e abusos.
    Uma das funções do estado/empresa é proteger todos os seus membros proporcionando-lhes uma vida condigna e segura. O estado, uma empresa, deve reinvestir na melhoria das suas performances. Ao se criarem as chamadas mordomias dá azo ao aparecimento de “desigualdades” ou de interesses instalados que minam o funcionamento e o espirito da ideia original que deu origem à empresa. Por alguma razão as empresas privadas têm uma existencia muito inferior à do estado. Umas delas é que o estado está constantemente a mudar, em transformação, em discusão, o que numa “privada” já não acontece.

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    • Fincapé's avatar
      Fincapé permalink
      27 Fevereiro, 2014 22:25

      Lembrei-me de um material que aqui há uns anos me foi fornecido e aplicado. O técnico disse-me que aquele produto era garantido por 50 anos. Não me interessei o suficiente para saber se era uma garantia legal ou uma garantia informal. Respondi que os fabricantes eram loucos. Eu se tivesse uma fábrica daquelas dava garantia até à eternidade. Pois se a fábrica não duraria mais 5 ou 10 anos, porquê garantir apenas por 50 anos? Garantir por uma eternidade daria uma ideia maravilhosa do produto.

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  4. JorgeGabinete's avatar
    JorgeGabinete permalink
    27 Fevereiro, 2014 23:40

    Deixo o meu singelo contributo:
    Capitalismo puro só existe como convenção teórica tal como a concorrência perfeita é um modelo teórico muito útil mas impraticável. No raciocínio do autor o que separa o sistema que temos (concordo que não é capitalismo-ponto) do puro capitalismo é a maior ou menor presença do arco de poderes/estado como elemento distorcedor da conjecturada auto-regulação dos mercados dentro do Mercado.
    Concordo que o estado como o definimos actualmente, é e produz uma sombra daquilo que dele se espera, na minha óptica deve por regra ser um garante e não um actuante. Deve ser regulador e regulamentador, não regulamentarista (excessivo como é, e o exemplo de excesso regulamentador pode ser a cruzada anti-tabágica que já levou a propostas invasivas da auto-determinação do indivíduo, sejam ou não contraproducentes para a saúde do mesmo) onde o próprio direito discricionário de regulamentar tudo e mais alguma coisa alberga o potencial de vantagens ilegítimas.
    Defendo um modelo de Capitalismo com ética social (não, não é uma terceira via), dito de outro modo o Estado deve existir e faz falta para ser supremo garante dos direitos liberdades e garantias e do cumprimento das obrigações, o que não implica arrogar-se ser actor nos processos. Exemplo: se a nossa constituição garante a universalidade do direito à saúde e de acesso a cuidados que a salvaguardem (e bem), isso não implica que tenha de ser o estado o prestador desses serviços e menos ainda que possa interditar-me quando quer decidir por mim o que é saudável e, pior ainda, o que eu devo fazer nesse sentido. Assim como não implica que o estado tenha de prover a todos de igual modo, sim em função da carência específica.

    De facto temos um estado (social) de concepção socialista ou social-democrata e não um estado de direita (a direita em Portugal não tem expressão partidária). Esta coisa de dizer que o estado social tem paternidade da esquerda e depois, perante o que corre menos bem ou perante fraudes na saúde e no ensino dizer que foi a voragem capitalista é como ir a Cuba e culpar o taxista pelo estado da sua viatura.
    Menos estado, melhor estado e, implacável estado: menos estado implica menos lastro para interesses corporativos ou de aparelhos partidários capturados o que permite publicar leis praticáveis e que de facto cumpram a sua finalidade ao invés de serem conjugações do verbo “poder” que só alguns conjugam (uns podem e outros nem sabem como possam – tão modernas que são as leis).
    Deixo um exemplo: em Portugal o lobbying é proibido e nunca me constou que existissem condenações por violação dessa proibição, em oposição nos E.U.A. é legal e regulamentado e um dos maiores lobbyistas está preso, Jack Abramoff.

    Finalizo dizendo que temos o estado que os nossos políticos criaram e temos os políticos que merecemos, não temos o estado que todos merecíamos.

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